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BRASIL

O golpe, a esquerda e o longínquo janeiro de 2023

José de Mello Jr.*, de Ribeirão Preto, SP

Esperando Godot no fim do mundo, de Samuel Beckett, na montagem dirigida por José Celso Martinez

A essa altura, a noite já se faz avançada. Não restam dúvidas quanto a existência de monstros. Estão por toda a parte e o golpe faz-se iminente. Os elementos já foram expostos aqui no Esquerda Online em diversos artigos, mas podem ser resumidos da seguinte forma: estão armados até os dentes, contam com apoio das forças de segurança, possuem a disposição e seus líderes têm por escolha, na ausência do golpe, o exílio ou a prisão.

Em esperando Godot, do dramaturgo irlandês Samuel Becket, quatro mendigos aguardam em uma noite fria a figura salvadora daquele que empresta o nome a peça. Esperam que esse os redima de suas miseráveis condições. Estragon, Vladmir, Pozo e Lucky em sua espera desnudam medos, anseios e dores, revelando a tragédia humana. Ao final de cada ato, um menino entra em cena e anuncia, Godot não virá, talvez amanhã.

A Esquerda precisa parar de esperar Godot. Não haverá redenção em 1º de janeiro. E para chegarmos lá com alguma esperança de recomeçarmos a luta por um Brasil mais justo e inclusivo precisaremos atravessar um longo deserto. São quatro os desafios que se colocam diante de nós: 1) Precisamos lutar para que as eleições ocorram; 2) Precisamos lutar para que Lula as vença; 3) Teremos que assegurar que tome posse e governe; 4) Teremos que batalhar muito para que o programa com que governe seja o da esquerda e não o dos liberais.

Para barrar o golpe precisaremos superar os desafios 1, 2 e 3. Poucos já não acreditam que haverá um golpe. Alguma polêmica temos quanto ao tipo de golpe, se uma clássica quartelada como no século XX, ou se uma manobra institucional como os diversos golpes engendrados pelo mundo na última década. Uma variação ou combinação destes está sendo gestada desde que Bolsonaro tomou posse, e ameaça nascer nos próximos dias. Os primeiros movimentos do parto desta monstruosidade fascista já são vistos nos ataques a comícios e nos assassinatos políticos de ativistas ambientais e militantes do PT.

Não obstante o momento extremamente grave que vivemos, a esquerda brasileira do PT ao PSOL tem gasto mais tempo discutindo composições eleitorais, que matutando e agindo para barrar o golpe. Comprova essa afirmação os diversos esforços desenvolvidos pelas candidaturas, as reuniões de negociações de chapas etc, etc, etc, e o quase zero esforço colocado na organização de ações contundentes contra o golpe.

A hora decisiva se aproxima, e infelizmente não estamos preparados. Em um momento crítico como esse, caberia a esquerda, em especial aqueles que cultivam ideais revolucionários a vanguarda na denúncia do golpe bem como na construção das barricadas. Para que eles não passem serão necessárias mais que palavras e virtuosas candidaturas.

Algumas correntes socialistas como a Resistência têm proposto a agitação contra a ameaça golpista e a realização de atos em setembro. É salutar que se pense em mobilizar, mas precisamos deste e de outros instrumentos. Compas, mais de 60 dias nos separam desta data hipotética de uma mobilização em setembro. Muito tempo para mais assassinatos e ataques à democracia. Não podemos esperar. As organizações da classe trabalhadora têm que ser a vanguarda da luta contra o golpe e para tanto, já tardiamente, temos de ter sentido de urgência. É pouco combinar ações corriqueiras de campanha e agitação esperando que se movam àqueles que se entregaram ao quietismo a espera do pleito. Os militantes sabem que um grande ato precisa de preparação e de esquentas. Temos que trabalhar um verdadeiro calendário de mobilizações contra o golpe, que se combine com a campanha, mas que vá para muito além dela, pois somente a campanha eleitoral não irá barrar o golpe.

Nesse sentido o PSOL ocupa um lugar chave para despertar essa discussão. É necessário que esse partido aguerrido convoque os demais para a mobilização urgente contra o golpe. Pelo lugar que ocupa, abrigando dezenas de correntes e centenas de movimentos sociais, o PSOL deve fazer um chamado público às Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular para que se somem a este movimento e iniciem a organização da luta contra o golpe. Precisamos realizar panfletaços em todo o país em defesa da democracia. Temos que coordenar ações de todas estas forças nas redes sociais denunciando o golpe e defendendo a democracia. Devemos realizar atos regionais em centenas de cidades, combinando com ações de campanha. Tudo isso deve acontecer no mês de agosto, para que a partir dessa espuma se preparem gigantescos atos para o início de setembro nas principais capitais do país. Necessitamos de um CALENDÁRIO DE LUTAS e nós devemos iniciar esse movimento. Não podemos esperar setembro, é necessário que iniciemos este movimento ontem. Este texto é um chamado público a direção do PSOL para que tome esta iniciativa.

Em paralelo a mobilização popular devemos construir nas principais cidades brasileiras comitês em defesa da democracia reunindo a mais ampla gama de pessoas e entidades da esquerda à direita, com ênfase para a participação de formadores de opinião das sociedades locais: pastores, padres, advogados, promotores, associações, sindicatos, ONGs, vereadores, prefeitos, juízes, professores, jornalistas, artistas, influencers, enfim todos que concordem em criar uma rede para defender a democracia, as eleições e seus respectivos resultados. Esses grupos poderão reunir-se uma ou duas vezes antes das eleições em auditórios, teatros, etc. Aqui a quantidade não é tão importante quanto a representatividade institucional e a visibilidade que estes atos pela democracia podem gerar na sociedade.

Devemos criar um movimento de tesoura se fechando contra o fascismo, em uma das lâminas o movimento de massas por Lula e em defesa da democracia, em outro a articulação de comitês amplos cujo único fim será a defesa da democracia.

Cabe a todos nós compas, animarmos este processo. Mas certamente assim como nós, milhares de ativistas estão aguardando um chamado para se mobilizarem. Precisamos cobrar as direções de correntes, partidos, sindicatos e demais organizações a se moverem. Chegou a hora. Senão, o quê?

O longínquo janeiro de 2023 nos aguarda. Espero que todos cheguemos lá. Barrar o golpe é possível, mas precisaremos de várias barreiras de contenção. Este artigo propôs modestamente duas. Certamente existem outras. O ponto é que precisamos colocá-las em movimento. Para que haja janeiro temos que nos mover agora.

 
*Militante da Resistência/PSOL Ribeirão Preto.
**Esse artigo representa as posições do autor e não necessariamente a opinião do Portal Esquerda Online. Somos uma publicação aberta ao debate e polêmicas da esquerda socialista