O medo (Carlos Drummond de Andrade)
A Antonio Candido
“Porque há para todos nós um problema sério…
Este problema é o do medo”
(Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração)
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos…
Em 1943, Antônio Cândido, bem jovem, escreveu no jornal O Estado de São Paulo um texto sobre um tema que afligia toda uma geração: o medo. Em 1945 o Estadão o editou junto com outros textos de vários jovens autores na “Plataforma de uma Geração”. Não era para menos que o medo fosse preocupação da maioria das pessoas daquela época. Naquele momento ocorria a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) com milhares de mortos, destruição, fome e havia a possibilidade do nazi-fascismo vencer a guerra e dominar o mundo. No Brasil ainda estávamos sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.
O medo era um tema muito abordado também pelo genial poeta Carlos Drummond de Andrade neste período. Em 1940 foi publicado no livro Sentimento do Mundo o maravilhoso poema Congresso Internacional do Medo: “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos, cantaremos o medo, que esteriliza os abraços…”. Foi escrito durante a Segunda Guerra e no momento de brutal ofensiva do nazi-fascismo. Já antes a revolução espanhola havia sido derrotada com a ascensão do franquismo.
Logo depois da publicação do artigo de Antônio Cândido em 1943, Drummond, dialogando com ele, faz o poema O Medo, dedicado ao jovem intelectual. Apesar de escrito em 1943, é publicado no livro Rosa do Povo em 1945. Nele o poeta desenvolve novamente o tema que assombrava e paralisava toda uma geração. E tinha uma explicação para isso: o temor do tacão do nazi-fascismo que avançava sobre a humanidade. Mas ao mesmo tempo, tanto sua produção literária, como o texto de Antônio Cândido, além da produção de outros escritores eram parte de uma resistência contra esse perigo.
Na edição da Folha de S. Paulo do dia 16 de setembro de 2022, foi publicada uma pesquisa em que sete entre dez pessoas estão com medo de sofrerem algum tipo de violência por causa de suas posições políticas. É um número altíssimo como jamais houve em outra campanha eleitoral desde o fim da ditadura. Sua consequência é gerar pavor nas pessoas, é evitar que exponham e discutam suas opiniões. Enfim, é impedir autoritariamente que façam campanha por suas candidaturas e ideologias. É o medo novamente aterrorizando e paralisando parte de uma geração. Este tema já havia aparecido na campanha de 2002 quando Regina Duarte, ex-namoradinha do Brasil e hoje namorada do fascismo, fez um vídeo dizendo que tinha medo de que Lula ganhasse as eleições. Mas nesse caso era medo de classe. Não havia nenhuma violência na campanha.
Essa pesquisa vem confirmar com dados objetivos aquilo que já se percebia intuitivamente: muita gente com medo de fazer campanha, muita gente com medo de sair às ruas nos atos ou mesmo de fazer campanha para seus candidatos, inclusive muitos ativistas. Essa atitude tem suas razões. Há uma violência política impulsionada pelo neofascista instalado em Brasília. Ela já vem de antes. O brutal assassinato de Marielle e Anderson até agora sem ser elucidado, além de vários outros que também não foram apurados.
Agora, mais recente, dois casos que geraram comoção nacional. O primeiro, Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz de Iguaçu, que foi morto por um policial penal federal bolsonarista na sua festa de aniversário. O segundo, foi o brutal assassinato de Benedito dos Santos por um apoiador de Bolsonaro no interior de Mato Grosso. Além disso, as incontáveis ameaças de morte contra quem diverge do Miliciano do Planalto e da sua gangue. As ameaças de atentado contra outras campanhas, particularmente as da esquerda. Em São Paulo, Haddad precisou suspender atividade de campanha em Presidente Prudente e Ribeirão Preto por ameaças de violência. Guilherme Boulos já havia sido ameaçado em São Bernardo do Campo.
Mas, se é correto identificar e denunciar a violência como política do Miliciano, intimidar-se com ela, paralisar as atividades, recolher-se em casa é um erro brutal e não terá nenhum resultado imediato e futuro. O que os fascios nacionais estão fazendo é o método tradicional dos fascistas por toda a história. Mesmo sendo uma minoria, são muito ativos e utilizam a violência para criar medo, pânico, pavor e paralisia. Buscam evitar que a maioria reaja e dessa forma os fascistas se impõem. Esse erro, somado ao de “jogar parado”, acreditar que a eleição já está definida, poderá ter consequências funestas para cada um de nós e para a classe trabalhadora brasileira. Essa junção de erros poderá levar o genocida a conseguir seu objetivo e aí ninguém estará seguro, mesmo dentro de casa.
Drummond encerra o poema Congresso Internacional do Medo com os versos: “cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”. Sua mensagem é que não há saída individual e coletiva ao refugiar-se no medo. É preciso enfrentá-lo e vencê-lo, e assim derrotar quem o produz. É possível derrotar Bolsonaro já no primeiro turno enfraquecendo os fascistas. Essa janela está aberta, mas para isso será preciso romper o medo e sair às ruas, fazer campanha, ganhar corações e mentes pois somos maioria. É preciso fazer com todo cuidado, porém é preciso fazer.
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