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OPRESSÕES

“Quando derem voz ao morro, toda cidade vai cantar”: um olhar crítico sobre o papel da esquerda frente à condução das mobilizações

Maria Clara e Wellignton Porto, do Afronte Porto Alegre (RS)

Em algumas horas, milhares de militantes em todo Brasil e também no exterior estarão tomando as ruas para exigir o impeachment do corrupto, genocida e insano: Jair Messias Bolsonaro. Anterior a isso, diversas articulações, reuniões, plenárias e mobilizações são fundamentais para garantir que o 24J será GIGANTE. Em Porto Alegre existe a perspectiva de colocarmos mais de 100 mil pessoas nas ruas. Contudo, para além do objetivo comum que nos faz tomar as ruas novamente, é necessário analisarmos alguns pontos importantes da conjuntura e das nossas intervenções a partir dos espaços de articulações dos atos.

A partir disso, esperamos ao final deste texto, contribuir com algumas reflexões acerca da necessidade de repensarmos a condução dos atos em Porto Alegre. Este olhar crítico, tem o intuito de contribuir de forma qualitativa para os marcos políticos da nossa tática até este momento.

NEM BALA, NEM FOME, NEM COVID

Voltando ao início da pandemia em 2020, analisamos que não é sem razão que a primeira pessoa morta pela Covid-19 no Brasil foi uma mulher negra e doméstica que nunca teve seu direito a quarentena, que fazia parte da categoria considerada essencial pra burguesia na hora de prestar seus serviços mas decrescido em valor na urgência de vacinação. Com isso, vale ressaltar que principalmente mulheres negras continuam sendo as mais afetadas, no quesito da insegurança alimentar, desemprego, violência estatal crescente, entre outras.

Mesmo com todas as denúncias da política de genocídio do estado, que diariamente assassina corpos negros e favelados, nós ainda somos surpreendidos com casos como o assassinato do Nego Beto no Carrefour em Porto Alegre, o assassinato da Kathelen e de sua filha no RJ, o assassinato da Roberta em Santa Rita e centenas de casos de interrupção da vida de pessoas negras.

A chacina do Jacarezinho/RJ, em maio deste ano, revoltou todos que já estavam cansados de ser a mira das balas que só atingem uma cor, fomos forçados a ser os primeiros a tomar as ruas novamente para denunciar o genocídio da população negra e periférica e pedir o Fora Bolsonaro. Com isso, o Movimento Negro mais uma vez se organiza para reivindicar seu direito mais básico: a vida. A base dessa pirâmide social baseada em negros e negras, na favela e na juventude recorre as ruas pra clamar o que a quinhentos anos o Brasil nos nega, dentro desse contexto e com o agravamento da conjuntura política, no dia 13 de maio, a Coalizão Negra por Direitos ocupou as ruas de todo Brasil para dar a mensagem: NEM BALA, NEM FOME, NEM COVID, O POVO PRETO QUER VIVER.

Este movimento protagonizado e organizado pela Coalização Negra por Direitos e com o Movimento Negro em todo Brasil, foi o início das grandes mobilizações que sucederam o 13M. Mesmo com a tentativa de invisibilização, por parte de alguns setores da esquerda branca e elitista, é nítido que o grande início da retomada das ruas pela esquerda se deve à mobilização feita no 13M e não posteriormente.

Portanto, quaisquer tentativas de apagar este importante movimento é no mínimo negar a importância da luta antirracista para o combate do governo Bolsonaro e compactuar com o sistema racista que perpetua e reflete também na esquerda.

A ESQUERDA BRANCA E O ELITISMO

Após refletirmos sobre a importância de reivindicarmos o 13M como pontapé das mobilizações pelo FORA BOLSONARO, é necessário apontar algumas falhas por parte de alguns setores da esquerda. Ao estruturar seus trabalhos de base na branquitude hegemônica central e urbana, esses setores compactuam com as mazelas estruturais que os beneficiam e esquecem que sem práticas que atinjam o jovem preto que estuda e trabalha, a empregada doméstica que passa muito mais que 44 horas semanais no serviço, a mãe solo que é chefe de família, então não há políticas por reestruturações radicais e sim conciliação.

Exemplo disso, a construção do ato do dia 13J, que sequer possibilitou que a periferia pudesse participar da mobilização por ser em um dia de semana à noite, mostrando a falta de diálogo com o povo trabalhador. Concluímos a necessidade deste apontamento após a tentativa de silenciamento da nossa luta com a data escolhida para o próximo ato, antecedendo um dia importante para a comunidade negra, o Dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha.

Também percebe-se, pelo menos aqui em Porto Alegre, que teremos outro problema por parte de algumas forças que compõem o Comando Geral dos atos, que não reivindicaram em suas falas de leitura de conjuntura a necessidade de que a condução do 24J fosse feita por mulheres negras. Observar condutas que pregam por representatividades vazias dentro de espaços que se reivindicam o antirracismo é no mínimo estarrecedor, e nos faz refletir sobre a esquerda que estamos construindo.

A DERROTA DO BOLSONARO ESTÁ PRÓXIMA?

Primeiramente gostaríamos de deixar escuro, que Bolsonaro ainda não foi derrotado, ao contrário de leituras que apontaram a motociata em Porto Alegre como sendo fracassada e esvaziada, leitura a qual consideramos equivocada. Não podemos subestimar o setor que Bolsonaro representa com sua política negacionista, racista, machista, xenofóbica e LGBTQIA+fóbica, mesmo recuado, ele ainda tem apoio desse setor asqueroso que vive no Brasil, e no RS não seria diferente.

Essa tentativa de subestimar Bolsonaro demonstra a falta de responsabilidade com a luta urgente pela derrubada do supremacista que ocupa a presidência, e em vez de articularmos de forma respeitosa os próximos passos, observamos ataques para aqueles que estão dispostos a construir uma frente única pela derrota deste governo genocida ainda este ano.

As falsas acusações e denúncias, só servem para despolitizar os espaços de unidade, que alguns setores não fazem questão de construir e consolidar. Com isso, chegamos à reflexão que é preciso ir além do aparato midiático de estar à frente dos atos, porque independente de quem apareça nos jornais no dia a seguinte, a única manchete certa é a da continuação do genocidio, orquestrado por um governo que levou o Brasil a marca de mais de meio milhão de mortos pelo covid-19.

Ao analisarmos as prioridades, nós propusemos a responder a estas críticas e ataques de uma só forma: PRÁXIS, através da política nos bairros de periferias, apoio a mobilização de professores em Esteio, construir o nosso mandato, organizar campanha “Tem Gente com Fome” da Coalizão Negra por Direitos, com trabalho de base na Rubem Berta, na Vila Conceição, construção das bases a partir dos CAs e DAs, trabalhos nas Feiras Ecológicas, articulação com setores da Cultura, dentre outras ações concretas. Esta é a política que reflete em saldo político e consequentemente crescimento do nosso coletivo.

GOVERNO GENOCIDA, CORRUPTO E PRIVATISTA

É preciso recapitularmos elementos importantes da conjuntura nacional, de forma que possamos escurecer as possíveis dúvidas que possam existir com relação à retomada às ruas nos últimos meses, perspectivando um olhar crítico sobre o papel da esquerda, das forças políticas e da nossa militância nesse processo de unidade para a derrota do bolsonaro pelas ruas antes de 2022.

O primeiro elemento que trazemos é o número de mortes, que poderiam ter sido evitadas, se o governo genocida do Bolsonaro tivesse comprado vacina, em vez de pedir propina como aponta os últimos escândalos da CPI da covid, e como a música da banda Francisco, el Hombre diz ‘’ o dólar vale mais que eu eita fudeu’’ continuamos morrendo e lotando UTIS. A incidência e mortalidade pela covid-19 é muito maior na população negra tendo em vista um país onde o racismo estrutura as relações sociais e com profundas desigualdades, portanto os mais de 545 mil mortes por covid são em sua maioria a população negra e periférica.

Um fato interessante de se lembrar, no dia 17 de janeiro de 2021 a primeira pessoa a ser vacinada foi uma mulher negra, contudo, essa não é a realidade do processo de vacinação no país, pois segundo os dados do levantamento realizado pela agência pública em março de 2021, para cada pessoa negra que recebe uma dose, duas pessoas brancas são vacinadas. A Coalizão Negra por Direitos já havia denunciado o acesso à vacinação, quando romperam com os princípios de equidade, e permitiram que grupos e segmentos corporativos tivessem prioridade no processo de imunização, mesmo que estes não façam parte dos segmentos reconhecidamente vulneráveis à esta doença.

Além da pandemia por conta do covid-19, vale destacar também que o agravamento das desigualdades sociais colocaram o brasil de volta no mapa da fome, bem como as políticas da direita avançaram no Congresso com as propostas de privatização da petrobrás, dos correios que seguem preocupando a classe trabalhadora, assim como a reforma administrativa que também se coloca como uma ameaça ao serviço público, o PL 490 que muda a demarcação das terras indígenas, os cortes na educação, enfim, um caos que foi instituído no Brasil, não por acaso pois faz parte do projeto de desmonte das bases do governo Bolsonaro e sua família miliciana e assassina.

24J: PERSPECTIVAS E SÍNTESE FINAL

Muitos setores apontam que o 24J está sinalizando para uma grande mobilização de rua, podemos até chegar aos 100 mil em Porto Alegre e centenas de milhares no Brasil, mas precisará de um grande trabalho de base nas próximas horas, por parte de todos os movimentos, isso quer dizer, sair do conforto do centro e ir construir a base nas periferias, colocando sua militância a disposição de construir esse debate para trazer a favela para o centro do debate e para que possam ser maioria nas grandes mobilizações de rua.

Portanto, se torna imprescindível que nós, enquanto militantes, estejamos à frente das articulações para convencer e disputar a narrativa com aqueles e aquelas que seguem resistindo a tomar as ruas novamente. Por fim, o 24J está às vésperas de acontecer e precisamos que a esquerda branca, de fato, reflita sobre a condução dos atos em Porto Alegre, com um olhar para que as pessoas negras estão no centro do debate, pois como já exposto acima, somos mais afetados pela pandemia, pelas balas e somos aqueles que que formam a base da pirâmide social.

“QUANDO UMA MULHER NEGRA SE MOVIMENTA, ELA DERRUBA O BOLSONARO”

FORA BOLSONARO!

RUMO AO 24J!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

https://esquerdaonline.com.br/2021/07/21/cinco-motivos-para-ir-as-ruas-sabado-24j/

https://covid.saude.gov.br/

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/17/primeira-pessoa-e-vacinada-contra-covid-19-no-brasil

https://coalizaonegrapordireitos.org.br/2021/06/18/vacinacao-e-racismo-manifesto-da-coalizao-negra-por-direitos/

Marcado como:
Fora Bolsonaro