As coisas foram difíceis de 2015 até aqui
Desde a abertura de uma situação política reacionária, marcada pelos atos da direita de 2015 e consolidada pelo golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff da presidência em 2016, a ofensiva dos ricos e poderosos contra os nossos direitos sociais e o crescimento da extrema direita tiveram um duro impacto sobre as LGBTQIA+.
A retirada de direitos e as contrarreformas neoliberais atingem mais duramente os setores oprimidos: a emenda constitucional do teto de gastos (aprovada em 2016), por exemplo, que impede a ampliação dos gastos do Estado por 20 anos, implica na não ampliação de investimentos do Estado em saúde, educação, assistência social, etc. Quem mais sofre com medidas como esta é quem mais depende dos serviços públicos, o que, obviamente, está relacionado com as diversas formas de vulnerabilidade social, ligadas aos marcadores de opressão (raça, gênero, sexualidade, etc).
Além da política neoliberal que nos atinge em cheio, o crescimento da extrema direita no âmbito disso, que costuma ser chamado de “onda conservadora”, nesse período de 2015 para cá, tem como um dos seus eixos principais o combate frontal à diversidade de gênero e sexualidade. Abordamos um pouco desse tema em um outro texto publicado aqui no Esquerda Online, buscando demonstrar a importância do tema LGBTQIA+ para a política bolsonarista e a mobilização de suas bases. O fato é que o bolsonarismo se apoiou em ideologias e preconceitos pré-existentes na classe trabalhadora e utilizou sua máquina de fake news e mobilização digital para difundir ideias ultra conservadoras. Inaugurado pela polêmica do “kit gay em 2011”, foi um dos principais temas de disputa política pela extrema direita desde então, a exemplo das disputas em torno do PNE e dos PMEs em 2014/2015, as emendas da opressão e censura nas escolas e o crescimento do movimento escola sem partido.
Em 2018 tivemos Bolsonaro eleito presidente, além de um dos parlamentos mais conservadores já eleitos na história do país, com atuação direta das igrejas evangélicas e do movimento escola sem partido, entre outras organizações da nova direita. No ano do assassinato de Marielle Franco, a violência política foi uma das grandes marcas da eleição. O então deputado eleito Jean Wyllys (que foi o primeiro parlamentar abertamente gay e ativista da história do Brasil) sofreu dura perseguição política, com difusão massiva de fake news envolvendo pedofilia, e sofreu ameaças de morte que o levaram a abandonar o mandato e partir para o exílio ainda nos primeiros meses de 2019.
Desde 2018 todos nós vivemos com mais medo do que de costume, e é um medo bem fundamentado: em 2020 174 travestis foram assassinadas, número recorde desde que a ANTRA passou a registrar esses dados anualmente. Cresceu o medo de andar na rua de mãos dadas e encontrar grupos violentos de extrema direita.
O nosso orgulho pode ser o medo deles: a nova conjuntura aberta com os atos do 29M e do 19J, rumo ao 3J!
Partimos do pressuposto da importância das questões de gênero e sexualidade para a política bolsonarista, entendemos que a agitação da extrema direita em torno do tema não se trata de uma “cortina de fumaça”, na verdade é algo que se articula com e fortalece a ofensiva burguesa contra os direitos sociais e deve ser um dos fios condutores do enfrentamento ideológico à extrema direita.
O fato é que a ofensiva bolsonarista dificultou a vida das LGBTQIA+ e, ainda que não tenha havido retrocessos nos direitos de igualdade formal conquistados (pelo contrário, tivemos conquistas como o direito de retificação de nome para pessoas trans em cartório, sem necessidade de processo judicial, em 2018), houve um perceptível aumento da violência contra as LGBTQIA+, física e simbólica. Houve também graves retrocessos no âmbito das políticas públicas, além de ter sido instaurado um clima de censura e perseguição nas escolas em torno dos debates de gênero e sexualidade.
O pavor dos bolsonaristas é ver as LGBTQIA+ trabalhadoras organizadas politicamente para resistir. Não à toa a série de ameaças de morte e atentados contra as parlamentares trans eleitas em 2020.
A nova conjuntura aberta pela luta organizada de setores da nossa classe e da juventude nos atos do 29M e 19J abriu uma margem importante para armar nosso contra-ataque.
A correlação de forças na sociedade mostra indicações de poder ser revertida na medida que se desenvolvam os processos de mobilização, processo no qual as LGBTQIA+ tem um papel fundamental a cumprir.
É uma tarefa urgente derrubar o governo Bolsonaro, não é possível esperar até 2022: quantas vidas seriam perdidas até a próxima eleição? E, mais do que isso, o fascismo não se derrota nas urnas, não está descartada a possibilidade de que Bolsonaro volte a se fortalecer politicamente até o ano que vem.
É necessária, e a realidade mostrou que é possível, a ampla unidade dos partidos e organizações da classe trabalhadora e oprimida e da juventude, nas ruas pela derrubada desse governo e em luta em defesa da vida, por comida no prato e vacina no braço de todos os brasileiros.
Nesse sentido, é tarefa de toda LGBTQIA+ compor os atos pelo Fora Bolsonaro convocados para o dia 03/07 em todo o Brasil. Bem como é tarefa da esquerda de conjunto abraçar as pautas das LGBTQIA+, pois só é possível unificar o conjunto da classe para enfrentar Bolsonaro com um programa que contemple suas variadas pautas e sensibilidades, apresentando respostas para seus problemas mais sentidos.
É hora de organizar a ofensiva da nossa classe contra esse governo, e ela deve ser trabalhadora, preta, feminina e multicolorida! É preciso fazer tremer o neofascismo diante da bandeira das cores do arco-íris. Que a história de Stonewall nos anime a fazer uma nova rebelião: todas às ruas no dia 03/07, para fazer parar o genocídio do nosso povo!
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