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EDITORIAL

A educação para todas, todos e todes!

Editorial
Gabriel Jabur/Agência Brasília

Após dois anos de pandemia da Covid-19, a educação é, sem dúvida, uma das mais prejudicadas práticas sociais, com resultados devastadores. Com efeito, o fechamento das escolas, o ensino remoto, e o retorno parcial e híbrido revelou à sociedade aquilo que os educadores já sabiam. As condições objetivas de estudo e de trabalho no âmbito educacional, que já eram insuficientes, com a pandemia, tornaram inexequíveis as práticas pedagógicas, com um mínimo de qualidade (mesmo se tendo como parâmetro as condições anteriores), para a maioria da classe trabalhadora e de seus filhos. Estudantes em insegurança alimentar e sem acesso ao ensino (remoto). O pleno retorno às atividades presenciais, que se deu efetivamente neste ano de 2022, serviu para esgarçar ainda mais os problemas estruturais e subjetivos acumulados durante a pandemia. Desta feita, o agravamento da questão social tem levado ao abandono dos estudos e à diminuição da qualidade da aprendizagem daqueles que conseguiram permanecer na escola, assolados por todo tipo de dificuldades. Enfim, a catástrofe social abateu-se também sobre a educação, deixando marcas que se prolongarão por, pelo menos, uma geração.

A questão educacional se apresenta cada vez mais como uma arena crucial de debate e de lutas cotidianas, de concepções e práticas, onde se disputam perspectivas de país, de mundo, de sociedade e, portanto, de pessoa humana. Como o filósofo italiano Antonio Gramsci já chamou a atenção, a educação é elemento estratégico na construção e consolidação da hegemonia de determinada classe ou grupo social e, não por acaso, ela ocupa parte importante da agenda burguesa de dominação política. É, portanto, tarefa da classe trabalhadora combater as propostas oriundas da classe dominante e, mais ainda, sistematizar e consolidar suas próprias posições de contra-hegemonia. Este texto visa levar ao debate político oito proposições para a construção de uma política educacional para o Brasil.

Ademais, a relevância do papel da educação nas lutas sociais não foi percebida apenas agora. De fato, a educação ocupa o 10º e último ponto do programa (de transição) proposto por Marx e Engels, no Manifesto Comunista, de 1848. Com efeito, ao final da seção II – Proletários e comunistas, de O Manifesto Comunista, tratando da “elevação do proletariado a classe dominante”, isto é, da “conquista da democracia”, Marx e Engels listam dez medidas “insuficientes e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produção” (Marx; Engels, 2002, p.58). Como se sabe, a educação completa a lista das medidas. De forma semelhante, quase três décadas depois, Marx, em sua famosa Crítica ao Programa de Gotha, de 1875, coloca a educação como parte integrante de um programa (de transição).

Poderíamos discutir mais precisamente a noção de programa de transição que herdamos de Leon Trotsky, tornado público em 3 de setembro de 1938 – Programa de transição: a agonia do capitalismo e as tarefas da IV Internacional (Trotsky, 2004). Mas, sinteticamente, para Trotsky, como as condições históricas, objetivas para a revolução proletária mundial estariam dadas, se fazia necessária a elaboração de um programa político de transição – que estabelece uma relação de transição entre o chamado “programa máximo” e o “programa mínimo”. O programa mínimo se limitava às reivindicações que procuravam reformar o capitalismo, enquanto o máximo dizia respeito à substituição, sine die, do modo de produção capitalista pelo socialismo. O programa de transição seria, portanto, uma ferramenta de agitação, de luta e de organização, contribuindo assim para a transição social revolucionária.

Assim, da mesma forma que está presente no Manifesto Comunista e na Crítica do Programa de Gotha, a educação precisa integrar o programa de transição. A classe trabalhadora organizada deve reivindicar e lutar para arrancar do Estado burguês as condições para construção da escola de transição. Um tipo de escola que, partindo da análise concreta da situação atual, aponte para a escola do futuro, mas que obviamente não poderá ser completamente realizada sob o modo de produção capitalista. Por consequência, é incontornável que esbocemos um conjunto de propostas sobre o tema à classe trabalhadora, em particular, e ao conjunto da sociedade, em especial àquelas/es que lutam pela radicalização democrática da educação.

Como foi apontado acima, a prática educativa é complexa e deve ser objeto de análises multifacetadas, as quais devem ser articuladas sob uma perspectiva totalizante, isto é, abrangente. Contudo, como se sabe, um programa de transição não se confunde com uma análise acadêmica e exaustiva da realidade, mas, deve apresentar um conjunto de propostas objetivas que representem uma síntese da análise da realidade histórica e principalmente da conjuntura.

A quase totalidade das e dos profissionais da educação, assim como estudantes e seus familiares, está excluída do processo de elaboração da política educacional nacional, regional e local, pelo projeto político-pedagógico dominante, de caráter neoliberal e agora conservador. Além disso, as condições objetivas de trabalho e estudo, também fruto da política dominante, limitam brutalmente o planejamento e a implementação de ações pedagógicas à altura das necessidades da classe trabalhadora, de suas filhas e seus filhos.

A construção de políticas educacionais, em suas diversas dimensões, notadamente nos aspectos propriamente pedagógicos do debate, é de tão grave relevância que é preciso estar a encargo daqueles que são seus sujeitos – profissionais da educação e comunidade escolar. Sem dúvida, estes sujeitos encontrarão nas proposições de Marx, Engels, Lenin, Krupskaia, Vigotski, Gramsci, Dermeval Saviani, Paulo Freire, e tantos outros companheiros de viagem, alento e inspiração.

A necessidade de darmos voz aos verdadeiros sujeitos da tarefa educacional se torna ainda mais premente quando nos deparamos com os ataques antidemocráticos à escola e aos trabalhadores da educação. Por um lado, o Movimento Escola Sem Partido, apesar de ter anunciado o fim de suas atividades, deixou um legado nefasto de desconfiança e perseguição à autonomia docente, que hoje se mantém vivo através de parlamentares, prefeitos e governadores eleitos na esteira do neofascismo. Por outro lado, a difusão das escolas cívico-militares ressalta a aliança entre conservadores e neoliberais, que precisam sufocar as vozes dissonantes no espaço escolar para poderem avançar com seu projeto reacionário e tecnicista, que subordina simultaneamente a formação humana à determinada moral religiosa e às demandas do deus-mercado.

Nesse sentido, apresentamos um esboço de oito tópicos nos quais estão contemplados principalmente aspectos objetivos, com maior capacidade de agitação política da classe trabalhadora.

Em defesa da educação pública, exigimos:

  1. Verba pública somente para a escola pública! Imediato investimento governamental de 10% do PIB destinado exclusivamente para a educação pública, como historicamente defendido pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.

  2. Universalização da Educação Básica! Nenhuma criança ou adolescente fora da escola. Garantia imediata de Educação Infantil pública e gratuita, em creches e pré-escolas, para todas as crianças de até 5 anos de idade. Ampliação da jornada escolar.

  3. Ampliação das vagas nas universidades públicas! Defesa das políticas sociais e de cotas para o acesso. Garantia de permanência até a conclusão do curso.

  4. Ampliação e melhoria da infraestrutura educacional! Construção e reforma dos prédios escolares e dos campi universitários, dotando-os de toda a infraestrutura necessária, inclusive internet, quadras poliesportivas, bibliotecas, laboratórios.

  5. Mais profissionais para a educação! Contratação imediata de profissionais da educação para o quadro permanente, via concurso público, em todos os níveis e modalidades de ensino.

  6. Dignidade para quem educa! Estabelecimento do piso nacional do magistério em 5 salários-mínimos e das e dos servidores de apoio em 3 salários-mínimos.

  7. Eleições diretas já para todos os dirigentes educacionais em todos os níveis! Implementação de efetiva gestão democrática da educação pública, com protagonismo das e dos profissionais de educação e das comunidades escolares na elaboração, implementação e acompanhamento das políticas educacionais.

  8. Educação para todas, todos e todes! Educação laica. Combate a todas as formas de racismo, opressão, sexismo, LGBTQIA+fobia, etarismo, capacitismo e censura nas escolas e universidades. Por uma educação inclusiva, plural, emancipadora e calcada no respeito às diferenças.

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