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BRASIL

Cinco trechos da entrevista de Lula que precisamos debater

Lucas Scaldaferri, de Porto Alegre, RS
Foto mostra Lula na entrevista. Ele usa um fone de ouvido e microfone. Veste um terno azul marinho e camisa social branca. Está em um escritóirio, com algumas prateleiras e estantes. uma mesa ao fundo e uma cadeira preta.
Reprodução

As entrevistas e os gestos públicos de Lula são de grande relevância para a política nacional. O ex-presidente é o que aparece melhor posicionado nas pesquisas para derrotar Bolsonaro e seu partido segue sendo a principal referência política da classe trabalhadora. Assim, tudo o que Lula faz tem potencial de grande impacto no tabuleiro político do país e para a esquerda, em particular.  

A entrevista de Lula na Rádio Gaúcha, na terça-feira, 30/11, teve grande repercussão em decorrência da reafirmação do diálogo com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, visando uma aliança eleitoral. Entretanto, este tema importantíssimo, que abordamos aqui em editorial no Esquerda Online, foi acompanhado de elementos programáticos para um suposto novo governo Lula e que merecem atenção da militância da esquerda, e que dizem respeito principalmente aos interesses da classe trabalhadora. São também sobre estes temas que queremos tratar neste texto, a partir de frases de Lula na entrevista. 

 

1 – “O governo tem que dizer onde vai investir” 

O primeiro grande tema tratado por Lula e que baliza qualquer programa de governo da esquerda para o ano que vem é o da política econômica. O neoliberalismo, aplicado desde o golpe parlamentar de 2016, está deixando um rastro de desemprego, fome, miséria e destruição ambiental. O capital financeiro passou a operar o Estado numa verdadeira guerra contra a classe trabalhadora brasileira.  

O Custo Brasil, tão falado pela elite e propalado pela grande mídia, nada mais é do que um projeto de regressão social, no qual a uberização, com os sem direitos, torna-se a regra para os diversos postos de trabalho no país. 

Com Michel Temer, vice da presidenta deposta Dilma Rousseff, tivemos a implementação da Emenda Constitucional 95, que congelou a capacidade de investimento do Estado brasileiro por 20 anos, o chamado teto de gastos. Em contrapartida, o gasto com o pagamento da dívida pública não tem nenhuma trava e em 2020 consumiu 39,08% do Orçamento federal. 

Lula expressou sua contrariedade com o teto dos gastos, defendendo a necessidade do Estado brasileiro ser indutor do desenvolvimento, mas também lembrou que nos governos do PT foi respeitado o superávit fiscal, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Aliás, um dos motivos para Dilma não ter tido a maioria da classe trabalhadora nas ruas em sua defesa é ter iniciado o ajuste fiscal logo após a vitória nas eleições de 2014, praticando uma verdadeira pedalada eleitoral.  

O Brasil de 2023 precisará de um Estado forte para reverter o atraso histórico, que coloque a economia a serviço do povo e assim supere o receituário neoliberal. 

2 – “50% da inflação vem dos preços controlados pelo governo”

A inflação é um dos temas mais importantes na vida das mães e pais de família dos quatro cantos do Brasil. Não é preciso ser especialista em macroeconomia para saber que a inflação é mais cruel com os mais pobres. O ex-presidente apontou corretamente que os preços controlados pelo governo, como combustível e energia elétrica, são responsáveis pela inflação.   

A inflação do feijão, arroz e do gás de cozinha atingem a renda do trabalho como uma verdadeira expropriação, diminuindo o poder de compra e achatando o nível de vida dos trabalhadores. O Estado pode e deve ter um conjunto de políticas que proteja os pobres da insegurança alimentar e da diminuição da renda da classe trabalhadora. 

Em momentos como o que vivemos no país, é urgente o congelamento do preço dos alimentos, da energia elétrica, gás de cozinha e aluguéis, assim como a valorização sistemática do salário mínimo para que se atinja o mínimo estipulado pelo Dieese. E também medidas que possam desenvolver a agricultura familiar para que o campo produza os alimentos básicos para o consumo do povo.     

3 – “Não manteremos essa política de paridade (nos preços da Petrobrás)”

O tema mais importante da entrevista foi sem dúvida a opinião do ex-presidente contra a política de preços estabelecida pela Petrobrás, o PPI (Preço de Paridade de Importação). Essa política equipara o preço dos derivados de petróleo vendidos pela estatal à cotação internacional destes produtos e é a principal responsável pelo aumento sucessivo dos combustíveis no Brasil. 

O aumento nos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha está depreciando a renda do brasileiro. O trabalhador assalariado que abastece o tanque do seu carro com 35 litros com gasolina a R$ 6,70 perde 21% do seu salário. A mãe de família que a partir de dezembro poderá receber até R$ 400,00 do Auxílio Brasil perderá mais de 25% do benefício para comprar o gás de 13kg, que hoje em Porto Alegre custa em média R$ 105.  

Lula foi enfático que em seu governo não existirá PPI e a atual distribuição “alucinada” de dividendos para os acionistas minoritários da Petrobras. É uma questão fundamental pois diz respeito à soberania nacional e o lugar do Brasil na geopolítica internacional. Não é possível responder às necessidades do país subordinando os interesses do povo brasileiro ao imperialismo. 

4 – “Eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições” 

A grande imprensa optou por divulgar o trecho da entrevista de Lula onde ele afirma estar em diálogo com Geraldo Alckmin. Segundo o petista, as tratativas com o ex-tucano estariam acontecendo e dependendo agora do seu destino partidário. Esse não é um tema menor.  

A história recente do país nos ensina que a escolha de um vice-presidente é fundamental, não só pela lealdade política mas também pelo compromisso programático. Não é razoável acreditar que iremos para uma guerra com um alto comandante do nosso exército comprometido com o projeto do exército inimigo. Ou alguém acredita que iremos enfrentar o neoliberalismo com um vice-presidente neoliberal? 

Lula e o PT erram ao apostar que só a composição da chapa é suficiente para ganhar a eleição. A sinalização para um político da direita de São Paulo não ajuda por si só para ampliar a base eleitoral no Estado com maior população do país ou que abrirá diálogo com setores médios da sociedade capturados pelo antipetismo. Estender a mão para os golpistas neoliberais divide as forças de esquerdas.

5 – “O novo é resolver os problemas velhos deste país” 

A luta política pelos destinos do país já começou. Ganhar o povo para ser ativo contra as medidas neoliberais e ao neofascismo é urgente. Por outro lado, é tarefa prioritária a construção de um programa que apresente as medidas estruturais para resolver “os problemas velhos”. 

Lula e as forças de esquerda terão como principal desafio apresentar as reformas que o Brasil precisa e que inevitavelmente se enfrentará com o grande capital. Os ricos terão que pagar imposto progressivo, será preciso realizar a reforma agrária e financiar a agroecologia, respeitar as terras dos povos indígenas e quilombolas, dar fim aos megas projetos extrativistas, criar um novo código de leis que protejam os direitos trabalhistas e o direito a se aposentar, e garantir 10% do PIB para educação e para o SUS.    

Só teremos mudanças com povo mobilizado e exigindo a implementação do seu próprio projeto de nação. Não temos tempo para os velhos erros.