É preciso unir todas as forças políticas e sociais democráticas para defender as conquistas democráticas e parar o golpe autoritário que está em marcha no país. O motivo do golpe está definido, é o resultado das eleições, caso Bolsonaro seja derrotado pelo voto, ou ainda tentar melar as eleições antes mesmo do resultado oficial do TSE. O argumento está pronto, será a “defesa da nação, do povo e da vontade de Deus”.
A experiência da luta de classes no Brasil demonstrou que foi errado subestimar a possibilidade de a extrema direita chegar ao poder através da eleição de Jair Messias Bolsonaro em 2018. Não é correto cantar vitória antes do tempo comemorando pesquisas eleitorais, mas, é um erro ainda mais grave subestimar o risco de um golpe autoritário contra o resultado das eleições em 2022.
Antes mesmo de ser eleito presidente, ainda como deputado federal, Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso, disse que se fosse presidente daria um “golpe no mesmo dia”, afirmou que tinha de “partir logo pra ditadura”, disse ainda que deveria haver uma “guerra civil” para fazer “o trabalho que o regime militar não fez”, “matando uns 30 mil… começando por FHC”.
Há um movimento de massas de extrema direita no Brasil
Desde que chegou ao mais elevado cargo de poder no país, Bolsonaro mostrou que não blefava quando, antes de ser eleito, falava de suas intenções autoritárias. Em maio de 2019, ainda nos primeiros cinco meses de governo, deu início a sua principal estratégia: desenvolver um movimento de massas de extrema direita. Naquele mês, enquanto Presidente da República, incentivou e participou de manifestação reacionária que levantou palavras de ordem como: “Intervenção no STF e no Congresso Nacional!” e “Intervenção militar com Bolsonaro no poder!” Em maio de 2022, após três anos, esta estratégia resultou no bolsonarismo, movimento fascista e com apoio de massas no país. O bolsonarismo foi a alternativa política que resultou e capitalizou pela extrema direita o ascenso reacionário que proporcionou o Impeachment de Dilma Rousseff, a prisão política de Lula e própria eleição de Bolsonaro.
É verdade que Bolsonaro perdeu força política e se enfraqueceu por diversos motivos, entre os quais: a gestão genocida e negacionista da pandemia sob a gestão do general Pazuello; o desgaste com o caso das “rachadinhas” envolvendo Flávio Bolsonaro; a crise e ruptura do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro; a crise e ruptura do ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta; a gestão horrorosa no Ministério da Educação, a queda do ex-Ministro Abraham Weintraub e de seus sucessores; a gestão devastadora no meio ambiente, o ataque aos povos indígenas e a queda do ex-Ministro Ricardo Salles; o acirramento da crise política e diplomática com a China e a queda do ex-Ministro Ernesto Araújo; os diversos episódios de crise envolvendo integrantes do governo e os filhos de Bolsonaro; o agravamento da crise econômica, política, social e humanitária nos últimos anos, que tem imposto sofrimento aos trabalhadores; a decisão do STF que libertou Lula e reconheceu a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro da Lava-Jato; a força política e social de Lula e do PT no Brasil.
Contudo, mesmo após um governo de destruição, o maior responsável pela deterioração das condições de vida da maioria do povo, Bolsonaro não foi derrubado pelas ruas e pelo Congresso Nacional, ainda tem apoio de massas, tem cerca de 1/3 das intenções de voto para as eleições deste ano, não está derrotado e não deve ser menosprezado. É preciso admitir que a frente única dos partidos e movimentos sociais não teve força suficiente nas ruas para conquistar maioria social e política pelo Impeachment. Além disso, o bolsonarismo segue com sua estratégia golpista e autoritária de mudança do regime.
O golpe está em marcha…
São inúmeros os exemplos que demonstram o aparelhamento e uso da máquina estatal para avançar na estratégia golpista. Além da interferência na Polícia Federal, uso direcionado da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), cooptação do Procurador Geral da República, da indicação de ministros ao STF alinhados ao bolsonarismo, da compra de partidos do “centrão” por meio do “orçamento secreto” controlado pelo seu aliado Arthur Lira (PP-AL), o governo Bolsonaro ainda é composto por diversos militares de alta patente.
A principal base de apoio do bolsonarismo são as forças armadas, as bases das polícias militares, as milícias e a parcela da população que vem sendo armada e mobilizada pelo discurso golpista. Mas esta base é ampliada por meio da dissimulação, das fake news, do discurso de ódio, das políticas populistas, da pauta conservadora e de costumes.
Para avançar no projeto fascista é preciso se manter como presidente pelo maior tempo possível e concentrar o máximo de poder na Presidência da República. Com apoio do “centrão” e conivência do Congresso Nacional, Bolsonaro pôde concentrar os ataques no Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o objetivo é bastante nítido, enfraquecer o Poder Judiciário e deslegitima-lo. Mais do que isso, pretende-se desacreditar e se possível desrespeitar o próprio resultado das eleições. Como se vê, trata-se de um projeto autoritário, que não pode avançar na democracia burguesa, por isso, também assistimos todos os dias a tática de deslegitimar a grande mídia e a disseminação das mentiras através das fake news por meio das “milícias digitais”. Sabemos que o judiciário é parte da democracia burguesa, mas, o que está em jogo são as conquistas democráticas resultantes do movimento que derrotou a ditadura militar.
Em agosto de 2021, sob a intimidação com desfile de tanques e tropas na Esplanada dos Ministérios, sob pressão do governo, a PEC do voto impresso foi derrotada ao não conseguir 2/3 dos votos na Câmara dos Deputados. A votação foi dividida, teve 229 deputados federais a favor do voto impresso, 218 contra e 1 abstenção. Menos de um mês depois, no 7 de setembro, Bolsonaro provocou a crise mais aguda com o STF, desde a tribuna da manifestação, chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”, atacou o sistema eleitoral e o ministro Luiz Roberto Barroso, então presidente do TSE. Nessas manifestações, mais uma vez, as principais palavras de ordem foram “Abaixo o STF” e “Intervenção militar com Bolsonaro no poder”. Sob a retórica de deslegitimação do sistema eleitoral brasileiro o presidente disse “Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso.”
Bolsonaro não tem nada a perder, cometeu genocídio e inúmeros crimes no exército do poder. O mesmo vale pra seus filhos fascistas. Sabe que precisa do poder e de um movimento de extrema direita engajado que o apoie. Do contrário irá parar onde já deveria estar, na cadeia. Por isso, o golpismo também ganha elementos de desespero. Isso, combinado a um projeto autoritário, é muito perigoso.
A situação é muito grave. Em maio de 2021, o general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, participou de manifestação de cunho político-eleitoral ao lado de Bolsonaro no Rio, em flagrante transgressão ao Código Penal Militar, porém, com articulação do presidente da República, foi absolvido pelo então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, aliás, atual ministro da Defesa e centralizador de informações (do governo Bolsonaro) na Comissão de Transparência das Eleições. Entre parênteses, porque temos que nos perguntar quando, pelo menos desde a recente redemocratização, um governo que tem candidato a reeleição teve este poder de intervenção nas eleições. Recentemente, em 20 de abril de 2022, o deputado federal fascista, Daniel Silveira, foi condenado por 10 votos a 1 no STF, a 8 anos e 9 meses de prisão, a perda do mandato, multa de R$ 192,5 mil e perda dos direitos políticos por igual período. Porém, o presidente afrontou mais uma vez o STF, concedendo a graça constitucional (perdão de pena judicial) a Silveira no dia seguinte a condenação.
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira durante cerimônia.
Neste contexto, não se pode esquecer que já são quase 7 mil militares ocupando cargos estatais nesse governo, e que ministérios importantes estão sob o comando de generais bolsonaristas. O pré-candidato à vice de Bolsonaro é o general e ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Entre as diversas “benesses” do presidente aos militares, está o ganho adicional de até R$ 350 mil por ano, após publicação de portaria, militares da alta cúpula do governo podem acumular salários e aposentadorias acima do teto.
Diante de tantas barbaridades e imoralidades, o golpismo é escancarado e agora também está nítido o alinhamento de militares do alto comando das forças armadas com a estratégia de deslegitimar o resultado das eleições. Em setembro de 2021, o então presidente do TSE, ministro Luiz Roberto Barroso, criou a Comissão de Transparência das Eleições (CTE). Entre especialistas em tecnologia, membros da sociedade civil e de órgãos públicos, à CTE foram chamados os representantes das forças armadas, por meio do general Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética. Hoje, é evidente que essa atitude de Barroso foi um erro, pois trouxe para o processo de organização do pleito eleitoral as forças armadas.
Nos últimos dias, o temor de um golpe contra as eleições voltou a crescer. As forças armadas aderiram ao discurso bolsonarista que objetiva deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Por meio de documentos oficiais ao TSE, as forças armadas passaram a fazer os mesmos questionamentos que Bolsonaro faz desde que foi eleito. Até apuração paralela querem fazer. O estrago já está feito, o risco de cerca de 1/3 dos eleitores brasileiros desconfiarem do resultado das eleições já está posto.
O plano consiste em desacreditar o STF, o TSE, a grande mídia e, principalmente, a confiança no sistema eleitoral realizado por urnas eletrônicas. Ora, em que esta estratégia difere a de outros líderes autoritários bastante conhecidos nos livros de história? O fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha não nasceram da noite para o dia, antes foram um plano bem executado para encontrar algum traço de “legitimidade” na sociedade.
Todas as evidencias indicam que ainda há nas forças armadas brasileiras uma forte sanha golpista. Na caserna ainda prevalece a formação de generais que não abandonaram o ódio ao “comunismo” e a concepção de que as forças armadas são uma espécie de “4o poder” que deve sempre “tutelar” a democracia, afim de proteger a “nação” do perigo “comunista”. Essa é a retórica, eles querem mesmo é o poder político e as “benesses”. É preciso abandonar a ingenuidade, os comandantes das forças já deram sinais de que estão alinhados ao bolsonarismo. Se há divisão nas forças armadas, pelo menos até então, tem prevalecido publicamente o alinhamento de extrema direita no alto comando. Os militares que não seguiram a cartilha de Bolsonaro foram todos demitidos e, ao que parece, são minoria no alto comando. Não podemos contar com a sorte, com o achismo de que há divisão nas forças armadas. Se houver, eventualmente, poderá ser aliada para pôr um freio no golpismo.
Unidade de ação democrática e voto em Lula
A principal tarefa para as organizações de esquerda é ser parte do grande movimento de massas que estará mobilizado na campanha pelo voto em Lula, para derrotar Bolsonaro no primeiro turno. Desde já é fundamental que sejamos ativos na construção dos comitês de campanha junto dos ativistas e movimentos sociais. O PSOL está junto da classe trabalhadora brasileira nesta tarefa.
Estamos diante das eleições mais importantes desde a recente redemocratização do país, será uma disputa duríssima contra a extrema direita nos locais de trabalho, de estudo, igrejas, bairros e nas ruas.
Também é necessário contra atacar, desde já, o golpe que está em curso no país. É preciso trabalhar por uma grande unidade de ação democrática, com todas as forças políticas e lideranças que se colocam contra o golpismo de Bolsonaro. É necessário mobilizar as massas que formam a maioria social contra o presidente fascista e golpista.
Todos os pré-candidatos à Presidência que dizem defender a democracia e ser contra Bolsonaro tem a obrigação de ser parte desta unidade de ação democrática. Todos que defendem a democracia devem exigir também uma posição dos partidos e líderes no Congresso Nacional.
Trabalhar por esta orientação deve ser a política do PSOL.
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