Na manhã desta segunda-feira, 13, após uma semana de angústia, familiares do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira receberam a informação de que dois corpos teriam sido encontrados na região do Vale do Javari, restando exames de perícia e de DNA para confirmação. A informação foi transmitida a Alessandra, esposa de Bruno, pela Polícia Federal, e a parentes de Dom, pela embaixada brasileira no Reino Unido. No dia anterior, objetos de ambos, incluindo uma mochila, foram resgatados por bombeiros.
Mas ainda pouco se sabe e há bastante desencontro sobre o que de fato foi encontrado. O cunhado de Dom Phillips, Paul Sherwood, informou ao jornal The Guardian, que o representante da embaixada brasileira teria dito que os corpos foram encontrados na floresta “amarrados a um árvore”. Jair Bolsonaro, por sua vez, em entrevista para a rádio CBN Recife, disse que “foram encontrados boiando no rio vísceras humanas” e “que já estão em Brasília para fazer DNA”.
A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) divulgou por volta do meio-dia que não há confirmação de que os corpos teriam sido encontrados e que segue pressionando pela continuidade das buscas. A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) afirmou que “não é verdadeira a informação de que foram encontrados corpos na área da busca”. A Agência Pública, que enviou repórteres ao Vale do Javari, divulgou que recebeu a informação de autoridades e de indígenas de que ainda não está confirmada a localização dos corpos.
O desencontro é mais um exemplo da falta de cuidado com a dor das famílias. Em uma semana, o governo não foi capaz sequer de procurar oficialmente as esposas de Dom e Bruno, como revelou o programa Fantástico, neste domingo. No mesmo programa, Alessandra, esposa de Bruno, criticou o presidente por coisas que foram ditas, em referência ao presidente ter dito que os dois estavam em “uma aventura”, responsabilizando-os pela própria morte.
Mas Bolsonaro não parou por ai. Na entrevista à imprensa, na manhã desta segunda-feira, agiu em desrespeito a memória dos dois defensores da floresta. Bolsonaro minimizou o desaparecimento dos dois, ao responder as críticas e pedidos de empenho nas buscas por parte do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. “(…) são dezenas de milhares de pessoas que desaparecem todo ano no Brasil. Ele se preocupou apenas com esses dois. Nós, via nosso Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, nos preocupamos com todos os desaparecidos no Brasil”, afirmou Bolsonaro.
O discurso se assemelha ao que o presidente e as lideranças bolsonaristas tem utilizado diante de todo caso grave de violação aos direitos humanos e liberdades. Desde o assassinato de Marielle Franco, até a morte por asfixia de Genivaldo de Jesus, o discurso da extrema direita é questionar porque tanta repercussão para a morte, comparando-a com “todas as outras” que ocorrem. Em uma desumanidade, tentam na verdade conter a indignação, a revolta e a mobilização contra os assassinatos, naturalizando a morte de ativistas e lideranças populares e também de vítimas da violência e de operações policiais.
O discurso de Bolsonaro é hipócrita, pois tampouco seu governo fez algo de fato pelos milhares de pessoas desaparecidas no Brasil. Ao contrário, seu discurso de violência ajuda a aumentar a quantidade de desaparecidos, especialmente adolescentes negros e negras, que são executados como parte da guerra às drogas.
Na verdade, o que o governo tenta fazer é se livrar da responsabilidade pelas duas mortes. Mas Bolsonaro é culpado. Não faltaram alertas e avisos sobre a ação de garimpeiros, traficantes e caçadores na região. Só neste ano foram cinco documentos, entregues pela organização indígena da qual Bruno Pereira era consultor. Também é de sua responsabilidade a falta de empenho e agilidade nas buscas, logo que o desaparecimento de ambos foi confirmado.
Bolsonaro tem um lado neste caso, e não é o da floresta e dos povos indígenas. Sua política é ecocida e anti-indigena, e só beneficia madeireiros, garimpeiros e o agronegócio. A maior prova foi que, em 2019, Bruno Pereira foi exonerado da coordenação da Fundação Nacional do Índio (Funai) um dia após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros e queimou dragas e equipamentos dos invasores. Em vez de ser homenageado, Bruno foi afastado da função de comando, restando-lhe apenas a opção de uma licença sem vencimento. Escolheu seguir sua luta em defesa dos povos indígenas junto com eles, em campo, em vez de assistir em um escritório da Funai, impotente, a conivência do órgão e do governo com a destruição da floresta e da vida indígena.
Esse crime não pode ficar impune. Dom Phillips e Bruno Pereira merecem justiça.
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