Pular para o conteúdo
BRASIL

A Campanha Fora Bolsonaro precisa avançar para a construção de um projeto popular de poder para o país

Evandro Castagna*, de Curitiba, PR
Esquerda Online

A esquerda brasileira não pode cair na mentira do “recuo relativo” de Bolsonaro, com conivência do “centrão” (Michel Temer), no estilo “me engana que eu gosto“. Bolsonaro não está “na corda bamba”, “quase morto” ou “derretendo”, como setores da esquerda vem afirmando há algum tempo. No dia 07 de setembro ele mostrou os dentes, demonstrou força ao alto comando das FFAA e ao imperialismo dos EUA. Ninguém acredita realmente que vá recuar, nem mesmo o “centrão”. 

Há mais de 170 anos que a democracia liberal, em certas circunstâncias históricas, tornou-se um problema para a burguesia. Se tiver força suficiente, ela não hesitará em desmoralizar seus parlamentares, partidos e instituições (“18 Brumário, de Louis Bonaparte”, K. Marx). O fascismo sempre foi uma “carta na manga” (ou um “cão de guarda”) da burguesia  para utilizá-la conforme seus interesses de classe. Para estes senhores, o golpe de 2016 foi só o começo. 

Essa situação se complica ainda mais nos países periféricos do capitalismo, devido a relação de submissão ao imperialismo que se desenvolve em economias rentistas, extrativistas e agroexportadoras, como no Brasil. Não foram poucas as vezes na história em que democratas burgueses dos países centrais, impulsionaram ditaduras sangrentas na periferia. Bolsonaro preza mais pela bandeira do imperialismo do que pela nacional. Foi simbólica sua continência à bandeira dos EUA.

Através da manutenção de Bolsonaro no governo, a burguesia faz questão de manter sua própria democracia (STF e Congresso Nacional) “com a faca no pescoço”. A movimentação de Michel Temer demonstra, não a derrota de Bolsonaro, mas a fraqueza do Congresso Nacional e do STF, deixando nítido que uma parte da burguesia, apesar de tudo, considera interessante a permanência de Bolsonaro até o fim do mandato. Mais uma vez ela opta por desmoralizar suas instituições, passando por cima da própria Constituição.

Diferente da França de 1851 (18 Brumário), o proletariado de hoje possui 150 anos de tradição de luta e organização. De lá pra cá, construiu seus sindicatos, centrais e movimentos sociais que podem, a partir da construção de uma frente única de luta, colocar um freio no golpismo da extrema direita. É preciso transformar maioria social em força política, em movimento de massas. É necessário ultrapassar as centenas de milhares e atingir unidades de milhões nas ruas. 

A construção da Campanha Fora Bolsonaro foi um acerto gigantesco

A construção da Campanha Fora Bolsonaro expressa uma enorme vitória conjuntural dos trabalhadores do Brasil, pois permitiu o desenvolvimento de comitês unificados de lutas em todas as capitais e principais cidades do país, que funcionam como um marco de contenção ao bolsonarismo. 

Esses comitês (fóruns ou frentes), reúnem sindicatos, centrais, movimentos populares de jovens, mulheres, negras e negros, LGBTQIA+ e partidos políticos que tem influência nas organizações dos trabalhadores. Eles garantem a aplicação do calendário de lutas da Campanha Fora Bolsonaro de maneira unificada, em um país de dimensões continentais, como o Brasil. 

Essa experiência de atuação em frente única precisa se fortalecer e expandir ainda mais para as cidades do interior do país. É preciso impulsionar, nas microregiões, no interior dos estados, a construção de comitês onde eles ainda não existem, unindo para isso, se necessário, várias cidades menores.

A Campanha Fora Bolsonaro já construiu cinco atos vitoriosos em centenas de cidades, acertou em não ir no ato do dia 12, como acertou também em afinar a tática e dar um caráter de unidade de ação democrática para o próximo ato do dia 02 de outubro, abrindo para a construção e participação de todos os setores que defendam o impeachment, como a “direita arrependida”, mesmo sabendo de seu programa neoliberal e de sua pequena capacidade de mobilização. Para derrubar Bolsonaro a esquerda precisa de maioria social e no parlamento. A divisão no andar de cima é importante e precisa ser impulsionada.

Os fracassados atos da “terceira via” de direita acendem dois sinais de alerta à esquerda (o sectarismo e a conciliação de classes), e aponta para uma saída politica marxista

Nos atos do dia 12, as ruas refletiram o pequenino espaço reservado à política do “nem Bolsonaro, nem Lula” na massa, o que as pesquisas de opinião do eleitorado para 2022 já indicavam,. Há razões para afirmar que o setor social que mais se aproxima da política do “nem, nem” é hegemonicamente de direita, o que revela quão sectária e aventureira seria a construção de uma “terceira via” de esquerda. Uma candidatura de Glauber Braga (PSOL), como quer o MES de Luciana Genro, disputaria uma franja minoritária desse movimento de massas, que já é ultraminoritário. Evitar o sectarismo, esse é o primeiro sinal de alerta.

O fracasso da “terceira via” demonstra o quanto acertada é a política da direção majoritária do PSOL, de chamar a construção de uma Frente de Esquerda para disputar o poder nas próximas eleições. Essa construção só será pujante se alicerçada nas centenas de comitês unificados, impulsionados pela Campanha Fora Bolsonaro pelo país, estabelecendo um diálogo honesto como este vitorioso movimento de massas.

Tanto Bolsonaro, quanto Lula, saem fortalecidos depois das manifestações do dia 12. A fraqueza da “terceira via” pode aumentar a pressão sobre a direção nacional do PT pra incorporar parte desta “direita arrependida” em uma coligação policlassista para as eleições de 2022, apresentando Lula como uma saída moderada e consensuada de poder. Como também, é bem possível que setores mais à direita (da “direita arrependida”), tapem o nariz e se reaproximem de Bolsonaro, seja para 2022, seja para uma aventura golpista. Podem ocorrer reviravoltas no PSDB, por exemplo. Dória pode perder espaço para Aécio Neves. 

Lula e o PT não podem incorrer nos mesmos erros políticos do passado. A conciliação com a direita golpista é o segundo sinal de alerta que se acende à esquerda. A “direita arrependida” em sua totalidade – junto com Bolsonaro e a maioria do Congresso Nacional – está do outro lado da trincheira, atirando contra a nossa classe. Todos eles aplicam as privatizações, atacam os serviços públicos, meio ambiente, empregos, direitos e salários. Por isso, a política de unidade de ação democrática nas ruas com os neoliberais, embora correta, precisa ter um caráter episódico, com um único ponto de unidade: o impeachment.

A Campanha Fora Bolsonaro, ao contrário, precisa se manter coesa e independente da “direita arrependida”. Deve seguir realizando seus próprios atos, com suas pautas e palavras de ordem. Ela também precisa superar, paleativamente, seu caráter de frente única para lutar nas ruas, e assumir cada vez mais sua natureza política, apontando para a construção de um projeto de poder para o país que unifique a esquerda, e que seja distinto e separado da direita golpista de 2016 e arrependida de ter apoiado Bolsonaro em 2018. O melhor nome para encabeçar esta unidade é o de Lula, com uma vice indicada pelos movimentos populares.

Lula precisa cumprir um papel mais ativo na luta de classes

Existe receio em alguns ativistas de esquerda, de que seria perigoso para Lula convocar os atos, que poderiam acontecer retaliações por parte da justiça para impedi-lo de participar das eleições. Optam, a partir dessa caracterização, preservar Lula para 2022, mantendo-o longe das manifestações de rua.

Entendemos que recuar na política não protegerá Lula. Com Bolsonaro no poder não temos garantia alguma de que o processo eleitoral de 2022 acontecerá e que seu resultado será respeitado. O que a esquerda precisa temer são as ameaças golpistas de Bolsonaro. Exatamente por isso, que os partidos de esquerda e suas figuras públicas precisam hierarquizar a política pela derrubada imediata desse governo. Hoje por hoje, a defesa da democracia em nosso país está condicionada à nossa capacidade de tirar Bolsonaro do poder. 

As manifestações construídas até aqui, através da Campanha Fora Bolsonaro, foram pacíficas, em defesa do impeachment, da democracia, incorporando a pauta dos sindicatos e movimentos sociais. Precisamos seguir e fortalecer esse caminho. 

O ex-presidente Lula, pelo seu peso junto ao povo brasileiro, precisa convocar e ir aos próximos atos. Uma posição categórica de Lula pode impulsionar ainda mais a população para se movimentar. Lula lidera todas as pesquisas, é uma figura pública que certamente tem condições de cumprir um papel importante para, como dito antes, transformar a maioria social que temos, em força política, em movimento de massas.

*Militante da Resistência/PSOL

Marcado como:
Fora Bolsonaro