O racismo e o colonialismo deveriam ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele.
Franz Fanon
O presente texto sobre Educação Antirracista é resultado de uma atividade de formação para educadores populares, desenvolvido pelo Cursinho Popular Maria Firmina dos Reis oriundo da capital de SP, região da Zona Leste na periferia de São Paulo.
Antes de mais nada, é necessário ressaltar que uma educação antirracista não consiste em somente desenvolver uma temática racial ou ainda, uma prática pedagógica antirracista. É necessário, numa concepção de educação antirracista, pensar de forma epistemológica e social sobre o que significa o racismo e como este está estruturado na sociedade. Desta forma, uma educação antirracista visa desenvolver reflexões e mais do que isso, promover caminhos para a transformação social.
Qualquer pessoa que esteja ligada aos cursinhos populares de forma orgânica compreende a prática social do cursinho como uma atividade de humanização. Esta, por sua vez, deve ser encarada como uma prática ligada ao histórico-social do país. E esta premissa nos coloca de cabeça no processo de humanização como um processo antirracista, dado que o Brasil se consolidou por uma base escravagista, violenta e imperial.
Dito isso, o tema sobre antirracismo não configura uma mera temática nas nossas atividades, mas sim, uma forma de desenvolver na nossa militância “um óculos” de análise que enxergue as relações raciais no Brasil como o modus operandi das relações capitalistas.
O encontro de formação sobre Educação Antirracista foi subsidiado por duas obras: O movimento negro educador – saberes construídos nas lutas por emancipação, de Nilma Lino Gomes; e fragmentos da obra de bell hooks, a educação como prática de liberdade – ensinando a transgredir.
São muitas as reflexões que a autora Nilma Lino Gomes nos coloca em seu livro, e queremos ressaltar o que fundamenta nossa análise enquanto educadores populares na construção de uma educação popular que reflete nossa prática. Desta maneira, compreender o que a sociedade aprende com o movimento negro, como a educação nacional foi repensada e transformada a partir das exigências desse movimento e como os conhecimentos se fundamentam e se difundem na sociedade são questões que a autora nos provoca.
A obra de Gomes (2017) utilizada como base no programa de formação, coloca o Movimento Negro brasileiro como um agente educador que produz, sistematiza e articula saberes emancipatórios. Para a autora, o movimento negro possui “as diversas formas de organização e articulação das negras e negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam a superação desse perverso fenômeno na sociedade.” (GOMES, 2017, p. 23)
Refletindo essa caracterização com a formação dos cursinhos populares, compreendemos que a demanda para ingressar em um cursinho popular preparatório para o vestibular é reflexo de um cenário que se intensificou após a expansão da educação básica no país, a partir da década de 1950, dado que no processo de escolarização, as pessoas negras foram alijadas ao longo da expansão da educação básica, assim, o movimento negro brasileiro incorpora como uma das suas principais pautas o direito à educação. Não é à toa, que os principais cursinhos populares na atualidade brasileira, como EDUCAFRO e UNEAFRO configuram em suas pautas a questão racial e são considerados um dos principais cursinhos populares no Brasil.
Como destaca Nilma Lino Gomes:
“a emancipação entendida como transformação social e cultural, como libertação do ser humano, esteve presente nas ações da comunidade negra organizada, com todas as tensões e contradições próprias desse processo, tanto no período da escravidão quanto no pós-abolição e a partir do advento da República” (GOMES, 2017, p. 49)
Gomes (2017) no primeiro capítulo destaca a ressignificação de raça realizada pelo movimento negro. Tal termo não é percebido como fomentador de inferioridade e segregação, mas como instrumento político e analítico contra o racismo e que, sobretudo, possui um forte caráter afirmativo, construindo identidades étnico-raciais positivas. Dessa forma, raça é ressignificada como potência emancipatória para a comunidade negra.
A reavaliação do papel da população negra na construção social, cultural, econômica e política do Brasil têm sido apontadas como uma demanda social que, mais do que reparar um apagamento histórico, possibilita uma reconciliação psicológica da nação. A influência do Movimento Negro nesse processo é fundamental, uma vez que como aponta Gomes (2017) ao ressignificar a raça, esse movimento social indaga a própria história do Brasil e da população negra em nosso país, constrói novos enunciados e instrumentos teóricos, ideológicos, políticos e analíticos para explicar como o racismo brasileiro opera não somente na estrutura do Estado, mas também na vida cotidiana dos negros e negras.
Uma ponte fundamental entre a educação popular discutida por Paulo Freire e a educação antirracista, é exemplificada na obra de bell hooks, ao evidenciar a preocupação do processo de descolonização, como sendo um elemento que integra a questão da conscientização, proposto por Freire, a autora menciona que
“(…) Pelo fato de as forças colonizadoras serem tão poderosas neste patriarcado capitalista de supremacia branca, parece que os negros sempre tem de renovar um compromisso com um processo político descolonizador que deve ser fundamental para nossa vida, mas não é. E assim a obra de Freire, em seu entendimento global das lutas de libertação, sempre enfatiza que este é o importante estágio inicial da transformação – aquele momento histórico em que começamos a pensar criticamente sobre nós mesmas e nossa identidade diante das nossas circunstâncias políticas” (hooks, 2017, p. 67)
A discussão sobre a descolonização é um aspecto importante na concepção da educação antirracista, como podemos ver nas autoras supracitadas. A colonização provocou dentre outras consequências, um paradigma que compreende hierarquias entre conhecimento, saberes e culturas, o processo de descolonização reconhece essa hierarquização e a contextualiza como uma história de dominação, exploração, e colonização que deu origem a um processo de hierarquização de conhecimentos, culturas e povos. (GOMES, 2017)
No aspecto da educação, mais especificamente na educação popular, a concepção antirracista promove uma forma de reconhecer e conhecer o mundo, sendo no mundo contemporâneo a produção de uma racionalidade marcada pela concepção de raça numa sociedade racializada desde o início de sua consolidação. Gomes (2017) nos apresenta desta forma, “Saberes emancipatórios” construído pelo movimento negro, no qual “significa a intervenção social, cultural e política de forma intencional e diferenciada dos negros e negras ao longo da história, na vida em sociedade, nos processos de produção e reprodução da existência. Ou seja, não se trata de ações intuitivas, mas de criação, recriação, produção e potência” (GOMES, 2017 p. 67)
Desta forma, fica para nós por meio das discussões e compreensões ao longo da formação, a necessidade de romper com a pedagogia do silêncio sobre relações étnico-raciais que impera na educação e assim, desenvolver na nossa sociedade a compreensão, como nos alerta bell hooks (2017), que nenhuma educação é politicamente neutra.
Tanto Nilma Lino Gomes como bell hooks desenvolvem discussões acerca da pedagogia da diversidade e como esta está articula uma educação descolonizadora, problematizadora e se fundamenta a partir da luta de contra-hegemonia, estando, portanto, como aponta Nilma (2017) “diante do direito à diversidade, a teoria educacional é desafiada a conhecer e destacar aquilo que nos une sem perder de vista o que nos diferencia” (p. 137).
REFERÊNCIAS
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Vozes, 5º ed. 2017. Petrópolis, RJ.
hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Martins Fontes, 2º ed. 2017. São Paulo – SP.
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