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MUNDO

O Chile às vésperas da eleição presidencial

Corrida presidencial e três votações no Congresso estremecem o país

Raul Devia Ilabaca, do Chile. Tradução: Celia Barbosa

O Chile se move entre sombras e luzes. Neste novembro de 2021, ocorreram votações importantes no Congresso Nacional, a saber:

A primeira, na Câmara de Deputados, definia-se a admissibilidade da acusação constitucional [NT: abertura do processo de impeachment] contra o Presidente da República, Sebastian Piñera, com dois capítulos: primeiro, a improbidade do presidente, e segundo, crimes ambientais. Por conta dos Panamá Papers voltou a aflorar a venda de direitos que o presidente tinha sobre o projeto de mineração chamado “Dominga”, mas foi colocada uma cláusula sobre uma porcentagem do dinheiro da venda celebrado com seu amigo íntimo Carlos Delano, e esse sócio de Piñera comprou dele seus direitos em Dominga, mas colocam uma claúsula relativa a uma porcentagem do dinheiro da venda, que fica sujeita a que o Estado não impeça que esse projeto mineiro seja levado a cabo. Projeto este que deveria ser avaliado no governo de Piñera por seus ministros, para sua aprovação, o que, sem dúvida alguma, afeta a probidade administrativa do presidente. Além do mais, ao se levar a cabo esse projeto, o meio ambiente e a biodiversidade existente no lugar onde o mesmo se daria seriam afetados.

O outro capítulo da Acusação Constitucional se refere a comprometer gravemente a honra da nação e não cabem dúvidas de que, com essas atuações do presidente, priorizando interesses particulares com o objetivo de ganhar dinheiro, ao ocupar um cargo por voto popular como presidente, ele compromete gravemente o país aos olhos do mundo que o observa.

Um ingrediente a mais nessa vergonhosa situação se deu na Câmara de Deputados, onde eram necessários 78 votos para a acusação ser declarada admissível. Como Gabriel Borik, deputado e candidato presidencial, testou positivo para Covid, determinou-se que não poderia estar na votação, e além do mais seu camarada e colega deputado Giorgo Jackson, em quarentena por ter contato estreito com ele, só poderia comparecer na terça-feira 9, sendo que a acusação começou na segunda-feira 8. Outro deputado, Jaime Naranjo, falou durante mais de 15 horas seguidas em sua apresentação da acusação, para dar tempo de ter o voto de Jackson, e assim foram conseguidos os 78 votos necessários para dar seguimento à acusação constitucional.

O Senado da República, que atua como jurado, no dia 16 de novembro rejeitou a Acusação Constitucional, ao não se conseguir os dois terços dos votos − deveriam chegar a 29, mas só foram alcançados 24, de modo que Sebastián Piñera continuará como presidente até o final de seu mandato, em 11 de março de 2022.

A segunda votação ocorreu na terça-feira, 9 de novembro, no Senado, que deveria votar uma quarta retirada dos fundos de provisão que as A.F.P [NT: Previdência chilena] administram, o que já tinha sido aprovado na Câmara de Deputados por ampla maioria. Os senadores, depois de debaterem durante todo o dia, foram à votação e, lamentavelmente para os e as trabalhadoras do Chile, rejeitaram tal projeto. Dos 25 votos necessários apenas 24 foram obtidos, já que a senadora Carolina Goic, da Democracia, o rejeitou. Apesar disso, deverá haver um novo trâmite constitucional, ou seja, juntam-se comissões de ambas as Câmaras para propor ao plenário do Congresso um projeto que possa ser aprovado. Veremos nas próximas semanas se isso irá acontecer.

Por outro lado, o governo havia solicitado ao Congresso a prorrogação do estado de emergência em quatro províncias do Walmapu, zona militarizada onde habita o povo Mapuche, que luta por autonomia política e territorial. Lamentavelmente, ambas as Câmaras aprovaram sua continuidade por mais 15 dias, e assim continuará um processo de conflito com o povo originário, que cada dia tem mais comunidades mapuches em pé e lutando contra o extrativismo capitalista das florestas e para defender seus territórios e sua visão de mundo.

Eleições presidenciais, no dia 21, são impactadas pelas votações do Congresso

Assim, em resumo, três votações, três efeitos diferentes e cada uma afeta as aspirações dos candidatos presidenciais. Por uma parte, a oposição ganha a acusação constitucional na Câmara de Deputados e, apesar de perdê-la no Senado, favorece principalmente Gabriel Boric, candidato do pacto Aprovo Dignidade, da Frente Ampla e do Partido Comunista, e afeta diretamente Sebastián Sichel, por salvar um presidente corrupto e que violou os direitos humanos durante as mobilizações e com a militarizaçao do Walmapu. Perde-se no Senado a quarta retirada e isso afeta diretamente a candidata da Ex-concertação, Yasna Provoste, pois uma militante de seu partido rejeitou essa retirada dos fundos de pensão, apesar de ser sua candidata presidencial que a impulsionava no Senado.

Todo este panorama político de acusações, quarta retirada e militarização do Walmapu têm impacto nas eleições deste domingo, 21, no qual se vislumbra uma competição acirrada entre os que forem para o segundo turno. Há uma polarização entre a esquerda e a direita, com vantagem para o candidato da direita. Segundo pesquisas, Kast, candidato da direita, teria 25% das intenções de votos, contra 19% de Boric, o candidato da esquerda.

José Antonio Kast se encontrou com Jair Bolsonaro em 2018 no Rio de Janeiro. Reprodução / joseantoniokast

José Antonio Kast, um neofascista declarado, admirador de Bolsonaro e Trump, defensor da ditadura de Pinochet, é quem representa na votação a direita mais extrema, que tem saudades da ordem e segurança da ditadura. 

Gabriel Boric, segundo colocado nas pesquisas e o mais provável adversário de Kast no segundo turno, que ocorrerá em 19 de dezembro próximo, representa as lutas dos últimos anos no Chile. Dirigente estudantil em 2001, que surge no Congresso junto a líderes como Camila Vallejos e Karol Cariola, eleitas deputadas em 2014, depois das mobilizações estudantis ocorridas no Chile e que estremeceram o mundo. 

Agora todos, juntos nesse pacto eleitoral pelo governo do Chile, disputando-o com o neofascismo, veem-se em uma apertada luta, mas temos nossas esperanças colocadas nesse pacto para, por uma parte, derrotar o neofascismo e a direita ultraconservadora, e, por outra, ter um governo que, junto à convenção constitucional, defina as bases políticas, econômicas, culturais, dentro de uma perspectiva feminista e ecossocialista para as grandes transformações que os povos que habitam o território do Chile necessitam, para enterrar definitivamente o neoliberalismo e viver com dignidade para todos, todas e todes.

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