No último domingo, 24, ocorreu o segundo turno das eleições francesas com a vitória do então presidente Emmanuel Macron sobre a candidata neofascista Marine Le Pen: 58,54% (aproximadamente 18,7 milhões de votos) contra 41,46% (13,2 milhões de votos). Apesar do alívio de não termos uma neofascista governando num dos principais países da União Europeia, a vitória de Macron não é muito animadora e representa muito bem a crise política e social que atravessa a França e a Europa nesse momento histórico.
Um pouco dos números…
Diversos analistas concordam em uma coisa: a vitória de Macron não foi uma legitimação de sua política, mas uma resistência republicana contra o neofascismo. Muitos eleitores só votaram em Macron para se contrapor a Le Pen. Nesse sentido, a vitória de Macron não é uma vitória de seu governo e nem de sua política. O que não dá muita legitimidade para continuar empurrando seus planos neoliberais.
Para fazermos uma comparação em números, há alguns elementos que são importantes nessa eleição:
- O maior índice de abstenção de 2º turno desde 1969: 28,01% (13,6 milhões);
- Macron perdeu quase 2 milhões de votos de 2017 para 2022 no segundo turno;
- Le Pen ganhou cerca de 2,5 milhões de votos de 2017 para 2022;
- Le Pen conseguiu atrair votos importantes dos principais candidatos derrotados no primeiro turno (78% de Zemmour, 65% de Nicolas Dupont-Aignan, 22% de Valérie Pécresse e 21% de Jean-Luc Mélenchon segundo o Instituto Ipsos);
- Le Pen venceu nas colônias francesas com o resultado inverso das eleições gerais (58,1% contra 42,9 para Macron) – com destaque para a vitória em Guadalupe (69,6% para Le Pen contra 30,4% para Macron sendo a abstenção de 52,8% dos eleitores) e Guiana Francesa (60,7% contra 30,3% e 61,1% de abstenção);
Apesar da derrota, esse aumento da votação de Le Pen tem que ser compreendido por três variáveis: há uma clara rejeição massiva de Macron e de sua política, seja no campo econômico e político, seja na relação com as colônias; há um avanço das ideias da extrema-direita que foi bastante representado por Éric Zemmour, um candidato abertamente racista, anti-imigração e defensor do período de ocupação nazista da França; há uma normalização de Le Pen (ajudada por Zemmour e pela mídia em geral, é verdade) como uma candidata compatível com a “França republicana”. O que representa um verdadeiro perigo para a democracia francesa e europeia.
…o neofascismo será o futuro da França?
Uma coisa é certa: 5 anos a mais de Macron podem preparar o terreno para o neofascismo. Mal ganhou as eleições e Macron já começou a anunciar as medidas de destruição dos direitos, tais como a reforma da previdência que pretende aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos. Inclusive se utilizando de um instrumento autoritário e regressivo que é o dispositivo 49-3 da Constituição Francesa que permite a aprovação sem passar pelo debate no Congresso, semelhante a uma Medida Provisória no Brasil. (1)
Pelo lado da extrema-direita, é necessário ver como o resultado irá impactar a recomposição no sistema político francês. Marine Le Pen anunciou que essa seria sua última candidatura a presidente, porém que vai continuar na vida política (ela é deputada nacional) (2). Zemmour, que sofreu uma forte derrota no primeiro turno, vai tentar conquistar um espaço nas eleições legislativas de junho desse ano e abrir caminho para seu novo partido. A direita tradicional, Les Républicains, está em uma crise aberta, entre Macron e a extrema-direita.
Atualmente, a representação da extrema-direita no Congresso francês é bastante fraca: 7 de 577 deputados para o partido do Rassemblement National (RN) e apenas 1 senador em 348. Porém, isso não ocorre pela falta de votos na extrema-direita (em 2017 foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas), mas justamente pelo sistema distrital em 2 turnos, que opõem, muitas vezes, uma “frente republicana contra a extrema-direita” e a RN. Só como comparação, no Parlamento Europeu, uma eleição proporcional, a RN tem 22 deputados de 74 que os franceses têm direito. É possível que nas eleições desse ano, a extrema-direita obtenha também um aumento na quantidade de votos, colocando-a numa posição melhor para disputar com o neoliberalismo autoritário de Macron.
Porém, essa não é uma batalha perdida para a esquerda ou para o campo dos trabalhadores. O resultado de Mélenchon no primeiro turno (21,95% de votos e ele poderia ter ido ao segundo turno não fosse a divisão da esquerda francesa), e as mobilizações massivas dos movimentos sociais durante os primeiros cinco anos de Macron foram uma demonstração de que há resistência frente ao desmonte dos direitos sociais. É preciso construir uma unidade e uma alternativa política frente ao abismo que representa Macron e o perigo neofascista da RN. Essa resistência passa por boas iniciativas de unidade nas eleições legislativas, como as que ocorrem já entre as forças de esquerda na França (3). Porém, será construindo nas ruas a resistência e derrotando Macron e suas políticas neoliberais (começando pela reforma da previdência) que a esquerda francesa e os movimentos sociais poderão construir uma verdadeira alternativa política para a crise política e social que passa o país.
Notas
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