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BRASIL

Sobre o encontro de Lula com o Pastor-Sargento

Lucas Marques*, de Campinas, SP

A principal tarefa colocada na conjuntura política brasileira atual é derrotar o governo Bolsonaro o quanto antes, bem como o movimento neofascista que se move ao seu redor. Esta tarefa deve ser encarada sob dois pontos de vista: o primeiro, hierárquico, é o terreno das ruas, das mobilizações de massa que são a única forma de destravar o processo de impeachment; o segundo é o terreno eleitoral, que não deve ser desprezado como terreno de disputa para a esquerda brasileira.

Diante do cenário de ofensiva das classes dominantes sobre nossa classe, seus direitos e suas condições de vida, é indispensável a luta pela unidade de todas as organizações de esquerda e movimentos sociais, nas ruas e nas eleições, com o objetivo de colocar no poder um governo dos trabalhadores e reverter a atual correlação de forças entre as classes sociais.

Lula segue sendo, nos dias de hoje, não apenas a principal liderança popular em nosso país, mas também o “presidenciável” com as melhores chances de derrotar Bolsonaro eleitoralmente de acordo com as pesquisas de opinião. É evidente que diante do cenário de profunda crise social, de um governo neofascista que implementou uma política genocida frente a pandemia de covid-19, amplos setores da classe trabalhadora e da juventude vão ver em Lula e no PT uma esperança de sair dessa situação.

É uma comparação óbvia e concreta: se em 2016 o valor da cesta básica girava em torno de R$ 400, hoje está na casa dos R$ 650. Nosso país retornou ao mapa da fome. Taxas de desemprego recorde, depressão econômica que se arrasta há anos. Quase 600 mil mortos pela covid-19. Isso é o centro das preocupações de qualquer trabalhador no momento atual.

Qual deve ser o papel da esquerda que enxergou os limites da política de conciliação de classes petista e, mais do que isso, que entende o papel dessa política para termos chegado onde chegamos, diante desse cenário?

Desenvolvemos um pouco dessas ideias neste artigo de Gabriel Casoni [1], que vale bastante a leitura. Em síntese, acreditamos que o papel da esquerda deve ser abrir uma ampla discussão sobre a necessidade da construção de uma verdadeira frente de esquerda para as lutas e as eleições, que seja encabeçada por Lula, que defenda os interesses do povo trabalhador e oprimido e, portanto, que seja composta de organizações da nossa classe e movimentos sociais.

Isso significa abrir um diálogo com este amplo setor da classe trabalhadora e da juventude que enxerga em Lula uma esperança, mas não pode significar uma adaptação política e programática à sua política de conciliação de classe ou aos seus erros do presente e do passado.

Os encontros de Lula com os erros do passado, retomando uma reflexão sobre a questão LGBTQIA+ e o neofascismo

Um dos temas sobre o qual é fundamental pressionar e exigir de Lula e do PT, é sobre a sua política de alianças. Lula diz que quer governar com e para o povo, mas em seu giro pelo nordeste se reuniu com lideranças políticas da direita e do fundamentalismo religioso. A conta não fecha: não é possível governar para o povo trabalhador e oprimido em aliança com a direita e o conservadorismo religioso.

O diálogo fundamental com o amplo setor evangélico da classe trabalhadora não deve ser mediado por lideranças demagógicas e reacionárias, bem como as nossas vidas não podem ser rifadas em nome de projetos eleitorais, especialmente abrindo mão de disputas políticas essenciais. O encontro de Lula com o pastor reacionário acena para erros do passado que nos custaram muito caro.

Um dos encontros sobre os quais queremos chamar atenção neste texto é o encontro de Lula com o Deputado Pastor Sargento Isidoro, um dos expoentes do fundamentalismo na Bahia. Isidoro é conhecido por ser um “ex-gay”, defender a cura gay e propor um PL do dia do hétero, além de uma série de declarações públicas LGBTQIA+fóbicas. 

Durante seus governos, a política de conciliação de classes petista implicou na escolha de um modelo de governabilidade que, ao invés de ser apoiado na mobilização popular, foi apoiado em acordos espúrios dentro do congresso nacional com setores da direita como o MDB, protagonista do golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff do poder e nos trouxe, em partes, à situação na qual nos encontramos hoje. Mas, além disso, setores do fundamentalismo evangélico que eram parte da base aliada dos governos do PT foram base, também, do desenvolvimento da extrema-direita que governa o país nos dias atuais, que cresceu sobre o espaço deixado por capitulações políticas graves.

Neste artigo falamos um pouco sobre isso [2], o papel que cumpriu a recusa de levar até o final as pautas políticas democráticas das LGBTQIA+ e como a LGBTQIA+fobia é parte das raízes do neofascismo brasileiro. Se voltamos a 2011 percebemos o quanto de audiência Jair Bolsonaro ganhou sobre a pauta do suposto “Kit gay” e observamos como, diante da pressão do fundamentalismo religioso, o governo Dilma optou por vetar um projeto ultra-progressivo e democrático de conscientização contra a LGBTQIA+fobia nas escolas. No marco da “carta ao povo de Deus” de Dilma, o PT deixou livre para surfar toda sorte de fundamentalismo reacionário.

O diálogo fundamental com o amplo setor evangélico da classe trabalhadora não deve ser mediado por lideranças demagógicas e reacionárias, bem como as nossas vidas não podem ser rifadas em nome de projetos eleitorais, especialmente abrindo mão de disputas políticas essenciais. O encontro de Lula com o pastor reacionário acena para erros do passado que nos custaram muito caro.

A tarefa de derrotar o neofascismo no Brasil passa necessariamente por um enfrentamento radical às suas ideias, sem ceder qualquer espaço para conservadorismos que atentam contra nossas vidas no país recordista de assassinatos de LGBTQIA+.

O que fazer?

Diante da compreensão do papel que Lula pode cumprir frente aos desafios colocados para o presente, o PT precisa aprender com os erros do passado para que a tragédia não se repita como farsa. É preciso exigir que Lula lidere uma frente de esquerda sem golpistas e patrões, que lute pela derrubada imediata do governo genocida de Bolsonaro. É preciso exigir que seu futuro governo revogue as reformas neoliberais, que realize reformas estruturais em prol dos interesses da nossa classe.

É preciso exigir compromisso com a pauta das oprimidas, que a luta por direitos das LGBTQIA+ seja levada às últimas consequências, sem ceder um milímetro sequer aos conservadores e fascistas. Que a lei de drogas de 2006, responsável pela ampliação brutal do encarceramento em massa do povo negro seja revogada. Que haja uma ampla disputa que leve à legalização do aborto em nosso país. Que as terras indígenas sejam demarcadas, entre outros exemplos.

É papel de toda a esquerda e de todo ativismo pressionar Lula e o PT por isso, bem como de dialogar sobre estes temas com o amplo setor da classe trabalhadora e da juventude que vê em Lula uma esperança. Não podemos nos furtar dessa tarefa, não há tempo a perder!

NOTAS

[1] Lula, o povo trabalhador e o PSOL – Esquerda Online

[2] O orgulho contra o fascismo – Esquerda Online

*Militante da Resistência/PSOL