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MOVIMENTO

CSN: greves históricas, sindicalismo patronal e rebelião de base

Michelangelo Torres*, de Volta Redonda, RJ

Tanques cercam a siderúrgica, na greve de 1988. Repressão deixou três mortos: Wiliam, Walmir e Barroso

A fase em que se encontra o complexo processo de reestruturação produtiva do capital, apoiado na financeirização, no parasitismo especulativo e na precarização do trabalho, tem se destacado em seu principal traço distintivo, a saber, seu potencial destrutivo sobre a classe trabalhadora e sua subjetividade. Nesse processo, o sindicalismo brasileiro encontra-se diante de uma profunda crise, a qual se acirra diante de uma situação reacionária e desfavorável para os trabalhadores desde o golpe de 2016, cujo agravamento se evidencia desde 2019[1]. O sindicalismo tem encontrado dificuldades em representar e organizar os interesses da classe trabalhadora diante dos ataques estruturais a seus direitos historicamente construídos. Por isso, o fortalecimento dos espaços de atuação sindical se faz imperioso no próximo período.

A crise contemporânea do sindicalismo, conforme expusemos em Torres (2020)[2], manifesta-se (1) na individualização nas relações de trabalho, intensificada com a desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho; (2) na incapacidade dos sindicatos incorporarem os segmentos não estáveis da força de trabalho e que vêm deixando de serem “atípicos” para se tornarem parte significativa do proletariado (elementos disso são conferidos pela diminuição das taxas de sindicalização; o crescimento do trabalho parcial, terceirizado, temporário, precário e informal; expansão do setor de serviços e aumento da feminilização e da juventude no mercado de trabalho; notadamente pós-reforma trabalhista); (3) esgotamento dos modelos sindicais vigentes (ausência do pertencimento de classe; caráter fragmentado e heterogêneo da classe trabalhadora; presença do sindicalismo de empresa subordinado à patronal – novo corporativismo sob a lógica de conciliação e concertação); perda substancial do caráter político transformador dos sindicatos; redução e desmontagem de direitos e negociações mais vulneráveis e corporativas; predomínio da ação sindical no plano defensivo; (4) burocratização das entidades sindicais; (5) ofensiva da ação ideológica anti-esquerda e crise de representatividade (e identidade) de instituições políticas. Ou seja, a conjuntura combina fragmentação, individualização, ideário neoliberal e ofensiva reacionária. Mas as lutas sociais do trabalho diante da senha do capital não descansam um minuto sequer.

Desde a luta contra a ditadura, os sindicatos, no Brasil, estiveram entre as organizações que mais despertavam confiança e respeito na sociedade, realizaram inúmeras greves. O Brasil foi o país que mais realizou greves no mundo. As lideranças sindicais entusiasmavam as massas e organizavam as lutas em todo o país. Em Volta Redonda o movimento mais emblemático foi, sem dúvida, na CSN. Nos anos 1980, assembleias dos trabalhadores da CSN reuniam cerca de 50 mil pessoas. Compunham trabalhadores e população local. O apoio popular à luta sindical era imenso no final da ditadura e início de redemocratização. As pautas econômicas se juntavam com as pautas políticas nacionais. Em novembro de 1988, a peãozada da CSN deflagrou greve junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, ocupando a empresa e parando suas atividades. Após confronto com a Polícia Militar do governo Sarney, os trabalhadores tomaram o controle da empresa. A adesão da população foi enorme. As assembleias contavam com trabalhadores e também moradores na região da Vila da Santa Cecília. Como desfecho autoritário, mais de cem feridos e três operário mortos pelo Exército, em episódio conhecido como Massacre de Volta Redonda. À época, o sindicalista Juarez Antunes foi eleito prefeito da cidade. Até hoje a luta dos trabalhadores é homenageada em todo país, com um símbolo, o Memorial 9 de novembro, do próprio Oscar Niemeyer – implodido três dias depois pelas forças da direita associadas ao Exército. A pedidos de Niemeyer o monumento não foi restaurado, permanece disponível ao público até hoje do jeito que ficou. A decisão foi pedagógica: “lembrar é resistir”, não esqueceremos a ação da direita alinhada às forças armadas que sustentaram a ditadura!

Monumento destruído

De lá para cá, a autoridade política do sindicato diminuiu, a adesão dos trabalhadores enfraqueceu, o apoio e confiança da comunidade se ceifou. O que aconteceu?

Dos anos 1990 para cá, muitos sindicatos – com honrosas exceções – converteram-se em verdadeiras correias de transmissão patronal, burocratizaram-se e se afastaram de suas bases. Outras forças sindicais acomodaram-se, sem independência de classe diante de governos. Não foi diferente com o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense. Com o processo de privatização da CSN dos anos 1990 (na presidência de Procópio Lima Neto), muitos quadros com experiência de luta sindical saíram da empresa. Houve achatamento de salários e maior rotatividade entre os operários. Por sua vez, a direção sindical mudou. O sindicato passou para as mãos de uma direção que representa um verdadeiro sindicato patronal.

Contudo, faz-se importante diferenciarmos direções sindicais (administração) de sindicatos (entidade). A despeito de suas contradições e deformações, os sindicatos ainda são a principal ferramenta coletiva dos trabalhadores na luta por seus direitos. Nos Estados Unidos, por exemplo, têm sido redescobertos pelas novas gerações e cada vez mais importantes na vida e na luta dos trabalhadores, inclusive em gigantes como a Amazon. Mais de vinte anos separam as lutas operárias de Volta Redonda dos dias de hoje. Muito se arrefeceu. A importância de se retomar a luta sindical classista na região é imperiosa. Portanto, a importância de se reconstruir a oposição sindical na CSN é estratégica.

*Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, membro da Direção Nacional do SINASEFE e militante da Resistência/Psol.

NOTAS

[1] Conforme dados do DIEESE, de 2016 a 2020 há redução do total do número de greves no país, com pequena recuperação em 2018, sendo que de 2011 a 2014 há um aumento constante do número de paralisações no local de trabalho.
[2] Conferir o livro: TORRES, Michelangelo. Trabalho, Sindicalismo e Consciência de Classe. Marília-SP: Lutas Anticapital, 2020.

 

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