Parlamentarismo, burocratismo, reformismo, taticismo, personalismo, pragmatismo, oportunismo, sectarismo, pós-modernismo, identitarismo, empirismo, onguismo, representativismo e tantos ismos mais quisermos: contando com as “vantagens do atraso”, o PSOL coaduna os mais arcaicos e contemporâneos vícios e defeitos do histórico movimento da classe trabalhadora – e a própria rejeição cada vez maior do léxico classista não é senão uma das facetas ultramodernas (“pós-modernas”) desse desenvolvimento desigual e combinado de um partido nascido e criado sob um período de profunda derrota dos explorados.
Amálgama de mandatos, aparatos protoburocráticos, quadros, ativistas e correntes políticas de esquerda, o PSOL é um partido com inúmeros problemas, não obstante pareça ser, por ora, o melhor lugar a partir do qual os marxistas possam lutar por suas posições, intervir na conjuntura, obter alguma audiência junto aos setores mais organizados entre os trabalhadores e acumular forças para quando se abrir, de fato, uma nova etapa da reorganização da esquerda brasileira. Não indo muito além de uma espécie de federação parlamentar-eleitoral, o partido é internamente tomado, na prática, mais por disputas em torno da reprodução dos mandatos e aparatos do que propriamente por debates programáticos, ainda que as primeiras assumam, muitas vezes, a forma dos segundos, e ainda que alguns setores, de fato, se preocupem prioritária e sinceramente com estes últimos. O eleitoralismo grassa e – novamente, salvo alguns poucos setores – as forças e figuras centrais submetem todos os discursos, concepções e “estratégias” ao mero cálculo eleitoral; para muitos aparatos, mandatos e aspirantes a obtê-los, todas as questões de alianças, princípios e “identidades”, apesar de apresentadas ideologicamente – tanto no sentido usual quanto no marxiano -, são inevitavelmente banhadas nas “águas gélidas do quociente eleitoral”. Em resumo: tanto aparatos se valem de discursos e candidaturas identitárias para seus fins de reprodução eleitoral, quanto identitaristas e afins podem rapidamente deixar suas concepções num canto e apoiar a prioridade de recursos a um “puxador de votos” de tipo “macho-branco-cis” desde que isso lhes rendam êxitos eleitorais. Tudo, claro, sempre pode ser explicado em termos de “tática”, o que não é senão uma forma de esconder que a estratégia subjacente não vai além de uma mera soma de voláteis e pragmáticas táticas eleitorais a cada dois anos.
Assim sendo, não é de se estranhar que, quando veem seus caminhos eleitorais dificultados pelos arranjos táticos internos do momento, certas figuras deixem o partido e se aproximem de outro, de modo a terem neste mais chances de êxito nas urnas. Tudo certo, ou ao menos tudo certo dentro da lógica errada que vigora na esquerda majoritária atual – que ainda acha que o bolsonarismo pode ser varrido apenas e só pelas urnas. Ocorre que, ainda que não queiram falar a verdade propriamente dita, ainda que não queiram revelar o sentido último de suas rupturas, algumas dessas figuras poderiam ao menos lançar mão de qualquer um dos inúmeros defeitos do partido em suas justificativas de debandada, pois, como vimos, o cardápio é amplo e variegado. Não precisariam, assim, alegar falsos problemas e falsas questões. Alguns dos identitaristas que esses dias deixaram o PSOL poderiam, portanto, até dizer que a questão das identidades – como, aliás, todas as outras – é oportunisticamente usada para fins eleitorais no partido, mas não dizer que tal questão é menosprezada e “invisibilizada”, sobretudo em termos de destinação de verbas e tempo de rádio e TV, simplesmente porque não é verdade. Mas por que cobrar a verdade de figuras cujas concepções teóricas cada vez se confrontam mais com o marxismo e com a própria noção de verdade? Talvez, assim, seja então querer demais que eles simplesmente dissessem que, avaliando a conjuntura, decidiram que agora um tango lulista lhes cai bem melhor do que um blues socialista, para parafrasearmos aqui uma canção composta em tempos de profunda derrota por um tal de Belchior.
Por fim, talvez se possa dizer que a saída de tais identitários do partido, sobretudo os ligados a think tanks do grande capital e financiados por ex-ministros neoliberais e banqueiros com talentos fílmicos, não seja em si um problema. O que, de fato, é mesmo problemático é que, mesmo saindo, os identitários deixaram lá suas sementes, algumas delas já bem crescidas mesmo nos jardins das correntes marxistas, as quais, todas elas, por oportunismo, receio, movimentismo, facilismo, taticismo, lassidão, secundarização programática, aversão aos estudos e outros motivos mais, se furtaram a catá-las e jogá-las do outro lado do muro – de onde, aliás, vieram.
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