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MOVIMENTO

Uma CONCLAT muito aquém do que precisamos

Mauro Puerro*, de São Paulo, SP
“As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão…
Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução…
Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata…
Ê eu, não posso esquecer
Essa legião que se entregou por um novo dia
Ê eu quero é cantar essa mão tão calejada
Que nos deu tanta alegria
E vamos à luta”
Gonzaguinha
Pequena memória para um tempo sem memória

A população trabalhadora e oprimida é a maior vítima da crise econômica, sanitária, ambiental e social do Brasil. Os ataques contra a classe trabalhadora, produto da política do capitalismo, já vinham ocorrendo há tempos. Entretanto, a partir do golpe de 2016, com o governo Temer e posteriormente com Bolsonaro, a retirada de direitos e a miséria da nossa classe se aprofundaram barbaramente. Redução salarial, desemprego, inflação altíssima com produtos de primeira necessidade à hora da morte, gás, gasolina, tudo inacessível para os mais pobres, além de investimento zero em saúde e educação. O negacionismo desse governo em relação à pandemia gerou um genocídio de mais de 660 mil pessoas, isso sem contar a subnotificação, sendo a ampla maioria gente da classe trabalhadora. Como se não bastasse, o neo-fascista ataca as poucas liberdades democráticas que existem e constantemente ameaça a população e as instituições com um golpe militar. Por tudo isso, é fundamental iniciativas que busquem a unidade das trabalhadoras e trabalhadores para lutar pelos direitos e liberdades democráticas. É preciso colocar em ação aqueles e aquelas que carregam o Brasil nas costas para derrotar Bolsonaro nas ruas e nas eleições. Portanto, uma Conferência da Classe Trabalhadora (CONCLAT) é bem vinda.

Uma conferência com muitos limites

A Conferência, convocada pelo Fórum das Centrais, ocorre dia 7 de abril, das 9h às 13h. Terá a presença de 500 pessoas escolhidas por suas direções e será transmitida pelo canal TVT. O objetivo, segundo os organizadores, é apresentar aos candidatos e candidatas à Presidência da República e ao Congresso Nacional, ao s governos dos estados, às assembleias legislativas e também à sociedade uma Pauta da Classe Trabalhadora, já acordada entre as direções das centrais. No encontro, terão direito à palavra representantes das centrais sindicais. Como se vê, um formato bem limitado.

O documento a ser apresentado, negociado no Fórum das Centrais, tem elementos positivos, como o item 30: “Revogar a Emenda Constitucional 95 (teto dos gastos)…”, que impede investimentos sociais do Estado brasileiro. Mas também tem erros e lacunas. É óbvio que quando se faz unidade e acordos unitários é possível fazer concessões no programa, porém existem pontos nos quais é incorreto renunciar, e ainda mais, no início de um processo político. O principal é o item 14 das medidas estruturais: “Revisar os marcos regressivos da legislação trabalhista e previdenciária no setor público e no setor privado…” Ora, “revisar marcos regressivos” pressupõe que haja “marcos progressivos” nas reformas Trabalhista e Previdenciária que vieram após o golpe de 2016. Não há nada de progressivo nelas. São ataques violentos à população trabalhadora e  devem ser totalmente revogadas.

A CONCLAT de que precisamos

Em 1981, ainda durante a ditadura, ocorreu em Praia Grande (SP) a primeira CONCLAT. Foram cerca de 5 mil participantes, delegadas e delegados eleitas e eleitos em assembleias nos seus sindicatos. Estiveram presentes representantes dos diferentes setores da classe trabalhadora da cidade e do campo. Resultou num avanço das lutas por direitos e pela redemocratização do país e na fundação da CUT e da CGT.

Estamos em outra conjuntura, hoje, inclusive sanitária, mas teria sido possível que a partir da definição de um número maior de participantes se distribuíssem a quantidade de delegados a serem eleitos democraticamente em assembleias nos sindicatos. Teria sido possível incorporar na Conferência representação eleita do movimento popular, da juventude e dos setores de luta contra a opressão: mulheres, negros e negras e LGTBQIA+. Trazer as várias categorias em greve por todo o Brasil, assim como aquelas que vão entrar em campanha salarial. Fazer da Conferência um instrumento forte para colocar os explorados e oprimidos unidos em ação nas fábricas, escolas, bancos, bairros para convencer corações e mentes e assim construir a derrota de Bolsonaro e sua gangue construindo uma saída para nossa classe.

O Fórum Sindical, Popular e da Juventude por Direitos e Liberdades Democráticas que agrega várias entidades importantes, muitas não filiadas a nenhuma central, buscou participar, para poder expressar suas opiniões. Nos foi informado que só seria possível como convidada de alguma central e sem direito à palavra. Um erro e sectarismo absurdo. 

A CSP-Conlutas, que integra o Fórum das Centrais, participou de todo o processo, mas se retirou às vésperas da Conferência levantando críticas. Poderia ter defendido essas posições desde o início da organização do evento, porém infelizmente não o fizeram. Deveriam ter expressado suas posições durante a Conferência, mesmo que não assinassem o documento.

Ainda é possível superar as limitações

É uma ilusão achar que basta um acordo entre cúpulas com parte da burguesia brasileira, apostando apenas nas eleições, para derrotar Bolsonaro e suas milícias. Ele ainda tem força. Para derrotá-lo, inclusive nas eleições, e quebrar a sua política de fome, miséria, desemprego, morte, privatização, é preciso mobilizar por cada questão concreta. É preciso apoiar todas as greves e mobilizações que estão ocorrendo por direitos e salários. É preciso arregaçar as mangas, suar a camisa, visitar todos os locais de trabalho, as escolas e universidades, os bairros, criar um amplo movimento por baixo. Ainda dá tempo de corrigir os erros. O Fórum das centrais pode, mesmo depois da CONCLAT, impulsionar este processo junto com os movimentos sociais na cidade e no campo, junto aos movimentos que lutam pelos direitos das mulheres, negros e negras, LGTBQIA+. Assim buscar construir uma saída para os explorados e oprimidos. Neste momento difícil da realidade é hora de resgatar e honrar aquelas e aqueles que lutaram no passado. Como diz a canção do saudoso Gonzaguinha: “Eu não posso esquecer essa legião que se entregou por um novo dia. Eu quero é cantar essa mão tão calejada que nos deu tanta alegria. E vamos à luta”.

*Professor, membro da Coordenação Nacional do Fórum Sindical, Popular e da Juventude por Direitos e Liberdades Democráticas