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BRASIL

Colocar o Fora Bolsonaro em marcha com Lula à frente do 07 de setembro

Euclides Braga Neto*, Fortaleza (CE)

O artigo “Um golpe em marcha”, publicado por Mauro Iasi no Blog da Boitempo em 25 de agosto [1], representa um importante ponto de apoio para o debate sobre o caráter do bolsonarismo, a questão da atual correlação de forças entre as classes e a relação entre desejo e possibilidade real do presidente genocida protagonizar um autogolpe nas próximas semanas ou meses, impedindo assim as eleições de 2022.

Depois de enumerar que “a grande burguesia monopolista se divide entre a manutenção do presidente e a necessidade de afastá-lo” e que “o descontrole da pandemia joga água no moinho do afastamento do presidente ou do seu desgaste para as eleições de 2022”; Mauro Iasi considera uma suposta “ação de força”, que “daria a partida” para uma pretensa “confrontação armada”, como decisiva para o sucesso do golpe bolsonarista, tão decisiva a ponto de “conseguir o apoio que lhe falta” de uma parcela significativa do capital financeiro. Quase no final do artigo, crava o seguinte prognóstico:

“Existe a possibilidade do blefe, isto é, o bolsonarismo não contaria com o apoio que alardeia nas milícias, corporações policiais e nas Forças Armadas. No entanto, para seu intento, bastaria que segmentos destas corporações se movessem e que os demais não tivessem disposição em promover a resposta armada em defesa de uma ordem política em ruínas”.

Mauri Iasi conclui seu artigo, afirmando que existe um golpe em marcha e, desgraçadamente, nos encontramos nas mãos apenas da institucionalidade burguesa para evitá-lo:

“Há um golpe em marcha. Ele pode fracassar, pode não passar de um blefe ou pode ser uma vitória de Pirro, na qual o golpista não consegue montar no tigre que pretendia cavalgar. A institucionalidade burguesa pode se antecipar e frustrar a tentativa golpista, afastando o presidente e prendendo os que iniciarem alguma ação mais decisiva de reação. É possível. Mas, até agora, há um golpe em marcha, de um lado os que apostam no conflito e se armam, de outro aqueles que já preparam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para ser enviada a um Supremo Tribunal Federal que pode não mais estar lá para recebê-la”.

Consideramos essas análises e, particularmente, o prognóstico parido por elas extremamente perigosos, na medida em que jogam os movimentos sociais na mais completa expectativa e paralisia à espera de uma suposta “ação de força” do bolsonarismo, ao invés de realizar uma ampla agitação capaz de mobilizar todas as forças sociais das organizações populares, sindicais e da esquerda partidária para protagonizar ações de massas que coloquem o governo Bolsonaro no seu devido lugar: a lata do lixo da história.

O caráter e as iniciativas do bolsonarismo não determinam a correlação de forças

A possibilidade de um golpe militar no dia 07 de setembro é praticamente impossível. Diferente de 1964, uma parte significativa do capital financeiro e as principais instituições da democracia representativa, como o Congresso Nacional, o STF e a grande imprensa, bem como o alto comando das Forças Armadas não embarcaram na aventura bolsonarista.

Aqui não está em discussão o caráter do bolsonarismo. Obviamente que ele é neofascista e tem uma base miliciana. Nisso estamos completamente de acordo. Tampouco estão em discussão as intenções de Bolsonaro: é o obvio ululante que, desde que assumiu a presidência da República, ele vem coqueteando com as Forças Armadas e as polícias civil e militar para uma aventura golpista. E, quanto mais fica encurralado pela crise nas alturas, quanto mais setores do capital financeiro descolam do seu projeto de poder, quanto mais se vê pressionado pela CPI da Covid-19 e pelo inquérito das Fake News no STF, quanto mais se vê derrotado no Congresso Nacional como o enterro do voto impresso e do voto distrital, mais desesperado fica e mais alto esbraveja suas ameaças de golpe.

Nem o caráter neofascista do bolsonarismo nem suas intenções golpistas são determinantes para definir a correlação de forças entre as classes, mas a resposta a uma pergunta muito simples: Bolsonaro dispõe de forças políticas e sociais para dar um golpe contra a maioria das frações burguesas e instituições como o Congresso Nacional, o STF, a grande mídia e o alto comando das Forças Armadas? É possível dar um golpe militar no Brasil contando quase que exclusivamente com a mobilização da base das polícias civil e militar? Se a resposta for sim, então estamos diante de um fenômeno histórico mais forte que o fascismo italiano e o nazismo alemão do século XX.

Se nos basearmos neste prognóstico fatalista, os movimentos sociais e a esquerda partidária estaremos liquidados, na medida em que não há nenhuma preparação política, organizativa e militar para lidar com um motim nacional das PMs capaz de sustentar um autogolpe de Bolsonaro que feche o Congresso Nacional e o STF, institua a censura prévia, suprima as liberdades de opinião e de organização, ponha na ilegalidade os partidos políticos de esquerda, os sindicatos e as organizações dos movimentos sociais, sem falar das perseguições, prisões, tortura e morte de centenas senão milhares de militantes. Enfim, ao nos encontramos completamente despreparados para realizar um enfrentamento desta magnitude, seríamos obrigados a bater em retirada, salvar a vida dos nossos principais dirigentes políticos, sindicais e sociais e nos prepararmos para militar na clandestinidade nos próximos anos.

Felizmente, a vida não corresponde a essa leitura distorcida da realidade.

 

Haverá um motim nacional das PMs no dia 07 de setembro?

O bolsonarismo é um fenômeno bem recente e possui, verdade seja dita, um apoio difuso entre os policiais civis e militares de baixa patente. Isso não significa que tenha avançado na construção de grupos de assalto dispostos a matar ou morrer por motivações políticas. Dito isto, nessa altura do campeonato, seria muito pouco provável um motim nacional das PMs contra os governadores capaz de servir de base para um autogolpe de Bolsonaro.

O que se vislumbra como mais provável é que, no dia 07 de setembro, policiais à paisana venham a provocar manifestantes pelo Fora Bolsonaro ou ainda se infiltrarem mascarados e vestidos de preto nas manifestações para depredarem lojas e prédios públicos, culpabilizando a esquerda por seus atos violentos.

Na pior das hipóteses, em alguns estados, policiais à paisana poderão aderir em grande número às manifestações convocadas pelo bolsonarismo, como aparentemente está se vislumbrando em São Paulo. Fato este facilitado pela postura covarde do governador João Dória que, não satisfeito em presentar o palco da Avenida Paulista para a manifestação dos golpistas, busca impedir que a manifestação pelo Fora Bolsonaro se realize no mesmo dia, no Vale do Anhangabaú.

A autodefesa dos movimentos sociais como uma necessidade imediata

Ainda que não esteja na ordem do dia um autogolpe de Bolsonaro com o apoio das PMs ou mesmo um motim nacional das polícias que coloque em xeque a segurança pública em vários estados, todas essas ameaças obrigam aos movimentos sociais e a esquerda partidária a colocarem na ordem do dia o debate e a organização da autodefesa, particularmente das manifestações de rua.

Não podemos deixar que o receio de iniciativas provocadoras dos bolsonaristas acabe nos paralisando e impedindo uma ampla convocação dos atos do dia 07 de setembro. Nossas manifestações têm a obrigação de ser maiores e mais combativas que as deles.

A vanguarda dos movimentos sociais no Brasil está muito atrasada na discussão e organização da autodefesa contra os bolsonaristas. Ainda estamos organizando de manifestações pacíficas, sem esquemas profissionais de segurança, enquanto os bolsonaristas vão para as ruas armados, com a desculpa de que boa parte deles são policiais com direito a porte de arma fora do horário de trabalho.

O maior perigo, que é preciso buscar prevenir, é que lobos solitários ou pequenos grupos de psicopatas ataquem algumas manifestações pelo Fora Bolsonaro, no dia 07. Não pode ser que policiais à paisana se infiltrem alegremente e armem provocações para tentar dispersar nossas manifestações ou que fiquem impunes ao se passarem por manifestantes mascarados e vestidos de preto para depredar lojas e prédios públicos.

Para combater essas ameaças, será de fundamental importância a construção de comissões de autodefesa nas manifestações de todo o país. Essas comissões, além do cuidado preventivo com possíveis provocadores, deverão delegar a alguns de seus membros o registro fílmico de qualquer atitude suspeita, bem como articular uma eficaz retaguarda de advogados vinculados aos movimentos sociais.

Não podemos deixar que o receio de iniciativas provocadoras dos bolsonaristas acabe nos paralisando e impedindo uma ampla convocação dos atos do dia 07 de setembro. Nossas manifestações têm a obrigação de ser maiores e mais combativas que as deles.

A crise nas alturas deve ser consubstanciada à mobilização das massas

Há uma questão chave na realidade que alimenta essa confusão entre o caráter e as intenções do bolsonarismo e os prognósticos da correlação de forças entre as classes. Ainda que as duas coisas estejam relacionadas dialeticamente, trata-se de elementos distintos. E eles são confundidos na medida em que um importante fator da realidade aparece ainda muito débil para determinar uma virada decisiva na correção de forças: a ação das massas.

Até agora, a decadência do governo Bolsonaro está caracterizada fundamentalmente por uma crise nas alturas, que diz respeito às suas relações com as diferentes frações do capital financeiro, com as principais instituições da democracia representativa – Congresso Nacional, STF e grande imprensa – e com o alto comando das Forças Armadas.

As amplas massas dos explorados e oprimidos, ainda que as pesquisas de opinião revelem que estejam cada vez mais indignadas com o governo Bolsonaro, o genocídio da pandemia, a elevação do custo de vida, o aumento do desemprego, da fome e da miséria não deram um passo à frente nesta indignação crescente a ponto de transformá-la em ações de centenas de milhares e de milhões.

O fato de termos a obrigação de construirmos manifestações do 07 de setembro maiores que as dos bolsonaristas, porque trata-se de uma necessidade imediata, não significa que elas serão automaticamente de massas. Em última instância, estamos diante de uma luta política em curso, que pode ou não ser vitoriosa.

Vivemos um daqueles momentos da história em que a agitação e a propaganda fascista multiplicam suas ameaças para inflar suas forças, ainda mais agora com o amplificador da internet e das redes sociais, com o objetivo de desmoralizar e imobilizar as iniciativas dos movimentos sociais e da esquerda partidária. E isto se dá exatamente quando há uma significativa divisão do capital financeiro, uma grave crise nas alturas e uma deterioração meteórica das condições de vida das massas.

Por outro lado, e não menos importante, todas as pesquisas de opinião indicam que há não só um deslocamento à esquerda dos setores mais explorados e oprimidos da classe trabalhadora, mas de setores majoritários das classes médias proprietárias e assalariadas, que passam a fazer oposição ao governo.

Todos os elementos anteriores indicam que as condições objetivas para uma ação contundente das massas pelo Fora Bolsonaro estão postas na realidade. Diante da sua decadência política e da degeneração das condições econômicas e sociais, o bolsonarismo esbraveja e ameaça na mesma proporção em que sente a iminência de uma faísca que poderá detonar a ação de massas e precipitar sua queda como um castelo de cartas.

No entanto, as condições objetivas por si sós não são nenhuma garantia de uma efetiva virada na correlação de forças capaz de derrubar o governo Bolsonaro. Pode ser que tenhamos mais uma vez tanto manifestações de vanguarda pelo Fora Bolsonaro quanto em defesa do governo e do golpe. Em isso se dando, o desfecho da situação política será mais uma vez adiado e as condições objetivas favoráveis poderão passar do ponto de maturação e começar a apodrecer.

 

Lula e o PT precisam estar à frente do Fora Bolsonaro

Em momentos de transição na correlação de forças, o fator subjetivo passa a ser decisivo. Lula e os dirigentes petistas precisam considerar seriamente o que José Dirceu escreveu no Poder 360, em 25 de agosto:

A principal atividade eleitoral de Lula neste momento deve ser a luta para barrar as ameaças golpistas e impor o Fora Bolsonaro. Pôr abaixo esse governo genocida é a maneira mais segura e eficaz de garantir que as eleições de 2022 ocorram sem distúrbios fascistas e tenham seu resultado reconhecido pelas amplas massas.

“A resposta que a sociedade deve dar é ocupar as ruas dia 07 de setembro em defesa da democracia e da Constituição de 1988, sem abrir mão do Fora Bolsonaro. Nunca houve tantas razões legais e políticas para o afastamento do presidente. Os manifestantes de oposição precisam ir à luta sem medo, mas conscientes dos riscos de provocações e infiltrações. Precisam estar organizados para afastar estes riscos e garantir o caráter pacífico e democrático de nossas manifestações”. [2]

A principal atividade eleitoral de Lula neste momento deve ser a luta para barrar as ameaças golpistas e impor o Fora Bolsonaro. Pôr abaixo esse governo genocida é a maneira mais segura e eficaz de garantir que as eleições de 2022 ocorram sem distúrbios fascistas e tenham seu resultado reconhecido pelas amplas massas. Bolsonaro já confirmou a sua participação no ato da Avenida Paulista, no 07 de setembro. Lula não pode deixar de comparecer ao Anhangabaú.

Se as manifestações bolsonaristas crescerem a partir de 07 de setembro e a esquerda ficar na defensiva esperando inerte as eleições de 2022, a correlação de forças pode transitar de novo para trás. Aí sim, o capital financeiro poderá se recompor com Bolsonaro, a CPI da Covid-19 poderá terminar em pizza, a grande imprensa poderá baixar o tom e o alto comando das Forças Armadas poderá se reconciliar com o governo genocida, na medida em que a degradação da economia e a crise social continuarão gritando por uma solução política no curto prazo.

Não podemos perder a oportunidade que a realidade está nos brindando de enterrar o governo Bolsonaro, dando tempo suficiente para o presidente genocida se rearticular e reverter a sua crise. Bolsonaro não caíra de maduro, precisará ser derrubado. E, para ser derrubado, aquele que ainda é a referência histórica de dezenas de milhões de explorados e oprimidos precisará se colocar à frente das manifestações do 07 de setembro: Lula, vem pra rua!

 

NOTAS

[1] Leia mais no texto original: https://blogdaboitempo.com.br/2021/08/25/um-golpe-em-marcha/

[2] Leia mais no texto original: https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/a-oposicao-tem-que-se-preparar-para-o-7-de-setembro-escreve-jose-dirceu/

*Militante da Resistência/PSOL.

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7 de setembro / 7S