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MUNDO

Esquerda pode ganhar Presidência pela primeira vez na Colômbia

David Cavalcante*, de Recife, PE
Gustavo Petro e Francia Márquez
Pacto Histórico

Sob o contexto da situação política aberta com as jornadas de mobilizações e greves gerais desde 2019 (1), a Colômbia realizará o 1o turno das eleições presidenciais em 29 de maio. Em 13 de março ocorreram as eleições parlamentares e as prévias presidenciais. (2) (3)   

O resultado das parlamentares foi considerado o melhor já alcançado pela esquerda e centro-esquerda. As forças políticas vinculadas à coalização de esquerda, liderada por Gustavo Petro e Francia Márquez, denominada Pacto Histórico, conquistou 20 cadeiras (aumento de 97,1%) assentos. A Aliança Verde – Centro Esperança, de centro-esquerda, liderada por Sergio Fajardo, alcançou 13 cadeiras (aumento de 45,8%).  

O Senado é composto tem 108 cadeiras, sendo 100 integrantes eleitos em circunscrição eleitoral nacional, 2 vagas destinadas aos indígenas e 5 ao partido Farc (Partido Comuns). A última cadeira é concedida ao candidato à presidência da República que receber o 2º maior número de votos nas eleições presidenciais, que foi o caso de Petro em 2018.

A Câmara dos Deputados é composta por 188 parlamentares. Sendo as circunscrições: Territorial com 161 cadeiras; transitória especial de paz com 16 cadeiras; representação política do Partido FARC (Comuns) com 5 vagas; indígenas com 1 vaga; conselhos comunitários afro colombianos com 2 cadeiras; colombianos do exterior com 1 vaga; comunidade Raizal 1 vaga e 1 mais uma cadeira reservada para a oposição (o segundo candidato a vice-presidência mais votado). Na Câmara dos Deputados, Pacto Histórico alcançou 28 cadeiras, e a Aliança Verde conquistou 17 cadeiras.

Nas prévias, Gustavo Petro foi o candidato mais votado por dentro de Pacto Histórico, com 80,50%, mas também conquistou o 1° lugar de todas as coalizações que realizaram prévias, alcançando 4.495.831 votos. Francia Márquez, que alcançou o 2° lugar nas prévias, mulher negra, advogada, ativista das causas afro colombianas e dos direitos humanos, foi indicada para compor a chapa com Petro, e incorporou temas essenciais ao programa pela sua representação nas temáticas raciais e feministas na campanha presidencial.

O candidato que tem despontado como preferido da burguesia, Federico Gutiérrez, que disputou as prévias por dentro da frente liberal conservadora, Equipo por Colômbia, alcançou 2.160.329 votos, e atualmente se encontra em 2o lugar nas pesquisas para o 1o turno.

As últimas pesquisas para o 1o turno, a 14 dias do pleito (4), sinalizam uma larga vantagem de Petro e Francia, com 40% das intenções de voto, num crescimento que vem sustentando sua liderança desde dezembro de 2021, quando tinha 25%.

Já Federico, candidato que aglutinou as principais forças da direita e extrema-direita, atraindo depois o Partido de La U, o Partido Conservador e o Partido Liberal, deu um salto de dezembro para cá, mas depois estagnou no teto entre 19% e 21%, nas duas últimas pesquisas. Sérgio Fajardo também estagnou no teto de 7%.

Crise histórica do uribismo, ameaças dos narcos e paramilitares

Duas conclusões são importantes diante do resultado das eleições parlamentares e das prévias que vem se confirmando nas pesquisas para 1o turno. A primeira é que de um lado, as jornadas de lutas que foram de caráter épico em sua magnitude e extensão, foram extremamente importantes para frear parcialmente as políticas ultraliberais do atual presidente, Ivan Duque, mas não foram suficientes para destituir o fiel escudeiro dos interesses estadunidenses na região do Cone Sul. Por outro, há enormes expectativas na vitória eleitoral da chapa Petro/Francia.

A segunda é a agudização da crise e decadência do velho uribismo que ascendeu ao governo, sob o comando do Presidente Álvaro Uribe, entre 2002 e 2010, com o forte manto da proteção imperialista e com a estratégia midiática da suposta “guerra às drogas”, que se revelou uma farsa para estimular o extermínio dos movimentos guerrilheiros, dos movimentos sociais e sindicais, se apoiando nas organizações paramilitares milicianas no país. Impondo um regime autocrático e ultraliberal a serviço dos interesses das empresas transnacionais estrangeiras.

Principal liderança do partido Centro Democrático (nem de centro nem tampouco democrático), o ex-presidente e ex-senador Álvaro Uribe, foi um dos principais responsáveis pelo aumento da violência política e do paramilitarismo no país. Seu ex-ministro da Defesa, Juan Manoel Santos, governou por mais de 8 anos, entre 2020 e 2018, e Ivan Duque, o atual presidente, foi eleito em 2018, reunindo as principais forças reacionárias, empresariais, latifundiárias e pró-imperialistas do país.

Uribe ainda detinha o cargo de Senador da República, mas renunciou numa manobra jurídica relacionada à fuga do foro privilegiado da Corte Suprema, tornando-se, porém o 1º Ex-presidente do país a ter acusações que chegassem a esse grau de punição, tendo finalmente sua prisão domiciliar decretada pela Corte Suprema do país (5).

Ivan Duque conseguiu se manter no cargo de Presidente, mesmo com toda a força das manifestações, greves, protestos e bloqueios ocorridas no país entre 2019 e 2021. Isso se explica por alguns motivos, mas pelo menos dois se destacam. O Estado colombiano há décadas convive e tem suas relações com bandos paramilitares e bandos narcos, além de ter sido aparelhado, financiado e orientado suas forças militares e policiais oficiais sob tutela direta da CIA e do Departamento de Estado Americano-DEA.

Essas relações foram estimuladas sob pretexto de combater o tráfico, mas que teve na prática a função de destruir os movimentos guerrilheiros, principalmente das FARC e ELN, que por sua vez se transferiu para a criminalização e perseguição dos movimentos, lideranças e ativistas sociais, indígenas, camponesas e sindicais.

Também houve limites políticos nos objetivos estratégicos das jornadas de mobilizações que de forma ampla e inédita unificou nacionalmente as organizações sindicais, juvenis, indígenas e populares, com elementos de auto-organização territorial urbana e rural. Não se pôs como objetivo derrubar o Presidente Ivan Duque, mas sim pressionar o Congresso para negociar a pauta de reivindicação do Comando Nacional.

O próprio Petro, que se credenciou ainda mais como principal líder das esquerdas no país, se equivocou quando chamou publicamente a que se levasse à derrota de Duque para as eleições. Por sua vez, longas jornadas de bloqueios e greves, enfrentando rotineiramente uma brutal repressão, mortes e desaparecimentos, em algum momento foram refluindo e se limitando a algumas regiões mais radicalizadas.

Destaque-se que a repressão também foi desencadeada por bandos paramilitares que não pouparam armas letais contra os ativistas, demonstrando que há um entrelaçamento e divisão de tarefas entre as forças oficiais e milicianas no país.

Contra qualquer tipo de golpe! Respeitar a soberania popular!

A destituição do Prefeito de Medellín, ocorrida no último dia 10, é o maior exemplo de como os bandos de extrema direita estão inseridos nas instituições do Estado. Daniel Quintero foi afastado do cargo da segunda maior cidade do país pela Procuradoria Geral da República, somente por ter publicado um vídeo de 6 segundos (isso mesmo!) em apoio a Gustavo Petro.

Um verdadeiro golpe de Estado local contra o mais elementar direito de livre opinião política. Após o golpe, um aliado de Duque passou a controlar a cidade. Tal fato deve ser repudiado por todas as organizações e instituições democráticas da América Latina!

Sem falar das denúncias feitas pelos candidatos, de ameaças de morte a Francia e Petro, que inclusive tiveram que cancelar agendas de campanha e visitas da chapa em algumas regiões. Tais denúncias precisam ser apuradas, e punidos seus responsáveis. Vejamos se a Procuradoria atuará de forma célere e firme nestes casos.

A crise, desmoralização e derrota política do uribismo e seu governo foi o grande saldo das jornadas de mobilizações, mas foi somente o início. As forças de extrema-direita e paramilitares possuem ainda muita força e enraizamento social, tentáculos nas instituições do Estado e capacidade de reciclagem nos novos partidos das classes dominantes. O candidato Federico representa precisamente isso e ante o seu crescimento, grande parte das forças de direita migraram para apoiá-lo. Com um perfil mais moderno e liberal, significa uma alternativa real ante a crise do Centro Democrático e do governo Duque.

Ante tal quadro, Petro e Francia merecem toda solidariedade das esquerdas e movimentos sociais do continente. A vitória dessa frente, junto com o retorno das mobilizações sociais pode significar um grande passo para uma virada histórica, não somente na Colômbia, mas que tem o potencial de influenciar todo o Cone Sul também em relação à própria geopolítica, pois significaria uma gigantesca derrota do maior cão de guarda do imperialismo neocolonial.

* David Cavalcante é Cientista Político.

Notas

1 https://esquerdaonline.com.br/2020/02/13/a-nova-situacao-politica-na-colombia/

2 https://esquerdaonline.com.br/2022/03/24/na-colombia-mulher-negra-sera-vice-do-candidato-favorito-a-presidencia/

3 https://esquerdaonline.com.br/2022/03/13/colombia-eleicoes-urnas-neste-domingo/

4 https://www.infobae.com/america/colombia/2022/05/15/la-impresionante-remontada-de-petro-y-la-caida-en-picada-de-fajardo-analisis-del-panorama-de-los-candidatos-a-14-dias-para-las-elecciones/

5 https://esquerdaonline.com.br/2020/09/10/a-crise-do-governo-colombiano-e-a-prisao-do-direitista-alvaro-uribe/