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EDITORIAL

Por uma candidatura Lula sem Alckmin e a direita

Editorial
Reprodução/UOL

Lula e Guilherme Boulos

Diante de toda tragédia provocada pelo atual governo, Lula se converteu na esperança da maioria do povo para derrotar Bolsonaro nas eleições. Os trabalhadores e a juventude olham para o ex-presidente com a expectativa de que sua vitória traga algum alento após tantos anos de destruição e retrocessos. Por isso, o petista figura com números acima dos 40% das intenções de voto no 1o turno, sendo que, em algumas pesquisas, aparece próximo dos 50%.

Bolsonaro, apesar do desgaste crescente do seu governo, ainda preserva uma base de apoio considerável, acima dos 20%. Assim, embora tenha perdido o favoritismo eleitoral, o líder neofascista mantém-se competitivo e conta com o provável apoio da maioria da burguesia e da classe média num eventual segundo turno contra Lula, além de capacidade de mobilização golpista de seus seguidores nas ruas.

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O grande empresariado e a mídia tradicional, por sua vez, atuam para viabilizar um nome da chamada 3a via. Nessa raia da direita concorrem o ex-juiz Sérgio Moro (Podemos), um nome do PSDB (João Dória ou Eduardo Leite), Rodrigo Pacheco (PSD), Mandetta (União Brasil) e Simone Tebet (MDB).

A aposta da classe dominante é a de que algum desses pré-candidatos consiga se viabilizar até o meio do ano que vem, apoiando-se, para tanto, no desgaste de Bolsonaro e também no antipetismo ainda prevalecente na classe média. Porém, mesmo na Faria Lima, todos sabem que o cenário mais provável, dadas as condições políticas atuais, é a confirmação da polarização entre Lula e Bolsonaro em 2022.
Perante esse quadro, consideramos que é fundamental a unidade da esquerda nas eleições. Pois nada é mais importante que derrotar Bolsonaro, que segue sendo uma ameaça real.

Como a maioria do povo vê em Lula o instrumento para vencer o fascista e também a 3a via burguesa nas eleições, avaliamos que é necessário a construção de uma aliança entre todos partidos da esquerda, movimentos sociais, sindicatos, movimento negro, feminista, LGBTQIA+, indígena, ambiental e da cultura em torno da candidatura do ex-presidente.

No atual contexto de perigo neofascista, opinamos que seria um erro o lançamento de uma candidatura própria do PSOL na eleição presidencial, seja ela qual for. Defendemos que o partido de Marielle Franco batalhe pela unidade da esquerda, compreendo o lugar que Lula ocupa na disputa eleitoral contra Bolsonaro e as demais alternativas da direita.

A Frente de Esquerda é fundamental também nas ruas, seja para as lutas pelas demandas mais sentidas pelo povo, seja pela necessidade de demonstrar força diante de eventuais ameaças golpistas contra o processo eleitoral ou seu resultado.

Por uma Frente sem alianças com a direita e com um programa de esquerda

Nas últimas semanas, a imprensa noticiou que existe uma negociação para que Geraldo Alckmin seja o vice de Lula. Ninguém sabe ao certo o quanto de verdade há nisso. Mas o fato é que nenhum dos lados desmentiu a especulação até agora. Tanto Lula como Alckmin deixaram o boato correr, trocando afagos.

Alckmin governou o estado de São Paulo quatro vezes e foi duas vezes candidato do PSDB a presidente. O tucano apoiou o golpe contra Dilma em 2016 e festejou a prisão de Lula pela Lava Jato em 2018. Geraldo é conhecido por ordenar repressões brutais às lutas populares, como foi no caso da desocupação do Pinheirinho em 2012 e nas manifestações de junho de 2013. Sempre governou contra o povo, aplicando um programa neoliberal de privatizações, corte de investimentos sociais e ataques aos direitos dos trabalhadores.

Com todo esse histórico perverso do tucano, por que a direção do PT permite que prospere a notícia de que Alckmin possa vir a ser o vice de Lula?

A especulação em torno da aliança cumpre sobretudo a função de “acalmar” a burguesia. A mensagem que se quer passar é a de que o PT, se novamente chegar ao Palácio do Planalto, buscará governar em aliança com setores da direita e do grande empresariado, administrando o capitalismo brasileiro sem tentar mudanças estruturais, tal como fez ao longo dos seus governos entre 2003 e 2015.

Consideramos essa uma orientação política equivocada que prepara derrotas estratégicas. Em primeiro lugar, porque gestos da esquerda para conquistar a “confiança” da direita não são garantia de nada. Dilma Rousseff, após sua reeleição, colocou um nome do mercado financeiro no comando da Economia (Joaquim Levy) e aplicou um duro plano de ajuste liberal em 2015. Com isso, Dilma perdeu sua base de apoio popular, mas não conseguiu impedir que a classe dominante apoiasse o golpe de 2016. Ou seja, ter Alckmin ou outra figura de direita como vice de Lula não garante que não haverá a tentativa de um novo golpe numa situação de crise política aguda. Ao contrário, o próprio vice será candidatíssimo a ser um novo Temer.

Em segundo lugar, as alianças com a direita levam à renúncia do programa da esquerda. Para ter a “confiança” da burguesia, Lula não poderá assumir o compromisso, por exemplo, de revogar o legado do golpe. A reforma da previdência e a trabalhista, as privatizações, todos ataques democráticos e sociais aplicados no últimos período não devem ser anulados por um novo governo da esquerda? Como atender as demandas do povo trabalhador e oprimido (alimento, emprego, moradia, educação, saúde, direito à vida e cultura) sem romper com os alicerces do neoliberalismo fanaticamente defendido pelo grande capital?  Como combater a fundo o racismo estrutural, que está na raiz das nossas desigualdades sociais abissais, sem enfrentar com profundidade os privilégios seculares da burguesia?

Por esses elementos, acreditamos que uma candidatura de Lula com vice da direita (seja Alckmin ou outro) deixará um eventual governo de esquerda vulnerável a um perigo de golpe da extrema direita, assim com significará o abandono do programa de defesa de mudanças estruturais no país. Do ponto de vista eleitoral, provocará desânimo nas fileiras da esquerda para a campanha. Além disso, com a apresentação de um programa rebaixado para agradar as elites, haverá menor capacidade de gerar entusiasmo na classe trabalhadora com as perspectivas de mudança. Em resumo, as alianças e o programa da candidatura vão definir em boa medida o potencial ou os limites de um eventual novo governo do PT.

Nesse sentido, defendemos que o nome do vice e o programa da candidatura de Lula sejam debatido amplamente pelos partidos partidos da esquerda, os movimentos sociais, o movimento negro, feminista, indígena, LGBTQIA+, ambiental e da cultura. Por exemplo, por que não uma vice de Lula vinda do povo, uma mulher negra ou indígena?

O PSOL, pela sua importância na esquerda brasileira, pode e deve assumir um papel  de destaque nesse processo de discussão política e programática. Uma candidatura de Lula sem alianças com a direita e com um programa de esquerda terá mais força social para vencer a eleição, evitar o questionamento golpista do resultado e governar para mudar o país.