Por qual motivo o presidente Bolsonaro não é removido do poder? Responder essa questão com fórmulas prontas, tais como “A burguesia não quer removê-lo” é uma simplificação que contribui apenas para edificar uma visão maniqueísta, vulgar e, em certa medida, cartunesca da nossa sociedade.
Apesar do seu amplo poder econômico, oriundo da brutal concentração de renda no país, a burguesia brasileira não deixa de ser um segmento social dividido em facções políticas relativamente minoritárias, tal como suas contrapartes no sistema interestatal capitalista. A grande burguesia não vai às ruas com a camisa do Brasil ou outras roupas compradas no cartão em lojas de departamento, ela não sobe em palanques e chora ao ouvir frases de efeito de um pastor qualquer na boca de um político de parca habilidade retórica como é o caso do atual presidente e tampouco, principalmente porque pode terceirizar esse serviço, assumirá a liderança militante em qualquer movimento político. Em termos simples, as elites sociais do Brasil gerenciam o processo político, elas não o administram diretamente. É nesse fato social que reside a base política para o problema histórico do impeachment, assim como a explicação para um dos fatores contributivos à permanência de Bolsonaro no poder.
Colocar a questão do impeachment como horizonte final do governo Bolsonaro, é novamente suspender a legitimidade política do regime republicano e isso, mesmo que não seja um problema ético para as elites, se torna um entrave político à estabilidade de sua dominação sobre o corpo social. Como gerenciar a saída de Bolsonaro do poder? Essa é uma questão, para nossas elites, tão difícil quanto gerenciá-lo enquanto presidente da república.
Se observarmos o caso da ex-presidenta Rousseff em 2016, poderemos verificar que muito embora amplos setores das elites sociais brasileiras tenham ratificado e financiado a campanha golpista, o protagonismo desse processo pode ser documentalmente verificado como ação protagonizada pela burocracia, intelligentsia e os partidos, subservientes aos interesses econômicos das elites, instalados no aparato estatal. Obviamente, observadores mais apaixonados podem inferir que o “comitê executivo da classe dominante” jamais teria elaborado o grande acordo “com o supremo, com tudo” sem o aval do seu patronato. Todavia essa especulação, teoricamente ajustada e provavelmente concisa, carece hoje, do ponto de vista histórico, de materialidade capaz de conferir pertinência científica aos indícios de um suposto protagonismo burguês na queda da ex-presidenta petista. De fato, o que podemos apontar com concretude é que o impeachment depende fundamentalmente de uma força política exterior ao aparato tradicional da dominação burguesa: a ação popular.
Sem dúvidas, para golpear fatalmente qualquer governo é preciso mobilizar o povo. Entretanto, nossas elites são cônscias da sublime distinção entre mobilizar núcleos políticos dentro da sociedade civil e abrir caminho para o radicalismo político das massas. Afinal, no casarão senhorial da burguesia brasileira, o povo jamais entrará aos montes e se alguns o fizeram, foram poucos convidados a entrar pela porta dos fundos. Contudo, a intensificação das tensões sociopolíticas no corpo social do Brasil para a promoção do Golpe em 2016 e a longevidade desse processo desgastante no perfil autocrático e anti sistêmico da agenda bolsonarista, nascida na conjuntura golpista do segundo mandato de Rousseff, revelou as nossas elites, e os seus representantes nos poderes republicanos, as implicações negativas de convocar o povo para o ataque a um governo democraticamente eleito. Colocar a questão do impeachment como horizonte final do governo Bolsonaro, é novamente suspender a legitimidade política do regime republicano e isso, mesmo que não seja um problema ético para as elites, se torna um entrave político à estabilidade de sua dominação sobre o corpo social. Como gerenciar a saída de Bolsonaro do poder? Essa é uma questão, para nossas elites, tão difícil quanto gerenciá-lo enquanto presidente da república.
Por fim, a questão que será, e deve, ser cobrada é: como os administradores da ordem política brasileira irão lidar com a demanda de pacificar os rumos do capitalismo brasileiro? Será mesmo o impeachment novamente o projeto que será avalizado pelos gestores do capitalismo. Talvez não, afinal, como a História nos demonstra muito bem, é perigoso para os ricos cortar a cabeça dos tiranos com a espada do povo, pois quando ela é desembainhada mais de uma cabeça costuma rolar.
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