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MUNDO

Chile: Quem matou Francisca Sandoval?

Raul Devia Ilabaca*, do Chile. Tradução: Ge Souza

No 1º de Maio deste ano no Chile, a Central de Trabalhadoras e Trabalhadores convocou a marchar pela Alameda, a principal avenida de Santiago, para comemorar o dia com um ato político, social e cultural. A marcha e o ato foram autorizados pelo Governo Boric, e contou com a presença de centenas de trabalhadores, estudantes e lutadores em geral. Como é de praxe, também compareceram os policiais, os pacos, repressores de manifestações e violadores de direitos humanos. Também como de costume, houve confrontos entre os manifestantes e a polícia, mas como aconteceu em uma marcha estudantil há um mês, no mesmo setor da Alameda, na Estação Central, havia um grupo de vendedores ambulantes, principalmente migrantes, que atacou brutalmente os manifestantes, espancando os estudantes. Mas desta vez os acontecimentos foram mais graves.

Foram vistos civis armados atirando contra nós que estávamos no ato, e também contra a imprensa alternativa, comunitária, e que não pertence à grande mídia. Três jornalistas foram atingidos por balas, incluindo Francisca Sandoval, do Sinal 3, canal comunitário criado em 1997 em La Victoria, local emblemático da luta contra a ditadura. Francisca recebeu um tiro na cabeça, ficando gravemente ferida. Após uma cirurgia e uma luta de 12 dias no Posto Central, um centro médico público, sua morte encefálica foi anunciada na quinta-feira, 12.

Atirador dispara contra os manifestantes. Reprodução.

Estamos sem palavras, chocados. A melhor maneira de expressar isso é através das palavras de Camilo Parada Ortiz, filho de uma das vítimas da ditadura, José Manuel Parada, assassinado em 1985, no caso dos degolados por carabineros:

“Francisca Sandoval foi morta pelo lúmpen, pela impunidade, pelas promessas vazias, pelos meios de comunicação de desinformação a serviço dos interesses das minorias saqueadoras, da ética liberal de cada um por si, dos policiais que trazem cigarros aos caminhoneiros e não param de bater no povo e violar os direitos humanos das maiorias sociais, pelas injustiças de séculos, pelo fascismo que saiu dos esgotos da história, quando a rebelião foi institucionalizada com acordos firmados com mais mortes na mesa, corrupção, um sistema baseado na acumulação e nos modos irracionais de produção de lucro e do ecocídio.

O eco da luta nos traz as palavras de Boric quando Francisca foi baleada: ‘um ato entre pessoas com necessidades’ e agora aparece em um tweet dizendo ‘a violência prejudica a democracia’… O que é realmente violento é o manto de impunidade, é a covardia de não acabar com os assassinos, o que prejudica [a democracia] é que Yáñez permaneça à frente de uma instituição criminosa, […] que no Chile nunca mais violarão os direitos humanos, para que depois saiam louvando e vangloriando os malditos pacos [policiais] em 29 de março, dia do jovem combatente, dia em que o policiais cortaram a garganta de meu pai, dia de lembrança e resistência, para depois entregarem flores aos caminhoneiros de extrema direita e mandarem reprimir os trabalhadores da Enap, em sua luta por melhorias trabalhistas históricas, para que depois ignorem a prisão política, para que em seguida, deixem os companheiros inconscientes a ponto de serem espancados ou atropelados, para que depois continuem a perseguir o povo mapuche, para que depois policiais e criminosos falem sorrindo enquanto os primeiros cruzam os braços e os segundos atirem em nós, fazendo o jogo sujo.

Que raiva, que tristeza, quantas razões para ir às ruas, para continuar lutando, para exigir a dissolução das forças que violam os direitos humanos, guardas particulares dos ricos.

Eles nunca irão parar de assassinar o povo, a classe trabalhadora, aqueles que se opõem a este sistema de injustiça, aqueles de nós que lutamos por uma democracia real que controle a economia, que decida quanto e como se produz, que controle a impunidade com atos, com vontade, porque não se pode servir a Deus e ao diabo ao mesmo tempo.

Quem mandou assassinar Fran?

Até quando c…!!!!”

* Advogado e ativista social e político.