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BRASIL

Ceará: a poucos meses de outubro é possível e preciso unir as esquerdas

Giambatista Brito*, de Fortaleza, CE
Foto: Camila Garcia

Em Fortaleza, o ato do 7 de Setembro, com concentração na Praça da Cruz Grande, no bairro Serrinha

O processo eleitoral já começou. Partidos, agrupamentos, pretensos candidatos movimentam-se de norte a sul do país, fechando apoios. A tônica vem se confirmando na reprodução da bipolaridade entre os que estão com Lula e o bolsonarismo. No Ceará, a única candidatura a governo certa até o momento, com o devido nome lançado e com as movimentações em curso, é a do Capitão Wagner, deputado federal de direita que já recebeu o apoio de Bolsonaro. A demora em definir qual será o candidato a governador de Lula está nas relações umbilicais entre o petismo e o cirismo, hoje aninhado no PDT. Isso é assim porque aqui, a família Ferreira Gomes tem poder e sua influência política espalha-se para além das fileiras do partido de Brizola e encontra correligionários inclusive dentro do partido de Lula.

Por um lado, os que defendem esperar aida mais, alimentam a esperança, ainda que com um tom quase de inocência, que Ciro Gomes não seja candidato a presidente e com isso se limpe o terreno para que o PT apoie uma candidatura do PDT/Ferreira Gomes ao governo do estado. Se seguram no fato que existe um incômodo da bancada federal de pedetistas com os seguidos resultados pífios de Ciro nas pesquisas eleitorais e apostam suas fichas na hipótese de que Ciro seja forçado a desistir (seja “desistido”, dizem alguns). Aguardam que se forme um cenário no estilo “céu de brigadeiro”, onde pedetistas possam eleger governador o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), com apoio de Camilo Santana, atual governador pelo PT, e futuro senador com o apoio de ambas as siglas. Acredita quem quer. Pode até ser que esse cenário venha a se confirmar mas é bom reparar que estamos no final de janeiro e não há, até o momento, demonstração alguma de que isso vá ocorrer. Recentemente Ciro fez o lançamento oficial de sua pré-candidatura com todas as pompas e, como era de se esperar, também com todas as ofensas a Lula e ao PT. Ciro segue no estilo “nóis capota, mas não breca”.

Por outro lado, o governador Camilo Santana, tenta emplacar a solução um palanque para governador e dois para presidente. A recente demonstração de força, filiando 12 prefeitos ao PT e tornando-se  a segunda maior bancada de prefeitos cearenses, teria a intenção de demonstrar que seria possível garantir um forte palanque de Lula para presidente no Ceará mesmo sem a presença de um candidato a governador nele. Uma lógica, no mínimo, bizarra. Pergunta-se: e como ficam os materiais de campanha do petismo no Ceará? Não teriam candidato a governo ou  indicariam voto ao candidato pedetista que aparece ao lado em todos os materiais de Ciro Gomes que tem tudo para ser uma das mais virulentas candidaturas antipetistas dessa eleição? E o candidato ao Senado pelo PT, Camilo Santana, subirá no palanque de Ciro? Mesmo com o pedetista não se privando de ofender por todo país o candidato petista? É isso mesmo? Pense numa confusão sem sentido.

O inusitado nessa composição é que, assim sendo, talvez a única candidatura a governador a defender Lula presidente seja a do PSOL. Sim, porque nessa barca furada de esperar por Ciro ou engolir os Ferreira Gomes, nós do PSOL não entraremos. Não tarda e logo lançaremos nossa pré-candidatura e nomes não nos faltam para tanto. Todavia sabemos que essa não é a melhor solução para o Ceará. Pensamos que a esquerda pode e deveria ter uma candidatura unificada para o palácio da Abolição. É do PT a figura pública de esquerda mais conhecida no estado, eleita para deputada federal com mais de 170 mil votos, a ex-prefeita Luizianne Lins, que aliás, já colocou seu nome à disposição, se propondo inclusive a deixar de concorrer uma reeleição para o parlamento, onde seria facilmente reconduzida. Essa nos parece uma boa saída para o Ceará, uma frente eleitoral das esquerdas com Luizianne Lins do PT à cabeça de chapa, com uma vice dos movimentos sociais, capaz de empolgar militâncias por todo o Estado e construir uma campanha que coloque PT, PSOL e PC do B lado a lado desde o primeiro momento.

O PSOL não tem porque se furtar em fazer parte dessa saída à esquerda desde que sejamos capazes de levar à mesa um programa ao governo do Estado que permita debater temas importantes e urgentes, que via de regra não temos acordo com a atual gestão de Camilo Santana. Esse, sabemos, é sim, um obstáculo, mas que não precisa ser intransponível. Essa mesa de diálogo poderia ter como ponto de partida cinco eixos: 1) meio ambiente e emergência climática; 2) segurança pública e direitos humanos; 3) combate às desigualdades sociais; 4) defesa e respeito do serviço público e seus servidores; 5) combate às opressões.

No tema do meio-ambiente precisamos de uma saída diferente da que leva adiante a destruição de dunas, lagoas, mangues e ecossistemas diversos do nosso estado. Onde se possa verdadeiramente repensar e dar passos para uma nova matriz energética, revisando a política de extrativismo mineral, sobretudo na região dos Sertões, reafirmando o combate a pulverização de agrotóxicos e respeitando as comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais.

O segundo ponto seria o do combate á violência, o fim da política de encarceramento em massa, o respeito aos direitos humanos e uma nova política de drogas. Recente estudo da Rede de Observatórios da Segurança demonstrou que 87,2% dos assassinados pela polícia são negros e em Fortaleza, simplesmente todos os mortos pela polícia são negros. Não pode ser que isso não incomode ao ponto de promover uma profunda mudança na política de segurança do Estado administrado por uma gestão de esquerda.

No combate às desigualdades sociais não é possível que o Ceará trate como normal ser o sexto estado com mais bilionários do país, o primeiro do nordeste, ao mesmo tempo que promove cenas de famílias, sobretudo mulheres, disputando sobras em carros de lixo. Nenhum governo de esquerda pode tratar isso como natural e é preciso uma política que seja capaz de garantir que os ricos paguem tributos de forma tal que nenhum cearense tenha que passar fome.

No serviço público é preciso sobretudo rever o estado de precarização dos servidores estaduais. Somente na educação, para tomar como exemplo, quase metade dos professores são temporários e anualmente passam pelo sofrimento de renovar seus contratos, ficando meses trabalhando sem receber, estando submetidos a diversas situações de assédio, esperando por concursos públicos com número de vagas sempre inferiores à necessidade da população, que quando realizados, levam anos para garantir a convocação dessas trabalhadoras e trabalhadores. Enquanto isso faltam escolas para atender nossa juventude que sejam próximas ao seu local de moradia.

Por fim no tema das opressões, não é possível ignorar dados como o levantado pelo Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB) que afirma que o Ceará é o segundo estado do país que mais mata LGTBs, muito menos é possível deixar de lado, o levantamento do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2021 que mostrou que o Ceará é o segundo estado brasileiro com a maior taxa de homicídios de meninas e mulheres. Isso não é normal. Não pode ser tratado como normal. E nenhum governo de esquerda pode deixar de encarar esse tema.

É possível unir a esquerda no Ceará. É possível construir um governo das esquerdas no Ceará a partir de 2023. Mas é fundamental que o PT dê um passo adiante e possa romper de vez com os Ferreira Gomes.

*Giambatista Brito é militante da Resistência/PSOL.