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CULTURA

A arte na luta pelo #ForaBolsonaro

Micael Carvalho*, de São Luís, MA

Rio de Janeiro – Manifestantes protestam contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (29) — Foto: Ricardo Moraes/Reuters

“Marx incluiu a reflexão sobre o fenômeno artístico no interior de sua concepção ontológica:
a arte, assim, foi pensada como parte integrante do processo de
 humanização, como forma específica pela qual os homens se objetivam. 
Ficam assim anunciadas as possíveis funções da arte:
 humanização dos sentidos, forma de conhecimento
 e intervenção na realidade social” 

(Celso Frederico – Ensaios sobre Marxismo e Cultura)

As últimas manifestações de rua, com todos os cuidados sanitários que o momento exige, retomam uma disputa fundamental para a derrubada do governo Bolsonaro. Enfrentar o bolsonarismo, combater o neofascismo nas ruas e apresentar uma alternativa à esquerda são os principais desafios da resistência nesse cenário de barbárie, com a violência da política genocida que vivenciamos. 

Durante todo o período da pandemia, o setor de cultura tem sido drasticamente afetado com o desemprego ou redução substancial das atividades laborais. Ao mesmo tempo, assistimos a um processo de intensivas discussões em torno das políticas públicas de cultura para o fomento à renda emergencial mensal aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura.

A Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/2020) (1), que prevê auxílio financeiro ao setor cultural, dispondo sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, foi um importante marco de conquista dos(as) trabalhadores(as) da cultura em nosso país. E mais do que uma medida pontual, essas políticas necessitam se consolidar como política permanente, compreendendo as contribuições culturais e de circulação financeira que esse setor mobiliza em várias frentes de trabalho.

Foi também na pandemia que assistimos, de forma mais perceptível, a função da arte nas articulações das nossas subjetividades e objetividades. O isolamento social, acompanhado das consequências psicológicas que o momento impôs, possibilitou a leitura mais qualificada sobre o potencial que as expressividades artísticas produzem nas emoções cotidianas, nas leituras sobre a realidade desigual e contraditória e, também, na disputa ideológica sobre os sentidos da vida e a compreensão sobre a construção da humanidade. 

Arte é manifestação dos sentimentos com intencionalidades construídas para atingir nossos sentidos. Arte é parte da cultura e a cultura é produto das relações produtivas do ser humano sobre a natureza. A cultura, portanto, é consequência da existência humana, fruto da vida concreta na sociedade em que vivemos e das condições, principalmente sociais que nos circundam (2).

Assistimos em nossos celulares, computadores e televisões inúmeras iniciativas artísticas capazes de nos sensibilizar e de imprimir esperança em nossas vidas. Espetáculos teatrais e de dança, apresentações musicais, charges, tirinhas, colagens, projeções visuais e audiovisuais em prédios, poesia, dentre outras modalidades artísticas fizeram e fazem parte de instrumentos possíveis para a intervenção na realidade social. 

Newton Duarte (3), em suas leituras acerca da função social da arte, a partir de Vygotsky e de Lukács, traz reflexões compreendendo a Arte como manifestação sensível do espírito, onde ela exerce uma função mediadora, unindo o sensível e o inteligível; o finito e o infinito; o subjetivo e o objetivo; a natureza prisioneira de si mesma e a liberdade de pensamento. Para Duarte, a Arte também pode contribuir na libertação das malhas da alienação social. Evidentemente que a arte não pode ser reduzida às demandas do cotidiano, mas ela pode fazer provocações para novas ações. Portanto, a Arte se comporta dialeticamente a partir das mediações que envolve reflexão da vida e crítica a vida. 

Os atos do dia 29 de maio (29M), 19 de junho (19J) e 3 de julho (3J) foram recheados de intervenções artísticas que impulsionaram uma dinâmica potencializadora para as manifestações de rua no país. Os atos monótonos, frios,  e unicamente com falas sequenciais repetitivas talvez não cumpra o papel efetivo de dialogar com nossa classe e agitar fragmentos de um programa para o nosso povo. A arte nas manifestações, além de dar ânimo e energia para os atos na rua podem cumprir também uma função educativa de nossas subjetividades, contribuindo para nossa formação e produção do pensamento crítico. O lúdico pode assumir um caráter transformador das nossas emoções e ações. 

Um destaque especial nos últimos atos tem sido a manifestação de expressividades artísticas da cultura popular.   A cultura popular é também sinônimo de resistência, podendo fazer enfrentamento à dominação de classes, nos diversos modos de expressão. Antonio Augusto Arantes (4) defende que a resistência ocorre quando a participação  nos diversos espaços alternativos, fragmentários desenvolvem as suas formas de expressão, a partir das suas maneiras de pensar, de agir, de fazer e, sobretudo, de organizar conjuntos de relações sociais capazes de tornar viáveis, política e materialmente, as suas atividades.

A esquerda brasileira pode avançar na compreensão da arte em suas diversas dimensões, sem se ater ao utilitarismo, ampliando suas leituras que envolvem a presença de artistas e suas produções nas manifestações (e para além delas). É possível combinar forma e conteúdo nas disputas políticas sem abandonar princípios revolucionários. A estética também é política. Nossas cores, nossos corpos, nossos sons tem ecos de Resistência! 

Indicações de leituras e filme:

CELSO, Frederico. Ensaios sobre marxismo e cultura. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2016. 

ESTEVAM, Douglas; COSTA, Iná Camargo (org.) Revolução, arte e cultura. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

KONDER, Leandro. Os marxistas e a arte: breve estudo histórico-crítico de algumas tendências de estética marxista. 2. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2013.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. Tradução de José Paulo Netto e Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida. 1. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2010.

Filme NO. 1h 57min / Histórico, Drama. Direção: Pablo Larraín.

*Micael Carvalho é militante da Resistência PSOL-MA, professor de música e membro da diretoria da APRUMA, seção sindical do ANDES-SN.

NOTAS

(1) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14017.htm
(2) O conceito de cultura: definição e compreensão a partir da teoria marxista (Julia Malanchen). Disponível em: https://docplayer.com.br/29658826-O-conceito-de-cultura-definicao-e-compreensao-a-partir-da-teoria-marxista.html
(3) Os conteúdos escolares e a transformação da água em vinho. In: Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição a teoria histórico-crítica do currículo. Campinas – SP: Autores Associados, 2016.
(4) ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura Popular. 14 ª Edição. São Paulo. Editora Brasiliense, 1998
Projeção em São Paulo mostra bolsonaro confuso com máscara de proteção – Reprodução
São Paulo – Manifestantes usam caixas de remédio para protestar contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (29) na Avenida Paulista — Foto: Taba Benedicto/Estadão Conteúdo
Rio de Janeiro – Manifestantes protestam contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (29) — Foto: Ricardo Moraes/Reuters
Abre Alas do Ato em João Pessoa. Bolsonaro sucumbe à vacina; única solução para a pandemia. – Heloisa de Sousa
Intervenção na Ponte São Francisco, em São Luís – MA. Foto: @daniel9d
Apresentação do Boi União da Baixada, no ato do dia 3 de julho em São Luís – MA. Foto: Micael Carvalho
Grupo Maratuque no ato do dia 3 de julho em São Luís – MA. Foto: Micael Carvalho
Grupo Maratuque no ato do dia 3 de julho em São Luís – MA. Foto: Micael Carvalho
Santa Catarina – Manifestantes protestam contra o presidente Jair Bolsonaro no centro de Florianópolis, na manhã deste sábado (3) — Foto: Diorgenes Pandini/Estadão Conteúdo
São Paulo – Protesto contra Bolsonaro na avenida Paulista. — Foto: REUTERS/Roosevelt Cassio
http://www.sindiserfrs.org.br/atos-em-porto-alegre-defendem-vacina-ja-para-todos-quebra-de-patentes-emprego-e-fora-bolsonaro/
Em Brasília, o #LevantePelaTerra grita “Garimpo em Terras Indígenas Nunca Mais” durante o ato do #19J
Foto: Yasmin Velloso

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