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BRASIL

Bahia: os desafios da esquerda nas eleições de outubro

Priscila Costa, Gustavo Mascarenhas e Josias Porto*, de Salvador
Marcos Vegne

Em 2021 enfrentamos heroicamente a Pandemia e o governo Bolsonaro. Apesar das vitórias parciais, nenhum dos dois “vírus” estão derrotados. Muito pelo contrário, ambos ainda nos ameaçam e contra eles teremos uma batalha decisiva agora em 2022.

2022 não será um ano fácil. Outubro será muito importante. Mas a luta contra o Bolsonarismo não se resumirá às urnas, apesar de passar decisivamente por elas. Ao que tudo indica, teremos um ano marcado por uma pergunta: Lula ou Bolsonaro? Se esse cenário seguir, eleger Lula, se possível ainda no primeiro turno, é condição número um para derrotar o bolsonarismo. Mas não é suficiente.

Eles seguem (e seguirão) tendo força, não podemos menosprezá-los. Nada está garantido. Nem as eleições, nem a posse, nem um futuro governo. Não os derrotaremos “à frio”. Precisamos ocupar as ruas antes e depois das eleições. Pra isso, vai ser necessário conquistar corações e mentes com um programa de transformações reais e profundas. A forma como faremos essa disputa em cada estado será muito importante.

As pré candidaturas ao governo da Bahia

Até o momento há uma pré-candidatura oficialmente lançada: a do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (DEM). Por hora favorito nas pesquisas, ele traz consigo muito mais do que o nome do avô (Antônio Carlos Magalhães), um “coronel” que dominou a política do estado durante décadas, desde que foi nomeado pelos ditadores prefeito da capital. Neto é o herdeiro desta tradição, mas tem, inegavelmente, uma estratégia política diferente. Longe do perfil truculento do avô, posa como uma nova liderança de uma direita liberal sofisticada, e tenta dialogar inclusive com pautas progressistas. Não à toa deixou a prefeitura com altíssima aprovação, na capital mais anti-bolsonaristas do país.

Neto e seu grupo estão longe de ser um braço do bolsonarismo ou coisa parecida. Mas também estão longe de representar uma candidatura comprometida com o enfrentamento à extrema-direita. Como presidente nacional do DEM, ACM articulou a liberação da bancada do partido para votar em Arthur Lira (Progressistas), candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara e peça chave do acordão com o centrão que ajudou a sustentá-lo no poder. É ele, também, um dos operadores da fusão entre DEM e PSL, que resultará no no partido (União Brasil) que terá o maior fundo eleitoral e tempo de TV, e que abarcará inúmeros deputados reacionários que se elegeram na onda do “17”. Além disso, Neto e seu grupo tem compromisso com uma agenda neo-liberal privatista, como demonstra seu sucessor, o atual prefeito Bruno Reis, que implementa um processo de venda de espaços municipais de preservação e privatização de serviços públicos (como gestão dos cemitérios, Elevador Lacerda, planos inclinados, iluminação pública – Lei Municipal 305/21)

A candidatura oficial de Bolsonaro no estado ainda não foi definida. Há dois nomes sendo cogitados: a médica negacionista e ex-secretária de saúde de Porto Seguro: Raissa Soares (PL); e o atual ministro da cidadania (ministério responsável, dentre outras coisas, pelo Renda Brasil) João Roma (Republicanos). Não podemos negligenciar o peso que essa candidatura pode ter seja para fazer palanque ao genocida, seja para eleger deputados de extrema-direita, seja até para disputar uma ida ao 2º turno (algo improvável, mas não impossível).

Lembremos que o candidato Bolsonarista à prefeitura de Salvador em 2020 surpreendeu ao passar de 1% nas pesquisas para quase 5% no resultado final. No conjunto do estado o apoio ao genocida é maior do que na capital. Na última pesquisa, Jair Bolsonaro pontuava 21,8% nas intenções de votos na Bahia. Esse eleitorado pode inflar candidaturas bolsonaristas, seja para governo, seja para deputados. Já começaram, inclusive, a surgir possíveis nomes para a Câmara Federal com potencial importante de votos neste campo: com a do ex Coronel da PM, Humberto Sturaro, e a do cantor de Axé, Netinho. O bolsonarismo terá seus representantes em terras baianas e precisam ser combatidos.

Pela esquerda, tudo indica que haverá duas candidaturas, a do senador Jaques Wagner (PT) e a do PSOL, ainda sem definição do nome. Wagner, ex-sindicalista do Sindipetro, governou a Bahia por dois mandatos, interrompendo a dinastia de anos do carlismo. Foi sucedido por Rui Costa (PT) que termina agora o segundo mandato. 

A alta aprovação dos governos petistas, depois de 16 anos no comando do estado, se deve a vários fatores. Destaca-se sinteticamente:  (1) relativo crescimento ou estabilidade econômica no estado, ainda que com um cenário mais negativo nos últimos anos; (2) forte incidência das políticas sociais da era petista (como Bolsa Família, Luz para todos, Água para Todos, Minha Casa Minha Vida) ; (3) apoio e sustentação em grande parte dos movimentos sociais, sindical e popular; (4) incorporação à base do governo de lideranças regionais e seus grupos políticos, inclusive muitos oriundos das asas do carlismo. Basta lembrar de nomes como Otto Alencar (PSD), Ângelo Coronel (PSD) e João Leão (Progressistas), até mesmo Geddel (MDB) chegou a fazer parte da aliança com o petismo por um tempo. 

Cabe ainda pontuar que alta aprovação tanto da prefeitura do DEM em Salvador, quanto do governo do PT na Bahia se devem também ao enfrentamento à pandemia, o que fortalece as candidaturas de ACM Neto e Jaques Wagner como as duas principais neste momento. Em um contexto marcado pela escandalosa postura negacionista e criminosa do Governo Federal, gestões que minimamente se pautaram pela ciência e pelas orientações da OMS se destacaram positivamente.  

A esquerda precisa construir um novo projeto para o estado

Contudo, é preciso fazer um balanço sobre os 16 anos de gestões petistas na Bahia. O modelo de desenvolvimento escolhido pelos governos Wagner e Rui não resolveram os problemas estruturais do nosso povo no estado. As alianças do PT com o que tem de pior na política baiana é uma expressão do caminho trilhado por esses governos. A relativa estabilidade econômica, e mesmo crescimento em alguns momentos, não significaram um verdadeiro desenvolvimento social e ambiental para a Bahia. Se privilegiou os interesses das elites locais e das empresas transnacionais, e não as necessidades do povo trabalhador. A Bahia segue tendo a 2ª maior taxa de desemprego do país e o 6º pior Índice de Desenvolvimento Humano (dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua – de 2021).

A recente tragédia que aconteceu no Sul da Bahia demonstra o preço que podemos pagar se o projeto de desenvolvimento não mudar. As monoculturas latifundiárias e a mineração tem devastado nossas matas, destruído nossas nascentes, expulsado de suas terras povos tradicionais e pequenos produtores. Os governos Wagner e Rui não só não enfrentaram esses interesses, como os favoreceram. Foram mais de R$ 1,8 bi investidos pelo governo da Bahia em pesquisas na mineração desde 2010, por exemplo. Investimentos que passam longe de qualquer preocupação ambiental. Pelo contrário, para citar outro exemplo, o terminal da Ferrovia Oeste Leste, que está sendo construído pelo governo em Ilhéus para escoar os grãos do agronegócio, impacta fortemente até mesmo uma área de preservação ambiental, além de comunidades pesqueiras e de pequenos agricultores. Clique aqui para saber mais.

Um projeto político capaz de se confrontar ao neo-fascismo e o reacionarismo precisa apresentar um outro modelo de desenvolvimento econômico para o país e para cada estado. E precisa, em cada estado, apresentar também um outro projeto de segurança pública. Sabemos o quanto o neofascismo se apoia no subproduto de uma política de segurança racista, de encarceramento em massa, de extermínio que vigora no país. Wagner e Rui não só foram coniventes com esse modelo, mas o estimularam e ampliaram. Rui Costa fez  “aliança com os setores da cúpula reacionária das polícias”. Não à toa, a polícia da Bahia é a segunda do país que mais mata em operações policiais. E, ao contrário do que se defende, esta estratégia não tem contribuído para trazer mais segurança ao povo: a Bahia é hoje o estado que tem o maior índice de mortes violentas no país (segundo dados do Monitor da Violência). 

Um projeto político capaz de derrotar o neofascismo precisa, no plano nacional e em cada estado, priorizar a educação. Infelizmente, os governos Wagner e Rui fizeram o oposto disso. Já no primeiro mandato do PT à frente do estado, a postura de Wagner frente as greves de professores foi de repressão, chegando a pedir prisão de sindicalistas (2007). De lá pra cá a política para educação estadual, seja na rede básica seja superior, foi a mesma: redução de verbas, sucateamento das escolas e universidades, desvalorização dos professores, com desmontes nas carreira docentes e inclusive com utilização indiscriminada de terceirização via REDA e outras modalidades. Além disso, o conjunto do funcionalismo público tem sido atacado por estes governos. Pra ficar em um exemplo mais recente: a contrareforma da previdência do servidores estaduais (EC 163/2021). Saiba mais sobre a reforma da previdência da Bahia.  

Qual é o papel do PSOL em Outubro?

Um possível apoio a candidatura presidencial de Lula precisa ser combinada, no caso da Bahia, com uma candidatura própria ao governo do estado, que abarque esses debates.

A luta presente e futura contra o fascismo exige enfrentar estas e outras questões. A esquerda precisa construir um outro projeto para Bahia e para o Brasil, que consiga envolver negros e negras, mulher, LGBT’s, indígenas, pequenos agricultores, juventude, trabalhadores. É preciso enfrentar pela raiz a política de segurança racista, a questão ambiental, a violência contra mulher, a precarização do trabalho, o problema do desemprego e tantas outros. Só assim, será possível manter uma força social mobilizada numa luta permanente contra o fascismo. A construção deste programa não é possível em aliança com a direita liberal, com o capital internacional e com as elites locais. 

O PSOL deve apresentar uma alternativa a serviço deste acúmulo. Um possível apoio a candidatura presidencial de Lula precisa ser combinada, no caso da Bahia, com uma candidatura própria ao governo do estado, que abarque esses debates. Uma candidatura anti-racista, feministas, ecossocialismo, da classe trabalhadora e das lutas sociais. 

A unidade da esquerda nesse momento é um imperativo. É preciso ter nitidez sobre a diferença enorme que existe entre os diversos campos, que vai se refletir nas diferentes candidaturas (do campo neofascista, da direita liberal, da esquerda). Nosso inimigo maior é o fascismo e o reacionarismo e contra eles estaremos junto com as candidaturas do campo petista. Mas nos marcos dessa unidade, as candidaturas do PSOL em outubro são imprescindíveis. 

O PSOL Bahia tem hoje uma cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia ocupada pelo nosso valoroso Deputado Estadual Hilton Coelho.  Como tem sido importante ter essa voz, esse lugar, a serviço de tantas lutas que travamos no último período. Precisamos de mais mandatos combativos. Eleger e fortalecer o PSOL é fundamental para as lutas que virão.

*Militantes da Resistência/PSOL.