Qual a possibilidade do bolsonarismo tentar causar algum incidente em caso de derrota nas eleições? A resposta é simples: 100%. Não é 99,999%. É 100%. O que é necessário acontecer para que todo mundo entenda isso? Que o presidente fale em contagem de votos paralela realizada pelas Forças Armadas? Que ele dê indulto a um troglodita que ameaçou um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)? Que ele fale, pela enésima vez, que não vai respeitar ordem judicial? Que seu filho e coordenador de campanha fale abertamente que pode ter uma confusão no Brasil como nos Estados Unidos em 2021? Sério, o que falta?
Essa é a má notícia. A boa é que as chances de uma tentativa de golpe dar certo são minoritárias. O governo está isolado internacionalmente. Os grandes empresários que investem no Brasil não gostam de arriscar. Os apoiadores do Presidente estão em minoria. E a esquerda voltou a encher as ruas.
Apesar disso, o fascismo não é racional. Eles, ou alguns deles, vão tentar fazer alguma besteira. É improvável que consigam dar um golpe. Improvável, mas não impossível. Se uma pessoa tem o diagnóstico de câncer e recebe a notícia de há 30% de chances de morrer, isto é motivo suficiente para ela se preocupar e levar o tratamento a sério. Só um estúpido vai abrir mão da quimioterapia porque tem 70% de chances de sobrevivência.
O primeiro passo para vencer o inimigo é conhece-lo. Portanto, vamos ver como andam os preparativos do golpe em três campos: o uso da violência, a busca por votos e as mobilizações de rua.
Como poderá ser o uso da violência política
As Forças Armadas dificilmente vão dar a iniciativa de um golpe. Mesmo que os generais estejam alinhados com Bolsonaro, eles não devem estar dispostos a uma aventura. Mas isso não torna a nossa vida tranquila.
O Brasil tem mais de 500 mil policiais militares. Cerca de 12% desse contingente é radicalmente bolsonarista. Desses que vão para os atos pedir a volta da Ditadura Militar. Ou seja, cerca de 60 mil. Vamos supor que um em cada dez esteja disposto a agir de forma violenta nas eleições. Temos um contingente de 6 mil pessoas armadas. O motim dos policiais do Ceará em 2020 foi um exemplo do risco que corremos.
Ainda temos os bandos civis. O armamento no Brasil acontece de forma desigual. A maioria do arsenal está nas mãos de caçadores, atiradores esportivos, e colecionadores (CACs), que foram muito beneficiados pelo governo. O cidadão comum ainda tem grandes dificuldades de conseguir um revólver. Mas quem entra em um chamado “clube de tiro” pode ter acesso a várias armas e farta munição. São mais de 500 mil CACs no país. Vamos supor que 1% desse pessoal esteja disposto a arrumar confusão se Bolsonaro perder as eleições. São 5 mil pessoas.
Já temos 11 mil voluntários para os bandos armados bolsonaristas, não é? Vamos somar a este contingente as gangues de motoqueiros, as milícias da Zona Oeste do Rio de Janeiro, os jagunços pagos por fazendeiros, os grileiros de terra que promovem desmatamentos, gente do garimpo e da pesca ilegal, além de malucos de todo o tipo. Sabe aqueles garotos revoltados que não conseguem um namoro e de vez em quando promovem massacres em escolas, os tais “incels”? A maioria deles no Brasil são apoiadores do Presidente. Temos também os cerca de 10 mil nazistas no país. Nazistas mesmo, com suástica, saudação à Hitler e tudo.
É possível que a tentativa de golpe seja algo bem caricato. Por exemplo, meia dúzia de “marombados” tentando invadir a sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em Brasília quando sair o resultado das eleições. Algo que os seguranças do prédio do tribunal serão capazes de dar cabo. Mas também é possível que seja bem mais que isso. Acabamos de ver que, se Bolsonaro achar que vale a pena, pode colocar bandos armados com centenas de pessoas nas ruas.
Isso é o suficiente para tomar o Poder? Não. Mas é o suficiente para causar o caos no país, deixando toda a população amedrontada, inclusive a burguesia. Aí sim, as Forças Armadas podem ser chamadas à ação.
Bolsonaro ainda vai tentar ganhar no voto
Para o bolsonarismo, não é necessário ganhar no voto. Basta perder por uma margem pequena. Se a diferença entre Lula e o genocida for menos que 10%, já há a possibilidade do caos ser instalado no país e os bandos armados poderão agir.
E mesmo com o favoritismo de Lula, a vitória nas eleições não está garantida. Mais uma vez, o paciente com 70% de chances de se curar de um câncer deve lembrar que há 30% de chances de morrer. Quem poderia prever a facada em Bolsonaro em 2018?
Foi aprovada recentemente uma Emenda à Constituição que vai aumentar o Auxílio-Brasil de R$ 400,00 para R$ 600,00, além de dobrar o valor do vale-gás que o governo já distribui. Também será concedido um auxílio de R$ 1 mil a cada caminhoneiro, além de outros benefícios. Isto por si só não vira o jogo para Bolsonaro, mas pode ter impacto eleitoral.
Infelizmente, muitas pessoas não votam em quem elas querem. No interior do país ainda há os chamados “currais eleitorais”. A compra de votos, somada ao controle político, econômico e social dos fazendeiros mais ricos, faz com que as pessoas sejam coagidas a escolher os candidatos dos “coronéis”. E a maioria desses homens poderosos deve apoiar Bolsonaro. Cerca de metade da população do Brasil mora em municípios com menos de 100 mil habitantes.
A maioria dos pastores evangélicos vai poiar Bolsonaro. Isto com certeza dificulta a busca da esquerda pelo voto em um setor que corresponde a cerca de 30% do eleitorado. Também temos as milícias e outros grupos armados que impedem que candidatos progressistas façam campanha em alguns bairros.
Bolsonaro conseguiu montar palanques em vários estados. Terá mais dinheiro e tempo de TV que em 2018. E deputados do Centrão fazendo campanha em suas bases. Se antes ele não tinha o desgaste de três anos e meio na presidência, ele também não tinha a máquina do governo na mão.
Eles vão tentar tomar as ruas
No próximo dia 7 de setembro, o Brasil comemora 200 anos de sua independência. O bolsonarismo já marcou um ato, e o chamado é para repetir o feito de 2021. Foi quando eles tomaram a Esplanada dos Ministérios em Brasília e “autorizaram” Bolsonaro a desrespeitar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Não será apenas um ato eleitoral, mas uma demonstração de força, como nos alerta Valério Arcary neste vídeo. A mobilização de rua será a primeira camada do golpe. A ação dos bandos armados a segunda camada. A entrada dos generais para “colocar a ordem no país” será a terceira camada. É desta forma, por meio de um golpe em camadas, que o bolsonarismo vai tentar tomar o Poder.
Na Bolívia teve um golpe em 2019. E foi assim que aconteceu. Primeiro, a direita fez atos de rua contra a reeleição do então presidente, Evo Morales. Depois, os grupos civis armados instauraram a violência política. Em um terceiro passo, os militares “recomendaram” que Evo Morales renunciasse para evitar o caos. Deu certo e o presidente teve que renunciar. Foi necessária uma grande onda de mobilizações para reverter o golpe, o que custou milhares de vidas.
A disposição para a violência ou o apoio à violência é cada vez mais explícita no bolsonarismo. O presidente usa com cada vez mais frequência a passagem bíblica “Nada temeis, nem mesmo a morte”. É um “assobio de cachorro” para chamar seus apoiadores ao embate físico com os inimigos.
“Vaca não dá leite” – impedir o golpe depende de cada um
Nossa preocupação tem que se transformar em atitude. Se ficarmos paralisados e com medo, aí a chance de tudo dar errado aumenta.
Se Lula ganhar com uma boa margem de votos, será difícil Bolsonaro falar em fraude. Mas as pessoas só votarão em Lula se forem convencidas disso. E será necessária a existência de voluntários de carne e osso para fazer esse trabalho de convencimento. Temos que participar dos comitês de campanha.
Se milhões de pessoas forem às ruas quando a vitória de Lula for anunciada, o custo de uma aventura golpista será muito alto. Bolsonaro vai preferir não arriscar. Alguns pequenos incidentes vão acontecer, o que é inevitável, mas nada sério. Com milhões nas ruas, os fascistas serão obrigados a recuar. Mas as pessoas não vão simplesmente sair de casa para garantir o resultado das eleições. Elas terão que ser mobilizadas. E será necessária a existência de voluntários de carne e osso para fazer esse trabalho de mobilização.
Cada um, mesmo que de forma modesta, mesmo com pouco tempo à disposição, pode fazer toda a diferença. Como se diz em Minas Gerais, “vaca não dá leite”, é necessário que alguém tire o leite da vaca. E se você leu este texto até o final, você é um daqueles que podem fazer a diferença. Você tem um papel histórico a cumprir.
Comentários