O Rio de Janeiro, por uma série de razões históricas, se tornou não apenas o berço do bolsonarismo, mas o terreno onde essa vertente do neofascismo encontrou solo mais fértil para se desenvolver. A brutal decadência econômica do Rio de Janeiro nas últimas décadas teve como efeito um profundo empobrecimento e deterioração do tecido social, com a ascensão de uma enorme massa de desempregados e subempregados, levando a desorganização da classe trabalhadora e da classe média fluminense. Esses setores de classe média ligados à propriedade privada, e da classe trabalhadora cotidianamente pressionada pelo seu empobrecimento são, historicamente, utilizados como a base de massas do fascismo.
Pode-se dizer que uma das fraquezas estruturais do PT, e os vários anos que este partido atuou como sublegenda do MDB no Estado do Rio de Janeiro, permitiram que o PSOL, através da intervenção nas lutas sociais do Estado, ocupasse o espaço de principal referência política de esquerda, principalmente entre seus setores de vanguarda, e podemos dizer que o PSOL RJ é hoje umas das principais referências de luta e de organização política no Estado.
A particular situação política fluminense se caracteriza pela combinação e potencialização da situação política nacional com a dinâmica de decadência relativa do protagonismo do Estado no país.
Desde a instalação da recessão do segundo governo Dilma em 2015, o Rio mantém uma média de crescimento anual negativo de 1,7%. Esta dinâmica de depressão econômica prolongada só foi interrompida por dois anos de relativa estagnação, em 2018 e 2019, deixando claro uma trajetória de perda de dinamismo estrutural. O Estado segue a tendência nacional de desindustrialização relativa, perdendo participação nesse setor, inclusive na comparação com os demais Estados. Por sua vez, a produção industrial se concentra fortemente na produção de commodities, que, além de marcadamente poluente, demonstra suscetibilidade a choques provenientes dos preços internacionais, principalmente petróleo e aço.
Esta fragilidade econômica se manifesta na manutenção de altíssima taxa de desocupação no Estado. A partir de 2016, esta taxa nunca esteve abaixo de 10%, resultando numa média de 15% de desocupados nos últimos 22 trimestres (PNAD Contínua). A taxa atual, de 18%, corresponde a cerca de 2.000.000 de desocupados em todo o Estado. A esta altíssima taxa de desemprego, soma-se uma forte taxa de informalidade e precarização, tendo como consequência uma queda considerável de renda dos trabalhadores de 2,5% em 2021, enquanto a inflação subiu 8,45% (INPC). A consequência mais dramática desse quadro de agudização acelerada da crise social no Rio de Janeiro é o crescimento ininterrupto da extrema pobreza no Estado desde 2017, culminando em mais de 2.700.000 pessoas nesta situação em 2021.
Por sua vez, a debilidade econômica se traduz numa extrema vulnerabilidade fiscal a partir de 2016, quando a queda abrupta dos preços do petróleo levou o Estado à situação de virtual falência e catapultou o seu endividamento. O governo federal, na posição de principal credor, foi capaz então de tornar o Rio de Janeiro a ponta de lança de um programa draconiano de ajuste fiscal imposto aos Estados. Desse modo, o Estado passou a operar com forte superávit baseado no corte de despesas e concessões, impulsionado pela privatização da CEDAE e retirada sucessivas de direitos dos servidores públicos estaduais.
A instalação do quadro recessivo na economia coincide com o fim do período de relativa estabilidade política no Estado, marcado pela hegemonia do MDB em aliança com as administrações petistas no governo federal. Esta hegemonia, entretanto, não representou a superação de uma situação de longa duração de fragmentação da política fluminense em termos localistas e clientelistas.
A histórica decadência econômica do Estado do Rio de Janeiro teve como resultado político a incapacidade da burguesia em oferecer um projeto econômico capaz de articular os principais polos econômicos secundários dispersos pelo Estado. Como resultado desse desenvolvimento histórico, nenhum partido organicamente vinculado às classes dominantes brasileiras constituiu bases mais sólidas no Rio de Janeiro. Mesmo no caso do MDB, que governou o Estado por quatro mandatos, muitos de seus quadros são movidos fundamentalmente por cálculos oportunistas, sendo constante o trânsito para outras agremiações de acordo com a direção em que sopram os ventos, não havendo uma linha historicamente coerente de ação. Assim, o cenário político do Estado permanece marcado por relativa fragmentação localista.
Este quadro de fragmentação no exercício do domínio político da burguesia fluminense, associado ao marco da profunda segregação racial e urbana típicas em especial da região metropolitana, favoreceu a consolidação de uma permanente mediação de poderes armados, em diferentes graus de integração ou conflito com o Estado, na estruturação da disputa política entre frações e na arregimentação de votos, vigilância, repressão e exploração assegurada dos setores mais pobres da classe trabalhadora fluminense e carioca.
Tudo isso é atravessado por uma política permanente de genocídio do povo negro operada pelo Estado, desde o fim da escravidão, e que se intensificou nas últimas décadas. Cresceu também a violência contra as mulheres e LGBTQIA+, em particular a população trans. As milícias surgidas no seio das polícias passam a ocupar e gerenciar os negócios que outrora eram gerenciados pela criminalidade. A transformação do espaço favelado e periférico em zona permanente de combate e disputa de controle, por sua vez, dificulta de modo persistente a associação autônoma destes trabalhadores. A miséria crescente dos trabalhadores favorece a proliferação de cultos religiosos fundamentalistas e ultrarreacionários que possibilitam lucros astronômicos e poder político para aqueles que os gerenciam.
Essa realidade fez do Rio de Janeiro terreno fértil para sua transformação em polo de irradiação da extrema direita para as demais regiões do país, capitaneada pela proeminência recente do clã Bolsonaro e do papel de aglutinador que conseguiu desempenhar na mobilização de diferentes vertentes reacionárias em torno de um projeto de poder neofascista que traz traços característicos da dinâmica de poder gestada na política fluminense.
O cenário estadual
Se a hipótese mais provável no cenário presidencial é uma polarização acentuada desde o primeiro turno, a corrida ao governo do Estado aponta um cenário bem mais em aberto. Embora Lula e Bolsonaro sejam puxadores de voto relevantes, não contam com refrações automáticas de seus projetos nacionais no Rio.
A última pesquisa Datafolha para o governo do Rio de Janeiro (feita em 07/04/22) mostra grande indefinição, com Marcelo Freixo em primeiro com 22% das intenções de voto e o atual governador Cláudio Castro em segundo, com 18%, seguidos pelo prefeito de Niterói Rodrigo Neves, com 7%.
A direita tradicional no Rio, por sua vez, se ainda passa pelos efeitos da desagregação do consórcio mdbista, recompôs, em larga medida, sua influência a partir da derrocada de Crivella nas eleições municipais de 2020. Teria um candidato natural no atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), favorito em todos os cenários eleitorais em que é cogitado, mas Paes tem afastado essa possibilidade e busca animar a candidatura de Felipe Santa Cruz, que tem 3% das intenções de voto.
O governador Cláudio Castro, catapultado ao cargo pela derrocada de Wilson Witzel, que teve seu mandato cassado, não compartilha com seu antecessor os traços mais diretamente associados ao perfil da extrema direita fluminense, nem nutre as mesmas ambições de disputa direta com a família Bolsonaro pela hegemonia neste campo. Vinculado historicamente à direita católica e ao fisiologismo, Castro seria uma expressão mais direta do chamado “Centrão”, não fosse a grande dependência que tem, como governador, do apoio direto de Bolsonaro.
Marcelo Freixo se apresenta defendendo a necessidade da esquerda girar ao centro para se tornar viável eleitoralmente, isto é, a defesa da necessidade de governar com setores da centro-direita e da direita fluminenses para derrotar o fascismo. A ruptura de Freixo com o PSOL e seu ingresso no PSB, que já abrigou no Rio figuras como Garotinho e Romário, se insere nesse sentido como sinalização política da ida ao centro. Freixo busca colar a sua candidatura à de Lula para crescer, mas enfrenta dificuldades de formalizar a aliança com o PT fluminense, pela crise em torno da disputa pela candidatura ao Senado entre Molon e André Ceciliano. O PT e Ceciliano, que foi presidente da ALERJ durante os governos Witzel e Castro, assinalam inclusive para dobradas com Cláudio Castro no interior do Estado.
Candidatura própria do PSOL-RJ contra o neofascismo e a conciliação de classes
Acreditamos que a população do Rio de Janeiro, especialmente seus setores mais pobres e que sofrem violência de toda espécie, precisa de uma candidatura que em primeiro lugar rompa com o neofascismo bolsonarista, e não reforce as ilusões entre os trabalhadores de que a esquerda deve abrir mão de se apresentar como uma alternativa classista, para ter um papel subordinado em uma frente ampla de alianças com a burguesia. Não é possível resolver os problemas do Rio de Janeiro sem se contrapor claramente ao receituário neoliberal que vem destruindo o serviço público e aumentando o custo de vida dos trabalhadores fluminenses.
Defendemos que o PSOL deve ter candidatura própria ao Governo e ao Senado no Rio de Janeiro. Assim como nas eleições de 2018 em que apresentamos a candidatura de Boulos, mesmo com Haddad, e que cumpriu um papel fundamental, acreditamos que uma candidatura do PSOL/RJ tem como centro a apresentação das bandeiras de luta da classe trabalhadora, mulheres, negros e negras, a população LGBTQIA+, com um programa que expresse a garantia de direitos, a preservação da democracia e do meio ambiente em todo o Rio de Janeiro, fortalecendo o PSOL e se colocando a serviço da luta para derrotar o neofascismo nas ruas e nas urnas.
As propostas da Resistência para o Psol/RJ
- Lançar candidatos(as) próprios ao Governo e ao Senado no Rio de Janeiro, mantendo a sua independência de classe, por entendermos que esta é a melhor localização para o PSOL na luta contra o neofascismo;
- Apoiar em um eventual 2º turno, a candidatura capaz de derrotar o neofascismo em nosso Estado, caso esse venha a concorrer, podendo ser este candidato Freixo ou outro nome que não esteja ligado aos setores bolsonaristas, como já fizemos, por exemplo, contra Witzel na última eleição;
- Reafirmar a nossa posição de que o PSOL não pode aceitar financiamento da burguesia e nem participar de governos de conciliação de classes;
4) Fazer uma campanha com perfil e programa próprios, através das nossas candidaturas, majoritárias e proporcionais, visando a consolidação do Psol como uma referência da independência de classe, das lutas e da organização de mulheres e homens contra a exploração e a opressão em todos os seus níveis.
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