Na manhã de hoje, Guilherme Boulos anunciou que será candidato a deputado federal em São Paulo. Até então, Boulos era pré-candidato ao governo paulista e reuniu milhares de pessoas em uma caravana que percorreu o estado em 2021. É fato que Boulos ganhou a confiança de um amplo setor de trabalhadores e da juventude na capital de São Paulo em 2020 e, por isso, faz a diferença em qualquer raia eleitoral.
A nova posição de Boulos na eleição de 2022 certamente coloca o PSOL em outro patamar na disputa para projetar lideranças da esquerda radical e vinculadas aos movimentos sociais no Congresso Nacional, um desafio importante dos nossos tempos. Também será a primeira vez que o MTST, em mais de vinte anos de estrada, terá um representante na Câmara de deputados, uma novidade política em sua história.
Sem Boulos, o cenário está marcado por Haddad (PT), França (PSB), Tarcísio (PL) e Garcia (PSDB) e é muito provável que a disputa se resolva somente no 2º turno. Haddad está em primeiro lugar nas pesquisas e, com Lula, tem condições de ir para o 2º turno.
Enquanto isso, há uma crise importante na direita paulista. De um lado, o PSDB perdeu parte de sua base para o bolsonarismo, mas preserva lastro histórico e está em 368 prefeituras no estado. Tem condições de garantir vaga no 2º turno, mas Rodrigo Garcia não fez uma boa largada e sofre impacto da rejeição de João Dória. De outro lado, Tarcísio de Freitas, ministro de Bolsonaro, tenta surfar na polarização nacional, mas padece a ausência de base social própria – junto à classe média e ao empresariado que sustentam historicamente o tucanato – em relação à Bolsonaro, de quem adquire por tabela apoio, mas também rejeição. A disputa inter burguesa precisa de mais tempo para decantar. França, no pré-anunciado partido do Alckmin, pode ou não manter sua candidatura, a depender de viabilizar suas possibilidades de ganhar base eleitoral do centro e da direita em crise. As peças ainda não se estabilizaram e a disputa ainda está morna e indefinida.
O PSOL, então, tem um novo desafio em São Paulo.
A missão do PSOL SP em 2022 é ser parte ativa da luta para derrotar o bolsonarismo e o tucanato, apresentando uma alternativa política e programática de esquerda e anticapitalista. Fazer a diferença no debate público, plantar uma semente de presente e de futuro. Ser útil para a derrota eleitoral e ideológica de Bolsonaro, Dória, Tarcísio e Garcia. Há dois caminhos para concretizar isso: construir uma Frente de Esquerda ou lançar candidatura própria.
A decisão do PSOL será tomada mais à frente e depende de fatores que estão em movimento, mas o principal deles é se Haddad encabeçará ou não uma Frente de Esquerda – ou seja, qual será seu arco de alianças, se Alckmin será um porta-voz de sua campanha e qual será o seu programa. O desfecho para essa questão ainda é incerto.
Primeiro, o arco de alianças. Ainda não há nitidez sobre quem irá compor a chapa Haddad, além dos partidos de sua federação (PT, PCdoB e PV). Uma repetição dos marcos da chapa nacional, com PSB de Alckmin e França e/ou com partidos do centrão, empurra o PSOL para a candidatura própria. Não é possível apresentar uma alternativa política transformadora ao lado dos ex-governadores que promoveram ataques contra o povo e o desmonte dos serviços públicos. Uma chapa com esta natureza não poderia defender o programa necessário para enfrentar a crise com um programa que responda às emergências do povo pobre. Com a recessão global, há que se ter enfrentamentos com a burguesia. Com o crescimento do conservadorismo, há que se escolher o lado das feministas, do povo negro e das LGBT. Não será uma eleição para ficar em cima do muro.
Segundo, qual será o papel de Geraldo Alckmin. O PSOL não apoia, nem dá qualquer voto de confiança em Alckmin. Mesmo o eventual apoio crítico a Lula no 1º turno se justificaria para combater Bolsonaro e apesar de Alckmin. Será em SP, onde o ex-governador tucano cumprirá seu principal papel na campanha: articulação com a burguesia, compromissos de programa para ganhar o empresariado e a classe média antipetista. Portanto, se o Alckmin estará no palanque de Márcio França, de seu partido, ou se será um porta-voz de Haddad, faz uma diferença qualitativa para o PSOL.
Terceiro, qual será o programa. A derrota política e ideológica do bolsonarismo e do tucanato exige defender um programa para reverter as privatizações e a reforma administrativa estadual, combater as desigualdades sociais, gerar emprego e renda com direitos trabalhistas, inverter a política fiscal com investimento em educação, saúde e moradia, interromper os despejos e usar imóveis desocupados para moradia popular, desmilitarizar a polícia e enfrentar a guerra às drogas para combater o genocídio da juventude negra e o super encarceramento, realizar auditoria nos contratos estaduais, recuperar as bacias hidrográficas e reflorestar o estado rumo ao desmatamento zero e ampliar a rede de proteção à violência contra a mulher e às LGBTs.
Em um segundo turno, sem dúvida, o PSOL estará com a militância engajada ao lado de Haddad, caso seja ele o candidato contra Garcia ou Tarcísio.
Mas no 1º turno, o PSOL deseja uma Frente de Esquerda e, caso isto não seja possível, terá que lançar um ou uma candidata para cumprir com sua missão histórica e defender um programa necessário para o estado.
Não poderia ser diferente. O próprio crescimento parlamentar do PSOL em 2018 e 2020 esteve conectado à luta contra o golpe, Temer e Bolsonaro e às principais lutas sociais de SP, como as mobilizações do MTST, a luta contra o aumento das passagens, as mobilizações feministas, a defesa dos serviços e do funcionalismo públicos e o enfrentamento ao genocídio da juventude negra promovido pelo PM paulista. Uma eventual candidatura do PSOL, hierarquizada pela necessidade de derrotar Bolsonaro e colocar um fim ao tucanistão, ao invés de atrapalhar a esquerda, ajudaria a canalizar essas pautas. O mesmo em relação à sua participação em uma Frente de Esquerda, respeitando o peso que o partido conquistou no estado.
* Deborah Cavalcante é advogada, Mestre em Ciência Política na UNICAMP, Doutoranda em Direito do Trabalho na USP, militante da Resistência e Secretária de Relações Internacionais do PSOL.
Comentários