As maiores eleições da América do Sul aproximam-se, trazendo a possibilidade de alinhar o Brasil à já existente maioria de governos de esquerda, no continente.
Desde a eleição de Jair Bolsonaro, ou até com o mandato de Michel Temer, o Brasil conheceu a face destrutiva do liberalismo. Vale ressaltar que foi durante a gestão do atual presidente que o Brasil voltou a enquadrar-se no mapa da fome da ONU, com problemas de escassez de alimentos e insegurança alimentar cada vez mais frequentes. Foi também na gestão de Jair Bolsonaro que o indivíduo com mais poder do Estado ridicularizou doentes, subestimou a pandemia da COVID-19, incentivou a compra e produção da hidroxicloroquina, mesmo não comprovada a sua eficácia contra a COVID-19. Enfim, uma gestão extremamente danosa, irresponsável e incompetente que provocou a morte de mais de 600 mil pessoas.
Um destino que podia ter sido evitado em 2018, aquando da prisão do ex-presidente Lula, mas chegamos a 2022 com a mesma possibilidade de Lula retomar a presidência brasileira. Desta vez, num cenário totalmente diferente.
Mas, há semelhanças que podemos apontar entre estas 2 eleições, e talvez a mais gritante seja o “terrorismo político” que inundou as campanhas presidenciais. Em 2018, foi o antipetismo, aliado à prisão injusta de Lula, que definiu as eleições e trouxe o resultado desastroso posterior. Em 2022, o grande “monstro” da eleição é o antibolsonarismo. Infelizmente, as últimas campanhas presidenciais têm sido feitas à base de criar medo em volta destes “monstros” e não na apresentação e debate de propostas.
Quando confrontados com as sondagens, vemos Lula no 1º lugar, até com a possibilidade de vencer no 1º turno, Bolsonaro com uma diferença modesta em 2º lugar e Ciro que volta a candidatar-se, a querer assumir o posto de 3º via, e usa estes 2 “monstros” constantemente para tentar disparar nas intenções de voto, mas não consegue, já que mal chega aos 10%.
Posteriormente, temos Simone Tebet, do MDB, que se fragmentou com a sua candidatura, na Paraíba aliaram-se a Lula, no Distrito Federal a Bolsonaro. O MDB torna clara a sua postura e esta não é a defesa de um programa eleitoral, de propostas coerentes e comprometidas com um Brasil melhor, mas é querer chegar aos cargos de Governo, independentemente de com quem seja ou do que for necessário defender. Defender pautas e apresentar uma ideologia clara com objetivos, é de pouca importância para o “centrão”. O mesmo a que Bolsonaro disse não pertencer, mas andaram de mão dada até agora.
Não esquecemos 2016, em que o MDB, e Michel Temer como vice-presidente, fazia parte do governo ao lado do PT e Dilma Rousseff, mas quando confrontados com o processo de impeachment, arquitetado por Eduardo Cunha, em nada se move, pelo contrário, é conivente com o golpe e a destituição dela, abrindo a possibilidade de governar o Brasil por 2 anos. Políticas incoerentes foram institucionalizadas e continuam no governo Bolsonaro, tal como a reforma da previdência e a PEC do teto de gastos, uma medida que traz austeridade ao povo brasileiro e é indefensável. Num dos países mais populosos do mundo, cuja tendência populacional é crescente, onde a pobreza, o dificultado acesso à saúde e a insegurança alimentar aumentam a um ritmo galopante, uma medida como o Teto de gastos é incompreensível. Mas, perante esta medida, sabemos quem é que vai ver as suas necessidades menosprezadas, e não serão os milionários, nem a elite do mercado financeiro ou do agronegócio.
Chegamos à eleição de 2022 e somos confrontados com o inesperado, Lula candidata-se à presidência com Geraldo Alckmin, anteriormente do PSDB, a vice-presidente. Antigos adversários, unem-se agora numa “frente ampla”, porque é preciso retirar Bolsonaro.
Relembro que Alckmin chegou a dizer em 2018 que manter Lula preso dava tranquilidade ao Brasil. Surpreende-nos agora vê-los juntos, porque “urge salvar o Brasil e a democracia brasileira”. A estratégia é alargar a aliança e chamá-la de “frente ampla”, mas quais são os riscos que isto traz? Subir no palanque em janeiro é diferente de construir um governo para os próximos 4 anos.
Ou seja, uma grande parte da esquerda apoia a candidatura de Lula e este decide juntar o “centro-direita” de Alckmin. Em 2010, repetindo-se em 2014, o mesmo aconteceu, quando Dilma se candidatou ao lado de Temer do MDB, que nada fez para parar o processo de impeachment. E eu pergunto: onde está a coragem de 2018, quando Fernando Haddad se candidatou ao lado de Manuela
D’Ávila, parte da esquerda progressista e fiel a pautas de urgente implementação no país?
Recordo e congratulo, por exemplo, o resultado da última eleição da Colômbia, onde Gustavo Petro se aliou a Francia Márquez, uma figura ilustre no ativismo ambiental e na defesa dos direitos humanos.
Quanto temos de alargar a aliança até colocar em risco a governabilidade, ao ponto de, por exemplo, criar uma crise política? Se alargar a aliança também implica cedências, vão ter de ceder onde? No combate à fome? Vão deixar as universidades públicas com piores condições e menos financiamento? Ou vão virar a cara à crescente quantidade de pessoas em risco ou abaixo do limiar de pobreza?
Enfim, algo vai ter de ser negociado, ou deixado de lado para atender aos interesses de Alckmin e seus aliados.
O Brasil tornou-se, em pouco tempo, um país isolado a nível internacional, com problemas estruturais que se agravaram e questões atuais de extrema relevância postas de lado, tal como a preservação do meio-ambiente (com o trabalho desastroso de Ricardo Salles nesse ministério).
Uma camarada brasileira chegou a dizer-me que para recompor o Brasil seriam necessários “vários Lulas”. Ora, se o aliado é Alckmin, seriam precisos muitos mais ainda. Por isso, temos de continuar o trabalho de base, a militância construtiva, porque mesmo no nosso campo político, devemos estar à vontade para discordar, debater e propor alternativas.
Por fim, espero que a coragem que o PT teve em 2018, ou que Petro teve na Colômbia, sirva de exemplo e se retome em 2026, já que não é desta vez que Lula vai chegar lá “sem medo de ser feliz”.
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