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BRASIL

O regozijo do Centrão, o desespero da Caserna e a crise do governo Bolsonaro

O início do fim de Bolsonaro

Euclides Braga Neto*, de Fortaleza (CE)

A indicação do senador Ciro Nogueira (PP-Piauí) por Bolsonaro para o ministério da Casa Civil, em substituição ao general Luiz Eduardo Ramos, nesta quarta-feira, 21, estourou como uma bomba no colo do partido militar instalado no Palácio do Planalto. Ramos, para não ficar de mãos abanando vai ganhar como prêmio de consolação a secretaria geral da presidência da República. O Centrão que Bolsonaro fingia desprezar, ocupa agora o cerne das decisões: o ministério que controla tudo que acontece no Poder Executivo.

Coluna publicada pelo jornalista Reinaldo Azevedo no UOL, neste 22 de julho, revela sinteticamente em seu título o significado da chamada nova minirreforma ministerial de Bolsonaro: “Centrão dá golpe nos generais, assume governo e decidirá destino do mito”. [1]

A bomba anterior veio casada com outro torpedo: a denúncia feita pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de que um interlocutor político do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, o havia interpelado e ameaçado em 08 de julho: caso o voto impresso não seja aprovado no Congresso, não haverá eleições em 2022. Essa denúncia foi relevada ao Estadão, segundo o jornal, pelo próprio Arthur Lira, que ainda havia comunicado pessoalmente a Bolsonaro da ameaça de Braga Netto. Coisa que até agora não foi negada nem confirmada pelo próprio Bolsonaro.

O golpe do Centrão contra os generais já estava confirmado e sacramentado, mesmo com o desmentido de Lira.

Com a publicação da denúncia de Lira no Estadão de 21 de julho, em cerca de 24h, o general da Defesa apressou-se em negar numa solenidade oficial que se comunique através de terceiros, mas não negou nitidamente que condicionou as eleições de 2022 à implementação do voto impresso. Em resposta a Braga Netto, o Estadão mantém e confirma as informações publicadas.

Depois do desmentido de Braga Netto, Lira disse no Twitter: “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”. A rigor, como diz um ditado popular, primeiro fez a egípcia e depois negou que tenha dado tais declarações ao Estadão.

Para o Centrão, em geral, para o Partido Progressista (PP) e sobretudo para Ciro Nogueira e Arthur Lira, o desmentido deste último é o menos importante, trata-se apenas de um sinal de trégua depois da vitória de uma batalha campal. O golpe do Centrão contra os generais já estava confirmado e sacramentado, mesmo com o desmentido de Lira.

Crise nas alturas e aumento do Fundo Eleitoral

Outro componente não menos bombástico desse turbilhão da crise nas alturas foi a votação do aumento do fundo eleitoral em 16 de julho. O texto do relator, deputado federal Juscelino Filho (DEM-MA), aumentou o valor do fundo de R$ 1,7 bilhão para R$ 5,7 bilhões. Este aumento exponencial foi articulado pela própria base governista na Câmara dos Deputados.

Quando a opinião pública, inclusive a grande mídia, saltou diante de tamanho escândalo, Bolsonaro saiu atirando no deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, que jogou lama no ventilador e desnudou que foi o próprio governo que articulou o aumento do Fundo para quase 6 bi em 2022. Bolsonaro agora diz que vai vetar o aumento, esperando negociar uma reduçãozinha, digamos, para não menos que 4 bi e assim agradar todo o espectro de cores da fisiologia política, da sua base mais canina aos setores mais frios e calculistas do Centrão.

Centrão desde criancinha

Como muito bem lembrou Reinado Azevedo em sua coluna do UOL: “O ataque ao centrão e à tal velha política foi um dos motes da campanha bolsonarista. Como esquecer o general Augusto Heleno a cantar na convenção do PSL: “Se gritar pega centrão, não fica um…”.

Ironicamente, agora ninguém melhor do que o Bolsonaro para confirmar o golpe do Centrão nos generais e a sua própria servidão voluntária à dupla Ciro Nogueira – Arthur Lira, que foram seus companheiros no PP: o mito passou pelo PP duas vezes entre 1995 e 2003, e 2005 e 2016. Para confirmar o anterior, basta citar as recentes declarações de Bolsonaro sobre a indicação de Ciro Nogueira para a Casa Civil no lugar do general Ramos e seus rasgados elogios ao Centrão:

“O Centrão é um nome pejorativo. Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo, fui do PTB, fui do então PFL (hoje DEM), no passado integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB.”

“O Centrão é um nome pejorativo. Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo, fui do PTB, fui do então PFL (hoje DEM), no passado integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB. O PP, lá atrás, foi extinto, depois nasceu novamente da fusão do PDS com o PPB, se eu não me engano. Agora, nós temos 513 parlamentares. O tal Centrão, que eu chamo de pejorativamente isso, são alguns partidos que lá atrás se uniram na campanha do Alckmin (sic) e ficou, então, rotulado Centrão como algo pejorativo, algo danoso à nação. Não tem nada a ver. Eu nasci de lá. A Tereza Cristina é do PFL, atualmente Democratas. O Onyx Lorenzoni também é do Democratas. O Ciro Nogueira, que deve integrar o governo, é do PP”, explicou, em entrevista à Rádio Banda B, de Curitiba. [2]

Nesta entrevista, Bolsonaro desfila alegremente com seu fisiologismo e ignorância, inclusive, sobre as origens do Centrão na Assembleia Constituinte que deu origem à Constituição de 1988. Mas, o mais importante é que ela demonstra que começamos a viver uma nova etapa do governo do Mito que cede mais espaço para o Centrão e passa a co-governar com Ciro e Lira, às custas do partido militar. Faz isso como uma cartada desesperada para evitar que qualquer pedido de impeachment, principalmente depois da finalização dos trabalhado da CPI da Covid-19, seja colocado em pauta no Congresso Nacional. Busca assim ganhar tempo para ver se o pior da pandemia passa, com o avanço da vacinação, e a economia dá uma crescidinha sazonal com as compras de final de ano, para assim tentar retomar seu voo de galinha rumo à 2022.

A banda podre das FFAA e o escândalo das vacinas

O recente escândalo da tentativa de compras superfaturadas de vacinas envolvendo oficiais de alta patente das Forças Armadas e um reverendo evangélico nos porões do ministério da Saúde, caso se concretizassem, seriam as maiores negociatas corruptas de toda a história da República brasileira envolvendo bilhões de reais. Nem durante os 20 anos de ditadura, o partido militar ousou se lambuzar tanto.

Eis o conluio de alta patente: general Eduardo Pazuello, coronel Antônio Élcio Franco, coronel Alexandre M. Cerqueira, coronel Marcelo Bento Pires, coronel Hélcio Bruno Almeida, tenente-coronel Marcelo Blanco, tenente-coronel Alex Lial Marinho.

Além dessa turma do alto escalão, podemos citar ainda como personagens centrais do escândalo: Roberto Dias, ex-controlador de voo que ocupou um cargo no ministério da Saúde, acusado de pedir propina na compra de vacinas; e o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominguetti, que negociava em nome da empresa Davati Medical Supply no Brasil. A cerejinha do bolo dessa corja é reverendo Amilton Gomes, dirigente da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah).

O desgaste de um sem números de oficiais de alta patente, da reserva e da ativa, envolvidos na compra de vacinas teve o poder de um terremoto no prestígio das Forças Armadas e as colocam cada vez mais numa situação de desgaste só comparável ao início do fim da ditadura militar.

O dia 07 de julho foi o auge dessa crise, quando o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, afirmou da mesa da CPI: “Olha, eu vou dizer uma coisa: os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”.

A resposta do ministro da Defesa e dos atuais comandantes das Forças Armadas foi imediata. Numa nota, afirmaram: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. A declaração conjunta do ministro com o alto comando assemelhava-se a uma confissão de culpa ou, no mínimo, a sinalização que protegeriam os membros da sua corporação, ainda que estes estivessem comprovadamente envolvidos no escândalo.

Uma coisa é certa, o atraso na compra de vacinas não foi motivado pelo negacionismo científico ou pela incompetência pura e simples, mas pela tentativa de ganhar bilhões de reais em negociatas para o superfaturamento das centenas de milhões de doses necessárias para imunizar o povo brasileiro. Fica cada vez mais evidente quem são os grandes responsáveis, ao lado de Bolsonaro, pelo genocídio de mais de 500 mil pessoas vitimadas pelo corona vírus. A conclusão dos trabalhos da CPI não poderá ter outro desfecho senão denunciar Bolsonaro e os oficiais de alta patente do ministério da Saúde, começando com o ministro Pazuello, por crimes contra a humanidade.

Um recado tácito do imperialismo através do NYT

O imperialismo ianque e seus órgãos de imprensa são muito bem articulados estrategicamente. Isso não podemos ignorar nem negligenciar. Em geral, quando querem mandar uma mensagem subliminar, amparam-se num artigo de algum intelectual renomado e reconhecido pelo Establishment.

O diretor-executivo da Science Po, de Paris, Gaspar Estrada afirmou que o Brasil vive uma acelerada degradação institucional sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, em artigo publicado nesta quinta-feira, 22, no jornal New York Times.

“O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está estimulando uma ruptura institucional na segunda maior democracia do continente americano, de maneira semelhante a Donald Trump nos Estados Unidos”, diz Estrada. 

O diretor termina dizendo que: “Ao apoiar cegamente um governo que realiza um dos processos mais extremos de destruição da democracia no mundo, as Forças Armadas correm o risco de ficarem indelevelmente associadas a ele. Ao contrário da década de 1960, quando Washington [EUA] apoiou um golpe militar que levou a uma ditadura de 21 anos no Brasil, o governo Bolsonaro está agora politicamente isolado no hemisfério e no mundo”. [3]

O Recado foi dado de maneira elegante por um intelectual europeu nas páginas do New York Times. A cúpula das Forças armadas brasileiras, o Centrão e Bolsonaro sabem disso. Não foi à toa que Bolsonaro sancionou o golpe do Centrão contra os generais.

A crise nas alturas facilita a luta pelo Fora Bolsonaro

Por tudo isso, as ameaças de Braga Netto e dos atuais comandantes das três forças cheiram cada vez mais a um blefe de quem está prestes a perdem a boquinha ou, pelo menos, a maior parte dos suculentos bocados que chegam até ela.

Evidentemente que, movidos pelo desespero em perder mais de seis mil cargos na administração direta e uma série de negociatas em várias obras e compras governamentais através de institutos privados ligados aos militares, como o Instituto Força Brasil (IFB), presidido pelo coronel Hélcio Bruno Almeida, a atual crise pode precipitar uma fratura explícita no alto comando e a aventura de uma quartelada de um setor mais desesperado e degenerado. Mas isso, diante do lamaçal atual que envolve inúmeros oficiais de alta patente no escândalo das vacinais, é praticamente improvável. Para utilizar um termo militar apropriado há muito pela esquerda: a correlação de forças não está nada favorável.

é evidente que a crise nas alturas ganhou uma dinâmica infernal e facilita sobremaneira uma virada na correlação de forças em favor das lutas dos trabalhadores e do povo contra o governo genocida. Julho de 2021 vai entrar para a história como o mês da formação do gabinete Bolsonaro-Ciro-Lira e da desmoralização do partido militar como não havia se visto desde o final da ditadura.

É verdade que, por um lado, ainda não tivemos uma virada qualitativa na correlação de forças que coloque as massas trabalhadoras na ofensiva contra o governo Bolsonaro em gigantescas mobilizações como vimos recentemente no Chile e na Colômbia. Vejamos qual será a repercussão da crise nas alturas nas manifestações convocadas para 24 de julho.

No entanto, é evidente que a crise nas alturas ganhou uma dinâmica infernal e facilita sobremaneira uma virada na correlação de forças em favor das lutas dos trabalhadores e do povo contra o governo genocida. Julho de 2021 vai entrar para a história como o mês da formação do gabinete Bolsonaro-Ciro-Lira e da desmoralização do partido militar como não havia se visto desde o final da ditadura.

Em 1984, a ditadura caiu de pé num acordo para a eleição de Tancredo e Sarney no colégio eleitoral, mas caiu pela força das mobilizações das Diretas Já. Em 2021, o partido militar está dando espasmos desesperados com ameaças de golpe, enquanto é defenestrado pelo Mito para uma posição secundária completamente desmoralizante.

Para virar definitivamente a correlação de forças e derrubar Bolsonaro a quantidade da crise nas alturas deve se consubstancializar no salto de qualidade da ação de centenas de milhares e milhões pelo Fora Genocida! A grave crise econômica e social, os mais de 500 mil mortos, a indignação crescente expressa nas pesquisas, a redução quantitativa dos níveis de contágio e mortes devido ao cambaleante avanço da vacinação podem transformar o dia 24 de julho no primeiro dos últimos dias do governo Bolsonaro. Essa deve ser a nossa aposta. Por essa aposta devemos lutar com todas as nossas forças nos próximos dias e meses. É preciso golpear o inimigo quando ele se encontra mais frágil. A hora é agora!

*Militante da Resistência/PSOL

NOTAS

[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2021/07/22/centrao-da-golpe-nos-generais-assume-governo-e-decidira-destino-do-mito.htm
[2] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4939123-bolsonaro-defende-alianca-com-pp-eu-sou-do-centrao.html
[3] https://cultura.uol.com.br/noticias/32005_forcas-armadas-precisam-se-decidir-se-estao-com-bolsonaro-ou-com-a-democracia-diz-artigo-no-nyt.html
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24J / Fora Bolsonaro