Fui procurado por um contendor bem intencionado por conta de dois artigos que publiquei recentemente neste portal. O que resumi para ele quanto aos motivos da tática do voto útil em Lula, para derrotar Bolsonaro no primeiro turno, está sistematizado neste artigo. Espero não voltar a esse tema e a polêmica, enfim, se resolva no domingo, 2 de outubro, de preferência com a eleição de Lula da Silva.
O LUGAR DA TÁTICA ELEITORAL NA POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA
Há uma questão preliminar. Mais do que ler o texto por inteiro, a tarefa é ler a realidade por inteira. Além disso, como indiquei nos artigos anteriores, não adianta buscar nos textos clássicos uma solução. Há exemplos e citações para todo gosto. Exemplos e citações descontextualizados são pouco úteis. Do ponto de vista do marxismo a regra metodológica fundamental é a análise concreta de cada situação. Nos casos dos processos eleitorais, prevalece a tática. Ainda que a tática não deva desprezar as bases principistas e estratégicas, ela não se confunde com os princípios e as estratégias. Do contrário, a política se tornaria a arte de recitar receitas.
As vozes bem intencionadas que afirmam que Lula, ganhando no primeiro ou no segundo turno, não muda nada do ponto de vista da luta contra o fascismo no Brasil deve achar que a vitória do Bolsonaro, no primeiro ou no segundo turno, não tem qualquer importância para a estratégia dos fascistas. Não é o que pensamos.
Partindo da lógica correta de que o fascismo só pode ser vencido pela ação direta de milhões nas ruas, setores de esquerda bem intencionados concluem que a tática do voto útil no Lula, para derrotar eleitoralmente o chefe do fascismo no Brasil, não tem qualquer sentido. Ou seja: conceder mais 30 dias de rádio e TV a um fascista, para mover o seu exército, não tem qualquer relevância. Não caberia aqui enveredar pelos múltiplos desdobramentos implícitos nessa concessão. Posto isso, penso que o centro da política é não conceder um milímetro de terreno ao fascismo, independentemente do campo em que a disputa esteja dada.
O legado de uma parte do Brasil armada não acaba no dia 2 ou 30 de outubro. O custo de 4,4 milhões de demitidos por conta da lava jato não será resolvido aí. A fome – que assola mais de 30 milhões de pessoas – não acaba com o voto no Lula.
Isso não está em discussão. O que debatemos é, se do ponto de vista tático, tanto faz se, eleitoralmente, derrotamos o candidato fascista no primeiro turno e tiramos dele a possibilidade de prolongar por mais um mês a exposição de sua política aloprada, agressiva e letal, ou não.
Quanto pior, melhor? É isso? Se os fascistas só podem ser derrotados nas ruas, devemos renunciar à tarefa de derrotar o seu projeto eleitoral, e, de imediato, no primeiro turno? No caso, não custa lembrar que esse projeto eleitoral está a serviço de sua estratégia golpista.
Dentro desse enfoque, a luta contra o bolsonarismo se dá em todos os domínios, inclusive no eleitoral. Se há uma possibilidade real de vencê-lo no primeiro turno, por que não considerá-la?
Considerar ou não essa probabilidade é uma questão de princípio e de estratégia ou de tática? Seguramente que de tática. A tática se apoia em princípios e está a serviço da estratégia. Ora, em que a tática de derrotar o genocida no primeiro turno prejudica a estratégia de se aplastar o fascismo no Brasil? Bolsonaro se enfraquece ou se fortalece se perde a eleição já no primeiro turno? Esse é o debate tático.
Em lugar de arrotar declarações de princípios, o essencial e decisivo é demonstrar porque a derrota do bolsonarismo, no plano eleitoral, enfraqueceria a luta contra o fascismo. Da nossa parte, acreditamos que ao ser vencido, de preferência no primeiro turno, o presidente fascista não terá melhores condições para seguir na sua marcha golpista. De imediato, teria maiores dificuldades na aplicação de seu projeto. Para quem acha que esses fatos são indiferentes para luta política, precisa repensar o próprio significado dessa luta.
Por fim, quem não enxerga justeza nessa tática política não comete qualquer erro de princípio, mas certamente precisa refletir acerca das relações entre táticas, princípios e estratégias. Do contrário, a política se torna uma arte cinza para a qual temos uma fórmula pronta, apta para qualquer situação. O argumento do caráter hesitante dos reformistas não é suficiente para negar o voto aos seus candidatos. Votar é uma questão tática. O fundamental é como nos apoiar em determinadas táticas que nos permitam sair do ponto no qual estagnamos, e, saídos desse lugar impróprio, reforçarmos as nossas posições, não apenas para esmagar o fascismo, mas ir além das tibiezas e dos limites do programa reformista.
A QUESTÃO TÁTICA QUE ESTÁ EM JOGO
11% dos eleitores, segundo o Datafolha, afirmam que mudariam de candidato para encerrar a eleição agora, enquanto fica cada vez mais nítido o papel de linha auxiliar desempenhado por Tebet e Ciro (principalmente), para conduzir Bolsonaro ao segundo turno. Que faz a chapa que apoia o Lula diante desses fatos? Ignora-os simplesmente ou tenta transformá-los em voto e esse voto em derrota eleitoral bolsonarista? É essa a questão tática que está em jogo. Sair daqui para viajar em múltiplas direções, sem a necessária nitidez acerca do que se discute, é uma fuga para a frente, uma fuga, às vezes simpática e até respeitável, mas não mais do que isto: uma fuga.
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