Uma vez mercantilizada a saúde, ou se quisermos, a vida, a mercantilização da morte é inescapável. Se o ser já contém em si o – e mesmo se define pela negação do – não-ser, se a vida só é viva porquanto se caminha desde o nascimento para a morte, o capitalismo haveria de, sem pejos, encontrar uma equivalência que fizesse a primeira e a segunda serem abstratamente quantificadas, mensuradas e, finalmente, cambiáveis entre si.
A lei do valor é implacável, e tanto o parto quanto o óbito são negociáveis. “Da prostituta ao rei”, todos eles, os de cima, são fiéis à mesma lei. O obstetra que força uma cesariana para poder fazer assim três partos no tempo de um, normal, opera, sabendo ou não, pela mesma lógica, a do capital, e a divisa de que “óbito também é alta” é apenas a sua expressão mais impudente e radical.
“Tudo o que está encoberto será revelado”, consta nas escrituras, e hoje a revelação na CPI do Senado disse muito sobre o valor da vida – e da morte – num país degradado e desumanizado. A economia política da UTI hoje exibida é apenas o momento mórbido da economia política de uma vida já totalmente mercantilizada. Um plano de saúde que aumenta a mensalidade de acordo com o avançar da idade do paciente, ou ainda em função de suas comorbidades ou doenças pré-existentes, não se difere, a rigor, em nada daquele plano de saúde que deixa morrer para enriquecer. Ambos transformaram o ser e o nada em nada mais do que lucro, e quanto mais próximo esse ser estiver do nada, mais custoso e prejudicial ele se torna para aqueles que não se movem por nada além de capital.
O neofascismo bolsonarista é a verdade revelada do nosso empreendedor capitalista, e um médico genocida está para o neoliberal de agora assim como um oficial da SS esteve para um banqueiro alemão de outrora. Contra ou a favor da vacina, apoiadores de Bolsonaro ou ávidos por uma terceira via, são todos igualmente responsáveis pela nossa agonia.
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