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BRASIL

O Genocida e a burguesia criminosa

Bruno Figueiredo*, de São Paulo, SP

Bolsonaro e seus 6661 motoqueiros do apocalipse cavalgaram junto com a Peste, a Fome, a Guerra aos pobres e a Morte. Emergiu da desesperança um Dragão de Sete Cabeças: o mercado financeiro, as milícias, a “ala ideológica”, a “ala religiosa“, os militares, o “centrão” e a “ala do judiciário”. Um olhar mais atento poderá perceber que existem relações mais profundas entre tais vertentes.  Bolsonaro desfilou com uma placa escrita “CPF cancelado”, que é uma expressão dos milicianos quando executam uma pessoa. Em maio de 2020, Bolsonaro, juntamente com um bando de empresários, foi ao Supremo Tribunal Federal clamar para que se “salvem os CNPJs”. Em detrimento das pessoas, que seriam meros “CPFs”. Paulo Guedes em vários momentos já expressou que prefere que as pessoas morram. Como quando disse que as pessoas querem viver até 100 anos. Avança a CPI que constata cada vez mais uma política Genocida do governo federal como um todo.

 A política de extermínio da população fica cada vez mais evidente. Ainda existem aquelas pessoas que acreditam que Bolsonaro errou os cálculos quando não poderia imaginar que surgiria uma nova variante da COVID. Na verdade, nunca passou pelos planos dele de fato imunizar a população, seja com vacina ou por qualquer meio. O objetivo sempre foi o morticínio. Entretanto, não se está diante de uma caricatura de Nero passeando de motocicleta enquanto Roma arde em chamas. Um projeto de tal envergadura atende aos interesses de classe de um setor social. 

 A burguesia brasileira aceitou e investiu em um projeto fascista com a ascensão de Bolsonaro. Tal projeto visa a destruição dos sindicatos, eliminação de válvulas democráticas, tornando o Judiciário cada vez mais um mero fantoche. A estratégia é uma elevação das taxas de exploração de mais-valia. Reduzindo drasticamente o valor pago por hora de trabalho no Brasil. Hoje formalmente no Brasil o salário mínimo equivale a pouco mais do que 200 dólares, a meta é jogar para patamares inferiores a 100 dólares. Se hoje já temos salários piores do que na Líbia, Argentina e Irã, pretende-se pagar aqui menos do que no Haiti ou no Chade. Alguns setores pretendem também desindustrializar o Brasil, focando na exploração de “commodities”, ou seja petróleo bruto, minérios, soja e madeira. Nesse projeto haveria uma grande “sobra” de mão de obra. Portanto, uma elevada taxa de mortalidade termina por fazer parte dos planos. O capitalismo torna-se uma destruição das forças produtivas. Portanto, para ampliar a exploração, a burguesia precisa eliminar pessoas. A ideia de que as pessoas possam ter uma velhice tranquila com seus netos não está nos planos da burguesia. A elevação da taxa de exploração torna-se visível quando observamos o índice de Gini, que basicamente é uma forma de calcular a desigualdade social de um país, quando mais próximo a 1 maior a desigualdade de renda, quanto mais próximo a 0 maior a igualdade salarial. O índice antes do golpe, em 2015 era de 0,493, em 2019 o índice foi para 0,543, em 2020 foi para 0,642 e em 2021 chegou a 0,674. 

Tal projeto político e econômico do fascismo encontra amplo apoio em um setor social da burguesia que já não tem qualquer fronteira de separação com o crime organizado. Há uma relação estrutural profunda de um setor burguês com as atividades criminosas. Isso não chega a ser uma novidade, nem no Brasil nem no mundo. O que talvez seja um salto substancial seja a forma escancarada da relação de Bolsonaro com as chamadas “Milícias”. Sendo as próprias milícias uma forma escancarada de penetração do crime organizado dentro das forças armadas. De modo que, o projeto fascista no Brasil encontra como alavanca ideológica teocrática as chamadas “Igrejas pentecostais”, que fazem uma pregação fascista dentro das polícias e forças armadas. 

O jornalista italiano Roberto Saviano (1) no seu livro “Gomorra” apresenta como os negócios da máfia napolitana, a Camorra, estão interrelacionados com toda a economia formal. Demonstrando a exploração de mão-de-obra na fabricação de roupas de alta-costura, tráfico de pessoas, lixo tóxico em depósitos clandestinos, fabricação de cimento, a indústria da construção civil sem equipamentos de segurança ou mesmo licença para levantar seus prédios. Partindo da observação que o autor faz da realidade na Itália pode-se notar muitas semelhanças com o que ocorre no Brasil. Na verdade, muito provavelmente hoje no Brasil devemos estar em um patamar muito pior do que a Itália em qualquer tempo. Quando caem prédios matando famílias da classe trabalhadora na zona oeste do Rio de Janeiro, são mortes provocadas pela “milícia”, ou seja, pelo crime organizado. O crime organizado no Brasil assume o controle de diversos ramos da economia. Indo muito além do comércio de drogas ilícitas. Em diversas comunidades o crime é o monopólio de diversos ramos da economia. Desde o “gato-net”, passando pelo gás, construção, aluguéis, até o controle da mão de obra por meio de empresas “terceirizadas”. Mas também tem suas garras no agronegócio, no desmatamento, grilagem de terras e extração predatória de minerais. Mas o grande negócio do crime sempre passa pela lavagem de dinheiro. Por isso, o grande interesse do “mercado financeiro” neste governo. São grandes agiotas e especuladores, que fazem trambique encoberto com um frágil manto de legalidade. Não por acaso os juízes bolsonaristas têm relações próximas com os supostos “delatores”, que são os chamados “doleiros”. Não existe a profissão de “doleiro”, essa é uma forma que a mídia chama aqueles que fazem lavagem de dinheiro.

O crime organizado eleva as taxas de exploração de mais-valia. O crime-organizado garante a burguesia burlas às leis e mesmo às próprias leis de mercado. De modo que as estruturas criminosas passam a ser parte integrante da grande burguesia. A superexploração da mão de obra impõe condições similares ao trabalho escravo. Nega o direito de organização aos trabalhadores. Elevando os acidentes de trabalho e as mortes, mas a classe trabalhadora é um elemento descartável e abundante para a burguesia brasileira. 

 Só em números oficiais hoje temos meio milhão de mortos. Um dia talvez tenhamos a dimensão exata dos mortos, não é possível hoje se ter certeza. Existem algumas pessoas que tentam debater o conceito de genocídio, com dúvidas se sua aplicação estaria correta no caso do Brasil. Um argumento comum é se o alvo seria algum grupo étnico ou religioso específico. De fato, nos termos do Estatuto de Roma (2), no Art. 6º, a definição de Genocídio está atrelada a atos praticados contra “um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Pode-se adentrar no debate se o genocídio de Bolsonaro é contra os pobres, ou contra o conjunto dos brasileiros. Entretanto, fica evidente que houve uma violação ao Art. 7º, do mesmo Estatuto de Roma. Tendo havido “Crime contra a Humanidade”. Talvez caiba um debate se estaria na alínea “a”, assassinato, ou na alínea “b”, extermínio. O próprio Tribunal Penal Internacional detalha as condições para cada tipificação (3). Para tipificar Extermínio o TPI usa os seguintes parâmetros:

  • O perpetrador matou uma ou mais pessoas, inclusive infligindo condições de vida calculadas para provocar a destruição de parte de uma população.
  • A conduta constituiu, ou ocorreu como parte de, um assassinato em massa de membros de uma população civil.
  • A conduta foi cometida como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra uma população civil.
  • O perpetrador sabia que a conduta fazia parte ou pretendia que a conduta fosse parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra uma população civil.

Ocorre que Bolsonaro agiu com o que se chama “dolo eventual”, ou seja, assumiu responsabilidade de produzir tais atos. Merece destaque o trecho que especifica “inclusive infligindo condições de vida calculadas para provocar a destruição de parte de uma população”. A negativa do oxigênio para Manaus, as dezenas de negativas para as vacinas, a política sistemática de incentivo a remédios ineficazes, o charlatanismo, a negativa permanente de políticas públicas para controlar a COVID. Toda conduta do Governo Bolsonaro se encaixa exatamente na tipificação do Estatuto de Roma no Art. 7º, b. Tendo assim cometido crime de Extermínio contra a Humanidade. Mas, para além disso, parte da burguesia brasileira também deverá ser condenada por tais crimes. Portanto, a burguesia não apenas se misturou com bandos de criminosos, como se tornou parte de um projeto de Crime contra a Humanidade. O Art. 28 do Estatuto de Roma estabelece que a responsabilidade recai sobre quem tenha poder de comando. Portanto, tanto Bolsonaro, que gosta de ser chamado de comandante em chefe, quanto seus ministros e generais, devem um dia responder por tais crimes.

Quando houver uma nova redemocratização do Brasil será necessário um Tribunal para retomar uma Justiça de Transição. Os crimes praticados pela burguesia brasileira precisam ser julgados um dia. A transição incompleta desde a última ditadura abriu margem para que o ovo da serpente brotasse. O Judiciário brasileiro quando anistiou os torturadores passou a ser conivente com os novos crimes contra a humanidade que foram cometidos depois. Que a classe trabalhadora tenha força para um dia poder impor a Justiça.

*Advogado e militante da Resistência/PSOL

NOTAS

(1) Saviano, Roberto; Gomorra: história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana; Bertrand Brasil. 12ª Ed.

(2) https://www.icc-cpi.int/Publications/Rome-Statute.pdf

(3) https://www.icc-cpi.int/Publications/Elements-of-Crimes.pdf