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Imunizar crianças é uma necessidade urgente

Marcelo Camargo / Agência Brasil

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Na última sexta-feira (29/10), a agência regulação dos Estados Unidos FDA (Food and Drug Administration) emitiu autorização para o uso emergencial da vacina Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, corroborando os dados de segurança e efetividade. Naquele país, apesar de milhões de doses excedentes disponíveis, apenas 58% da população está imunizada, e outros 9% tomaram a primeira dose. Pior ainda, em diversos estados sulistas, a imunização não chegou sequer a 50%, e estes estados, sob forte impacto do negacionismo e do movimento antivacina, concentram o maior número de mortes e os mais altos níveis de ingestão de invermectina.

Mas a necessidade de ampliar a imunização incorporando as crianças não é exclusiva dos Estados Unidos. A maior transmissibilidade da variante delta, e ainda mais, da recente delta plus frustraram as expectativas de uma estabilização por imunidade coletiva em patamares próximos a 70%, e indicam que mesmo com 90% ainda permanecerá a circulação do vírus, ainda que em escala muito mais reduzida. Desta forma, coloca-se a questão: qual seria um parâmetro realista que permita considerar a pandemia sob controle, considerando que sua erradicação parece muito distante depois de tantos equívocos mundiais?

Portugal oferece um parâmetro. É um dos três países do mundo com maior taxa de imunização, ao lado de Emirados Árabe Unidos (um país rico e com perfil populacional muito peculiar, com ampla maioria de estrangeiros jovens adultos)  e Cuba (país com um sistema de saúde pública extraordinário e que desenvolveu ao menos duas vacinas efetivas, sem considerar as que estão em teste).

Em 2020, a gestão da pandemia em Portugal foi permeada por graves equívocos, em especial quando considerou ter a situação sob controle e permitiu a retomada precoce das aulas presenciais. Em consequência, enfrentou uma onda devastadora no início de 2021, com mais de 300 mortes diárias. Considere-se que é um país com população 20 vezes menor que a brasileira, portanto isto corresponderia a 6.000 mortes diárias no Brasil – o dobro do que tivemos em maio. Ainda assim, e mesmo tendo uma população muito mais idosa, acumula um índice de mortes por milhão (1.780) bem menor que o brasileiro (2.833), o que é resultado de uma vacinação acelerada, combinada à manutenção de medidas efetivas de contenção até que a imunização atingisse indicadores expressivos.

Portugal teve nos últimos 7 dias um total de 27 óbitos – uma média inferior a 4 por dia. Seria, proporcionalmente, como se o Brasil tivesse 80 mortes diárias, ou pouco mais de 500 por semana. Muito distante desta marca, o Brasil registrou 2.237 óbitos nos ~últimos 7 dias, e pior, segue com um ritmo de redução muito lento, tendo passado de 2.323 na Semana Epidemiológica 41 para 2.305 na semana seguinte e 2.237 nesta última, uma redução de menos de 4% em duas semanas.

Hoje, Portugal tem hoje 87,2% da população imunizada com duas doses, enquanto o Brasil tem 55,2%. É verdade que mesmo com este patamar ainda se registram novos casos em Portugal – a atual média é de 765 casos diários, mantendo-se alta taxa de testagem. Isto parece indicar que mesmo atingindo 90% não será suficiente para interromper totalmente a circulação, mas sim para uma diminuição muito expressiva.

Ocorre que exatamente o fatos que configurou para Portugal uma grande desvantagem no decorrer da pandemia – contar uma população com um perfil etário mais idoso e com proporcionalmente menos crianças e jovens – foi o que tornou possível que o país chegasse no limiar dos 90% vacinando apenas adultos e adolescentes: enquanto Portugal tem 8% da população com menos de 10 anos, o Brasil tem 15% nesta faixa etária. Portanto, o Brasil só conseguirá atingirá um nível expressivo de imunização vacinando a população na faixa de 5 a 11 anos. Por isto este é hoje um embate fundamental, e é por esta razão que o governo Bolsonaro e sua política negacionista estão dispostos a impedir que a vacinação de crianças se efetive, como já manifestou publicamente em diversas ocasiões. Ainda que 100% da população adulta e dos adolescentes vacinassem , para chegarmos aos 90% precisaríamos ampliar a vacinação para todos acima de 7 anos. Se 5% da população adulta recusar a vacinação, só atingiremos os 87% que Portugal já atingiu quando tivermos levado a vacinação à faixa dos 5 anos.

A perspectiva para os próximos 60 a 90 dias no Brasil é de elevação do percentual de vacinados, considerando que temos 19% da população com uma dose. Assim, se neste prazo todos tomarem a segunda doses, chegamos a 74%. Claramente, não é suficiente. Ainda que em um primeiro olhar a diferença entre 74% e 87% pareça não ser tão grande, é uma falsa impressão, pois no primeiro caso o percentual de não imunizados, ainda é o dobro: 26% frente a 13%. Não será suficiente, e por isto não podemos para parar por aí.

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covid-19 / vacina