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O sectarismo não nos leva a lugar nenhum

É preciso unidade para combater Bolsonaro

Reprodução (Detalhe)

Der Blaue Reiter, 1903, Wassily Kandinsky

Gabriel Santos

Garbriel Santos é alagoano, estudante da UFRGS, militante da Resistência-PSOL (RS), vascaíno e filho de Oxóssi.

Os protestos de rua que aconteceram no mês de maio mostraram a importância da unidade e da frente única para conseguirmos combater a política de morte de Bolsonaro e da extrema direita. Porém, mostrou também que o divisionismo e práticas sectárias ainda são bastantes comuns na esquerda socialista. 

No dicionário da política e dos movimentos sociais, um dos termos mais recorrentes é o sectário. Qualquer ativista com ingresso mais ou menos recente nos movimentos sociais já escutou o termo, e pasmem, no decorrer de sua caminhada vai acusar ou vai ser acusado de ter atitudes sectárias. 

O termo sectarismo foi pego emprestado da religião. Ele surge para designar aqueles que têm atitudes das pequenas seitas. As seitas religiosas se caracterizam por serem completamente fechadas em si mesmas e nas suas doutrinas, com posições intransigentes para diferenças, afirmando suas posições como aquelas que são corretas e iluminadas. As seitas costumam enxergar aqueles que estão do lado de fora de suas fronteiras como passíveis da ira divina, pecadores, pagãos, e outros grupos religiosos como aqueles que deturparam e traíram os ensinamentos originais. 

Na política ser sectário é pensar e agir de forma parecida às seitas religiosas. Podemos ver semelhanças com a forma de agir de seitas religiosas com alguns grupos políticos sectários da esquerda socialista efetuando apenas uma mudança no conteúdo. Sai a acusação de infiel, e vêm as de reformista e pelego. Sai a pregação religiosa da palavra de Deus original, e vem a agitação de princípios e doutrinas do socialismo como um fim em si mesmo. Porém, se mantém a afirmação de suas posições como as únicas válidas, sem direito à divergência. 

Dentre a esquerda socialista no Brasil é possível destacar dois tipos de sectarismo, o de grupos pequenos, e o de grupos grandes. 

Nos inúmeros e incontáveis pequenos grupos da esquerda socialista brasileira, normalmente o sectarismo é mais visível e fácil de identificar. Por conta de sua marginalidade social, e posição fora dos grandes debates políticos que ocorrem, estas pequenas organizações se fecham em si. Elas tratam todos e qualquer outro grupo como inimigo. A posição beligerante é uma condição sine qua non para a existência destes pequenos agrupamentos. Eles precisam a todo momento se autoprovar como os mais radicais e mais revolucionários para garantirem sua existência. 

Tais grupos se prendem em debates muitas vezes improdutivos, deslocados da conjuntura, mas que servem para sua auto afirmação e promoção. Assim, criando um universo à parte, sem escolher inimigos prioritários e aliados principais, atacando tudo e todos, estes pequenos grupos se afastam da luta de classe e vive como parasitas, girando em torno de polêmicas com organizações maiores.

Dessa forma não crescem, e como consequência aumentam suas atitudes sectárias e proclamações, gerando um grande ciclo vicioso. No fim terminam por sofrerem com rupturas. 

Porém, existe uma outra espécie de sectarismo, que por sua vez se faz presente em organizações de tamanho maior do que as do exemplo anterior. Justamente por serem grandes, ou terem passado por um recém crescimento, estes grupos passam a achar que o caminho é a sua autoafirmação. Que na política o palavreado revolucionário com agitação do programa socialista são suficientes, e que não precisam de unidade. Afinal as demais organizações são traidoras e reformistas. Normalmente suas atitudes sectárias são explicadas com posições oportunistas nos mais variados debates. 

Seu foco se torna sempre sua própria auto-afirmação. Sua intervenção política termina por ser sempre subjugada a uma compreensão equivocada de que a construção é necessariamente a autoafirmação. Assim, a necessidade de pôr a bandeira em um carro de som, de convocar a manifestação antes que outra força, de levar mais bandeiras que qualquer outro movimento, se torna o centro da atuação. Que qualquer ação que ele não possa controlar é algo ruim e vai terminar desaguando no rio do reformismo e traição. 

Estes grupos se prendem em debates sobre um passado glorioso que não existiu como pintado por eles. Acabam, tal qual os grupos sectários menores, criando um mundo à parte, e deslocados da conjuntura, criam debates infrutíferos mas que giram em torno de si próprios e se afirmam como os mais vermelhos dentre os vermelhos. 

Na política este segundo tipo de sectarismo não aceita divergências, não aceita ser contrariado e não aceita nada que não se submeta a sua vontade, ou seja, nada que ele não impulsione ou não possa controlar. Um erro grave. Justamente porque existem e vão existir sempre divergências entre as forças de esquerda. 

Ao longo da vida, todo militante e toda organização terão atitudes sectárias. A batalha correta a se fazer é buscar impedir que essas atitudes e desvios se tornem um vício e um método de disputa. É um desafio permanente. As pequenas seitas não irão crescer, e as grandes seitas cedo ou tarde irão desmoronar caso não mudem sua visão. O velho trotskista argentino Nahuel Moreno já tinha sua máxima: “o sectarismo destrói uma organização revolucionária”. 

Tanto o sectarismo do pequeno, quanto do médio e grande grupo, são infrutíferos. Eles permitem práticas que não auxiliam a grande tarefa que temos no momento atual: a derrota do projeto da extrema direita e do projeto neoliberal, elaborando uma nova estratégia para a esquerda brasileira que valorize a vida. 

O momento atual da conjuntura exige maturidade para sabermos quem são os inimigos prioritários e quem são os aliados. Nem todas batalhas podem ser lutadas ao mesmo tempo, e nem toda luta vale a pena entrar. São dois ditados que servem para o que vivemos hoje no Brasil.

No momento que a fome e a insegurança alimentar invadem a casa de milhões de brasileiros, em que estamos pertos de atingir a marca de 500 mil mortes na pandemia, e que a política genocida do Estado brasileiro contra a população negra e indígena se intensifica, é inaceitável que, em diversos lugares, organizações e movimentos da esquerda radical atuem de forma que promovam sua autoafirmação e de forma divisionista ao invés de construir pontes. Colocando suas necessidades e vontades acima das necessidades do povo brasileiro. 

Nós temos uma responsabilidade histórica diante do tempo presente. Cabe às organizações da esquerda radical responderem se querem ser maiores que seus egos e assumir papeis mais importantes do que brigas e atitudes sectárias.

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