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Sete notas sobre o congresso do PSOL

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

  Del senno di poi son piene le fosse.
  Da sabedoria do depois as valas estão cheias.
  Sabedoria popular italiana
  Deixa o teu coração seguir à tua frente e procura alcançá-lo
  Se vires as presas do leão, não penses que o leão está sorrindo.
  Sabedoria popular árabe
 

1. Dramatização, não ajuda. O Congresso do PSol de 2021, neste último fim de semana de setembro, deve confirmar a estratégia política do partido, o que não é o mesmo que definir a tática eleitoral presidencial de 2022. A estratégia tem sido a luta pela Frente Única de Esquerda para derrotar Bolsonaro, em polêmica com a estratégia quietista da Frente Ampla “até doer”, que era expressa no PSol por Marcelo Freixo, e a estratégia da ofensiva permanente até à greve geral. A linha da Frente Única se desdobrou na denúncia do golpe institucional, na campanha Fora Temer, na integração na campanha Lula Livre, na iniciativa Vamos para ampliar a discussão de um programa, na formação da Aliança com o MTST e lançamento de Boulos à presidência em 2018 e, mais importante, na valorização da unidade com o PT na campanha Fora Bolsonaro, que permitiu, desde maio, a realização dos Atos que mudaram a conjuntura. Esta estratégia foi um reposicionamento necessário diante de uma situação defensiva, após o impeachment, depois de doze anos na oposição de esquerda aos governos de coalizão liderados pelo PT. Este giro não foi feito sem ásperas polêmicas que ressurgem diante de cada novo fato importante na conjuntura. Mas os excessos, exageros, a “dramatização” das diferenças não ajuda. Análises catastrofistas sobre o futuro do PSol são falsas e, portanto, desonestas. O PSol, ainda um partido minoritário na esquerda, nunca foi tão forte. Decidirá, em 2022, as táticas para 2022. Qual deve ser o lugar do PSol? Ser útil na luta contra Bolsonaro e na reorganização da esquerda, disputando influência de massas. Não há qualquer projeto de atrelar o PSol ao PT. As acusações de “projeto subordinado ao PT” são a criação de um espantalho para incautos.

2. Boulos governador. Por quê? Esta é uma das decisões centrais do Congresso do PSol de São Paulo. A esquerda brasileira está diante de um desafio imenso, enorme, gigantesco: a tarefa de derrotar Bolsonaro. Ainda há tempo de tentar abrir o caminho para o impeachment até o fim de 2021. Por isso a militância de todas as lutas, bandeiras e correntes deve se concentrar na preparação dos Atos do dia 2 de outubro. Temos menos de duas semanas pela frente. Mas, se Bolsonaro não for afastado este ano será candidato à reeleição em 2022. Não podemos deixar de considerar um plano B. A maior vitória da esquerda brasileira, desde o impeachment, foi a formação da Frente Única nas ruas, mas ela está ameaçada nas eleições. São dois terrenos distintos, mas é bom ter juízo, porque Bolsonaro tem como projeto golpista esmagar a esquerda. Há dois obstáculos no horizonte. A insistência de um campo majoritário no PT de apresentar Fernando Haddad a governador em São Paulo contra Boulos, e a insistência de um campo minoritário no PSol de apresentar um candidato próprio à presidência concorrendo com Lula, apesar da ameaça Bolsonaro. Entre estes dois perigos o primeiro é o maior. Porque o PT não deveria ignorar que não é razoável o PSol renunciar a uma candidatura á presidência, sem um gesto de compensação. A maioria da direção do PT subestimou o PSol nas eleições para a prefeitura de São Paulo em 2020. Boulos conquistou um lugar no segundo turno. Não deveria cometer duas vezes seguidas o mesmo erro. A promessa de apoio para as eleições municipais em 2024 é um gesto amigável, mas não é razoável. Ninguém sabe que país será o Brasil em 2024, se Bolsonaro não for derrotado. Podemos estar no exílio, por exemplo. A tática de apresentação da candidatura de Boulos para o governo de São Paulo é uma decisão legítima e inteligente, considerando a taxa de rejeição do PT.

 3. A estratégia de Bolsonaro é golpista. O discurso desvairado, delirante, alucinado de Bolsonaro na ONU foi claro. Nem as diferenças com o PT, nem as pesquisas de opinião devem ser a bússola da esquerda marxista. Há uma perigosa mania “profética” entre nós. Marxismo é ciência na análise, mas uma arte na política, porque se trata da disputa da consciência de milhões. O objetivo de organizações revolucionárias não é ter razão em abstrato, mas vencer na luta de classes. Quem deseja ter razão em abstrato deve desistir da luta pelo poder, e concorrer ao prêmio Nobel. Nossa tática eleitoral não pode repousar na nossa vontade, nem nos resultados de pesquisas de momento, mas na avaliação da relação social e política de forças. O centro deve ser um posicionamento lúcido na luta contra Bolsonaro, e tudo o mais é irrelevante. Se Bolsonaro não for derrotado em 2021, ou seja, se de hoje até dezembro as mobilizações não abrirem o caminho do impeachment, Bolsonaro será candidato à reeleição. Mas, ao mesmo tempo, é uma leviandade considerar Bolsonaro somente como uma expressão folclórica de um neofascismo “eleitoral”, e diminuir os riscos da estratégia golpista a uma sucessão de blefes e ultimatos fakes. Infelizmente, subestimar Bolsonaro pode ser fatal. Esta tensão antecipará para o primeiro turno as votações por voto “útil” do segundo turno. O voto “útil” é um cálculo de redução de danos em defesa de interesses de classe.

4. O perigo de uma derrota histórica. Uma análise lúcida da situação política de 2021 sugere que as eleições gerais de 2022 serão diferentes de tudo o que a esquerda brasileira viveu nos últimos quarenta anos. A questão decisiva é que há um governo de extrema-direita liderado por uma corrente neofascista que está em conflito com o regime democrático-liberal e em choque com as instituições. Sua estratégia é impor uma derrota histórica aos movimentos sociais: à classe trabalhadora e os sindicatos, à luta feminista, negra e LGBTI’s, aos indígenas e aos movimentos pela moradia e reforma agrária, aos ambientalistas e à juventude estudantil, à esquerda de conjunto. A eleição presidencial, ainda que simultânea às estaduais será, qualitativamente, diferente da disputa da eleição para governadores, é bom saber. Será distinta porque o que estará em jogo é algo muito mais grave do que a alternância de governo. Bolsonaro é um perigo bonapartista incompatível com o regime democrático-liberal.

5. Três lições simples. A experiência de massas com o lulismo permanece incompleta. É certo que há desigualdades regionais, geracionais e sociais. Mas a hipótese mais provável é que a candidatura de Lula vai ocupar todo o espaço político da oposição de esquerda como um arrastão incontível. Todo é tudo, porque é a única que oferece viabilidade de derrotar Bolsonaro. Quem imagina que há um espaço eleitoral à esquerda para a afirmação do PSol em uma linha “nem Bolsonaro, nem Lula”, mimetizando pela extrema-esquerda o discurso de Ciro Gomes, não aprendeu as lições mais essenciais dos últimos cinco anos. Elas são três e muito simples: (a) a situação ainda é defensiva, não foi revertida, porque viemos de derrotas duras; (b) não é possível derrotar Bolsonaro sem o PT, as organizações e as massas trabalhadoras e jovens sob influência lulista; (c) diante de um inimigo que quer nos esmagar a todos, a unidade da esquerda é uma necessidade, não uma armadilha.

6. Firmeza estratégica, flexibilidade tática. Não deixa de ser estranho que o bloco de oposição interna que insiste em se autodefinir, adoravelmente, como “os mais anticapitalistas” prefere reduzir as polêmicas de estratégia à definição da tática eleitoral, esquecendo que: (a) táticas eleitorais não se definem com um ano de antecedência; (b) se uma tática é sempre a mesma, não é mais uma tática, mas uma estratégia permanente; (c) a tática deve repousar na investigação objetiva da relação social e política de forças. Este estudo é somente um cálculo. Mas cálculos são hipóteses, um estudo de probabilidades, e elas mudam. Quem se apaixona pelas hipóteses vai errar. E se Bolsonaro for derrotado, e não puder ser candidato? Não é necessário definir, em 2021, a apresentação de uma candidatura à presidência ou qual deve ser a tática em 2023, se Lula vencer as eleições em 2022. Não há qualquer relação entre um possível chamado ao voto em Lula no primeiro turno e a participação em governo de centro-esquerda em coalizão com partidos burgueses. O PSol pode convocar o voto no PT e, eventualmente, não assinar o programa que venha a ser definido pelo PT. A votação, por antecipação, responde somente à necessidade fracional de delimitação para incendiar desconfianças. Cálculos sérios são indispensáveis para medir os riscos e perigos e, em consequência, fazer escolhas, não as nossas preferências, desejos ou vontades. Ninguém na esquerda socialista encara a hipótese de fazer campanha para Lula, depois do que vivemos entre 2003 e 2016, sem um gosto amargo na boca. A história foi cruel. Às vezes, temos que escolher uma tática “ruim”, dentro dos princípios, porque as outras opções são horríveis.

7. O perigo do abismo. O lançamento de uma candidatura própria do PSol, desde agora, desconsidera que Bolsonaro não está derrotado por antecipação, porque pontua menos que Lula, e subestima o imenso pavor no povo de esquerda de que se perpetue no poder. Pesquisas de opinião são uma informação importante, mas não são o único indicador a ser avaliado quando buscamos aferir a relação política de forças. São incontáveis os processos eleitorais em que candidaturas que estavam muito atrás, menos de seis meses antes da data das eleições, conseguiram vencê-las. Existem ainda muitos imponderáveis no horizonte. Se uma candidatura de terceira via não se constituir, com um mínimo de consistência, é razoável prever que uma parcela da burguesia insatisfeita com o papel de Bolsonaro na gestão da pandemia se reaproxime. Bolsonaro já demonstrou que mantém uma maioria nas camadas médias, e procura ampliar sua audiência entre o povo pobre das cidades e interiores com o Auxílio Brasil. Uma candidatura própria sinaliza, de partida, uma equidistância dos dois principais candidatos, mesmo que se façam todos os esforços para centrar a luta contra Bolsonaro durante a campanha. Mas se não fizer diferenciação programática criticando Lula, qual é o sentido de ter um candidato próprio? Essa tática eleitoral envolve o risco de caminhar na beira do abismo. Uma candidatura invisível, testemunhal, estéril do PSol não fortalecerá a esquerda socialista, ao contrário, a desmoralizará pelo divisionismo diante de um inimigo, percebido pelo setor mais avançado das massa populares e da juventude, com razão, como aterrador. Se o PSol se posicionar na campanha criticamente a Lula, em função do balanço dos erros dos governos do PT de uma década atrás, poderá ser, irremediavelmente, punido nas eleições para deputados, ameaçando até a passagem da cláusula de barreira, o que seria fatal.

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