O presidente do Brasil mentiu sobre o meio ambiente, sobre o auxílio emergencial e a pandemia, defendeu o tratamento precoce contra a covid-19 e agitou novamente o fantasma de que o Brasil estaria sob ameaça do socialismo, em um discurso voltado para a sua base social, chocando-se com a reunião, pautada pela pandemia. “Essa foi, provavelmente, a maior sequência de mentiras em um discurso presidencial na ONU”, afirmou Guilherme Boulos, em entrevista à Folha de S. Paulo. Até mesmo a corrupção foi alvo de suas mentiras, ao dizer que o Brasil estava “há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”, ignorando casos ultrajantes, como o da propina de 1 dólar na compra de cada vacina.
Imediatamente, as redes sociais foram pautadas pelo discurso, com reações às mentiras e a vergonha internacional. No Twitter, 78% dos comentários foram contrários (azul) ao discurso do presidente, contra 22% favoráveis (laranja), como mostra o gráfico abaixo, divulgado por Pedro Barciela, do blog Essa tal rede social.
No entanto, para o especialista em internet e redes sociais, a lavada que o bolsonarismo tomou nas redes parece não importar tanto. “Aqui vale destacar: me parece que o objetivo do bolsonarismo sempre foi MUDAR a pauta e não dominar o debate”, escreveu Barciela. Segundo ele, o alcance de um debate sobre o discurso na ONU é menor do que teriam debates sobre os escândalos recentes de seu governo ou sobre a inflação. E, por isso, a escolha do discurso, curto, agressivo e provocativo. “Ele foi para os EUA para tentar sair da defensiva. E conseguiu”, afirma.
“Debater a “pizza em NY” é muito melhor para o bolsonarismo do que cobaias humanas da Prevent Senior. Ele sabe que debater se ele “vacinou ou não” é melhor do que corrupção na compra das vacinas. Assim, se Bolsonaro não amplia sua base com esse discurso, ele sabe que ao menos a-) mantém sua base coesa e; b-) muda o debate para uma pauta que dificilmente extrapola a polarização nas redes sociais”, prossegue Barciela.
O discurso ocorre na véspera do depoimento do representante da Prevent Senior na CPI da Covid, no qual terá que explicar o experimento realizado em pacientes e a ocultação de óbitos durante um “estudo” sobre o tratamento precoce. Estudo que teria sido feito em acordo com o Ministério da Saúde, revelando o caráter genocida deste governo na pandemia, que se aproxima da marca de 600 mil mortes. A pandemia, a crise social e a inflação são temas que o governo quer ver longe, e que explicam a reprovação do presidente em todas as pesquisas.
Com o discurso, Bolsonaro acenou para a sua base social, em crise com o recuo após os atos do 7 de Setembro, e ao mesmo tempo, alterou a pauta política do país. No entanto, essa mudança pode ser apenas momentânea, podendo retornar com o depoimento desta quarta-feira, 22, na CPI. Por outro lado, as mentiras do discurso também serviram para causar mais indignação entre os ativistas e todos os que resistem ao seu governo e ampliar a reprovação ao seu governo. E isso, certamente, terá impacto na disposição das pessoas para comparecer às ruas no dia 02 de outubro, nos atos no Brasil e em todo o mundo, exigindo o Fora Bolsonaro. Se há uma coisa que o discurso na ONU demonstrou, para qualquer um que não faça parte de sua realidade alternativa, é que não há mais condições para que esse governo continue.
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