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BRASIL

Rachadinha: surgem indícios de envolvimento direto de Bolsonaro em desvio de salários

Em reportagem de Juliana Dal Piva, do UOL, a ex-cunhada de Bolsonaro, Andreia Siqueira Valle, revelou que o irmão foi demitido ao se negar repassar o dinheiro ao, na época, Deputado Federal.

da redação
Montagem: Pedro Ravasio/EOL

Gravações inéditas apontam o envolvimento direto do presidente da República, Jair Bolsonaro, no esquema ilegal de entrega de salários de assessores na época em que ele exerceu seguidos mandatos de deputado federal (entre os anos de 1991 e 2018).

Em reportagem de Juliana Dal Piva, do UOL, a ex-cunhada de Bolsonaro, Andreia Siqueira Valle, revelou que o irmão foi demitido ao se negar repassar o dinheiro ao, na época, Deputado Federal.
Em áudio, ouvimos a voz de Andrea:

“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo”.

A denúncia da ex cunhada é o primeiro indício do envolvimento direto de Bolsonaro no esquema das rachadinhas. Segundo Andrea, Bolsonaro chegou a retirar um familiar dela do esquema por não entregar o valor combinado, quase 90% do salário. Ela foi a primeira dos 18 parentes da segunda mulher do presidente que foram nomeados em um dos três gabinetes da família Bolsonaro (Jair, Carlos e Flávio) no período de 1998 a 2018.
Os áudios podem ser ouvidos no vídeo a seguir, do UOL:

Entre 2018 e 2019, Andrea disse ao UOL que tentou falar sobre a situação com a irmã, Ana Cristina, e com um tio, o coronel do Exército Guilherme dos Santos Hudson, ex-colega de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras). A fisiculturista afirmou ainda que chegou a fazer contato com o gabinete de Flávio Bolsonaro, mas ninguém quis atendê-la.

“Porque assim, eu procurei a Cristina, o tio, liguei para o gabinete do Flávio para saber o que tinha que fazer, fiquei com medo de complicar as coisas para eles, ainda pensei neles”, afirmou Andrea, nas gravações. Em seguida, confessou: “Na hora que eu estava aí fornecendo também e ele estava me ajudando porque eu ficava com mil e pouco e ele ficava com sete mil reais, então assim, certo ou errado agora já foi, não tem jeito de voltar atrás”.

André é o irmão caçula de Ana Cristina e Andrea. O produtor de eventos constou como assessor do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro em dois períodos: O primeiro entre agosto de 2001 e fevereiro de 2005. Um ano depois, em fevereiro de 2006, ele foi novamente nomeado no gabinete do “02” e lá ficou até novembro do mesmo ano.

Ao longo das investigações sobre rachadinha no caso do senador Flávio, o MP-RJ verificou que o núcleo de 10 familiares de Ana Cristina Valle, que constaram como assessores de Flávio, sacou em dinheiro vivo, em média, 83% do salário. O montante chegou a R$ 4 milhões no período. Em todas as vezes que foi procurada anteriormente sobre o assunto, Ana Cristina negou irregularidades.

O caso Queiroz e a família Bolsonaro

Desde o ano passado, o Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro investiga desvios e irregularidades financeiras no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando ele exercia mandato de deputado estadual.

Segundo o MP, Fabrício Queiroz recebeu mais de 2 milhões de reais de 13 funcionários do gabinete do filho “01” de Bolsonaro. O montante recolhido por Queiroz abastecia o esquema milionário de enriquecimento ilícito de Flávio, que utilizava uma loja de chocolates para “lavar” o dinheiro sujo. Os recursos públicos desviados pela organização criminosa comandada pelo “01” funcionava desde 2007. Além do esquema na Alerj, Flávio é investigado por transações suspeitas que envolvem 37 imóveis no Rio de Janeiro.

O escândalo da “rachadinha” reforça evidências das relações carnais entre a família Bolsonaro e as milícias cariocas, assim como demonstra cabalmente que a corrupção patrocinou o rápido enriquecimento da família presidencial.

O escândalo da “rachadinha” reforça evidências das relações carnais entre a família Bolsonaro e as milícias cariocas, assim como demonstra cabalmente que a corrupção patrocinou o rápido enriquecimento da família presidencial. Queiroz, o operador do esquema foi preso em Junho do ano passado, após ser encontrado em sítio em Atibaia, em um imóvel que pertence a Frederick Wassef, advogado do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Flavio. Em março deste ano, STJ decidiu pela liberdade a Fabrício Queiroz e à sua mulher Márcia.

Assim que foi posto em liberdade, Queiroz retomou sua rotina de alinhamento com a família Bolsonaro, fazendo postagens favoráveis ao clã nas redes sociais. Ele também tem feito acenos defendendo as mesmas posições do presidente Jair Bolsonaro. Em abril, tentou emplacar uma de suas filhas em uma vaga na Casa Civil do Palácio Guanabara. No entanto, quando a nomeação foi descoberta, a equipe do governador do Rio, Cláudio Castro, voltou atrás e a tornou sem efeito.

“Familícia”

O ex-policial militar, Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de ser um dos principais chefes da milícia “Escritório do Crime e que foi morto de modo suspeito pela polícia da Bahia, no início do ano, quando se encontrava foragido no estado, era amigo pessoal de Fabrício Queiroz.

Capitão Adriano, como era conhecido, já foi homenageado por Flávio Bolsonaro na ALERJ, quando já era acusado de um homicídio. A sua mãe e sua esposa foram por anos funcionárias do gabinete de Flávio. Conversas entre Queiroz e a esposa de Adriano no aplicativo WhatsApp comprovam o elo entre o esquema do gabinete de Flávio e o miliciano morto.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou, em fevereiro de 2021, a decisão que autorizou as quebras de sigilo no caso do senador Flávio. O MPF e o MP-RJ recorrem dessa decisão. Novos fatos podem motivar um novo desfecho ao caso.

Jair Bolsonaro é o verdadeiro 01

Em troca de mensagens revelada pelo UOL, a mulher e a filha de Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar e Nathália Queiroz, se referem ao presidente Jair Bolsonaro como “01”. Os áudios são de outubro de 2019, período em que o policial militar reformado ficou escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia, no interior de São Paulo. Márcia afirmou que “o 01, o Jair, não vai deixar”, em referência a um possível retorno de Queiroz para seu antigo cargo de assessor de Flávio Bolsonaro.

Queiroz não era o único a coordenar a rachadinha

O coronel do Exército Guilherme dos Santos Hudson, ex-colega de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), também desempenhava papel no esquema.

Andrea contou ao UOL que ia com o tio ao banco sacar o dinheiro do salário dela todos os meses. “O tio Hudson também já tirou o corpo fora, porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele”, afirmou Andrea.

Bolsonaro pode ser investigado por atos anteriores ao mandato

De acordo com o artigo 86 da Constituição Federal, o “presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

No entanto, segundo a interpretação de alguns ex-procuradores-gerais da República, Bolsonaro pode sim ser investigado. Como ocorrido, por exemplo, com o ex-presidente Michel Temer (MDB). O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles avaliou à coluna de Juliana Dal Piva que o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, pode investigar o presidente Jair Bolsonaro pelos indícios apontados por reportagens do UOL sobre a existência da prática de rachadinha no gabinete dele quando era deputado federal.

Embora o exercício do cardo de Presidente da Republica resguarde foro privilegiado, existe a compreensão de que Bolsonaro pode responder normalmente por crimes ocorridos antes da posse de Bolsonaro.

Em 2017, o ministro do STF Edson Fachin autorizou uma investigação contra Temer, por exemplo. Executivos da Odebrecht afirmaram em delação premiada que repassaram R$ 10 milhões ao então PMDB para auxiliar nas eleições de 2014.