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MOVIMENTO

Nota do Afronte sobre o 19J: seguir nas ruas para derrubar Bolsonaro e salvar vidas

Coordenação Nacional do Afronte
militantes do Afronte carregam cartazes que simulam a embalagem de cloroquina
@danillobs_

Manifestação no dia 29 de maio, em São Paulo

As manifestações do último dia 29 de maio, as maiores do Brasil desde o início da pandemia, foram uma importante demonstração da força da oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Convocadas pela Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, União Nacional do Estudantes (UNE), Coalizão Negra por Direitos e partidos da oposição, elas levaram centenas de milhares às ruas em todas as capitais do país e também no interior, consolidando uma mudança conjuntural  iniciada com a mobilização chamada pelo movimento negro em 13 de maio, mais favorável às lutas da esquerda, dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Foram as primeiras manifestações diretamente convocadas para lutar pela derrubada do governo desde a vitória da extrema-direita em 2018.

A ida às ruas de milhares de pessoas é justificada pela política genocida e negacionista de Bolsonaro na condução da pandemia, que exigiu uma resposta à altura. Como está evidenciado pela CPI em curso no Senado Federal, o governo brasileiro apostou na contaminação em massa da população, apoiada em um falso tratamento precoce, para atingir a imunidade de rebanho, o que vitimou quase meio milhão de brasileiros, a maioria deles pobres, trabalhadores e negros. Guilherme Boulos, em sua intervenção na manifestação de São Paulo, sintetizou bem o sentimento de quem tomou as ruas: “Viemos aqui hoje para dizer que já basta, que o governo Bolsonaro é mais perigoso do que o vírus […] não vamos observar passivamente nosso povo morrer de vírus e de fome até 2022”.

A força da oposição estava represada nos últimos meses em razão do recuo consciente das forças políticas e sociais da esquerda, que não convocaram amplamente mobilizações de rua nos momentos mais delicados da pandemia, voltando-se para ações simbólicas e para as campanhas de solidariedade nos territórios. Entretanto, ao longo desse período o repúdio ao governo Bolsonaro cresceu e alcançou a pior marca desde o início de seu mandato, porque além do descontrole da pandemia, cresceu o desemprego, a fome, a violência racista do estado e não houve da parte do governo qualquer empenho para aprovar um auxílio emergencial suficiente e digno para as famílias brasileiras. E é neste contexto que está localizado o aumento do repúdio à Bolsonaro, que apesar do desgaste, mantém uma base política de extrema-direita mobilizada, que corresponde a aproximadamente 20%-25% da população.

Durante o dia 29 de maio, as principais palavras de ordem nas manifestações foram o “Fora Bolsonaro” e também a “defesa da vida e da vacina”. É importante destacar também o esforço dos diferentes coletivos, entidades sindicais e estudantis que ajudaram a distribuir álcool em gel, máscaras PFF2 e a organizar as colunas para manter o máximo distanciamento possível. A própria imprensa tradicional (de direita e neoliberal), foi obrigada a destacar não somente a força das manifestações, como também as suas profundas diferenças com os atos pró governo, sempre marcados pela defesa de bandeiras golpistas e pelo negacionismo científico.

Além de pedir a saída de Bolsonaro e mais vacina para a população, uma série de outras reivindicações foram levadas por setores sociais e categorias como a luta contra o genocídio do povo negro, a luta contra os cortes na educação, o repúdio à destruição ambiental, além das bandeiras das greves sanitárias dos docentes e a luta contra as privatizações. Tratou-se, portanto, de uma importante demonstração da frente única da oposição no Brasil, com destaque para a composição majoritariamente jovem no processo.

As lições do 29M e as tarefas do movimento para o dia 19J

 

1 – Não há contradição entre ir para a rua e defender a vida

Desde o início da pandemia a oposição a Bolsonaro defendeu o isolamento social com a garantia de mínimas condições de renda, para que ficássemos em casa evitando aglomerações. Acontece que que nunca houve lockdown no país, nem um auxílio suficiente e os trabalhadores seguem enfrentando multidões no transporte público no caminho ao trabalho. A situação no Brasil se tornou desesperadora, cerca de 125,6 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar e 15% delas passam fome. Somado a isso chegamos a marca de 473 mil mortes por covid, com uma ameaça de terceira onda e sem uma previsão segura de quando teremos vacinas para todos. É como se cobrir com lençol curto: quando cobre a cabeça descobre os pés. Todos os dias o povo precisa sair para trabalhar e enfrentar o coronavírus porque é a única alternativa para ganhar o seu sustento.

O 29M mostrou que parte da população brasileira chegou à mesma conclusão dos nossos irmãos colombianos, que seguem em intensa luta contra o governo direitista de seu país, mesmo em meio à crise da covid-19: se um povo marcha em meio à pandemia é porque o governo é mais perigoso que o vírus. Mantendo as condições sanitárias nos atos, com devida proteção e organização, podemos tomar as ruas sem negligenciar os riscos colocados.

2 – Atenção aos riscos da repressão

Além da atenção com a biossegurança precisamos nos atentar também com a repressão policial. Vimos que em Recife (PE) duas pessoas tiveram a visão comprometida devido a tiros de borracha disparados pela PMPE durante o 29M. Aliás, a barbárie vivida na capital pernambucana foi só mais um evento que indica o autoritarismo vigente no país, que nas últimas semanas produziu o massacre do jacarezinho³ e mais uma vez utilizou a Lei de Segurança Nacional para prender o professor Arquidones Bites, em Goiás, por usar uma faixa “fora bolsonaro genocida” em seu carro. Isso sem falar sobre o caso mais grave, que foi a não punição de Pazuello, ex-ministro da Saúde e oficial da ativa, que participou de manifestação recente em apoio a Jair Bolsonaro, abrindo um precedente perigoso para uma maior politização das forças armadas.

Todos esses casos apontam para um crescimento da influência do bolsonarismo nas forças armadas e reforça o cuidado que devemos ter com essas questões. Pensando nesses cuidados e na importância de evitar qualquer risco imposto pela repressão, além da PFF2, da viseira e do álcool em gel, é importante usar calças e sapatos fechados, ter atenção à saída e chegada das manifestações, se localizar em algum grupo durante o ato e ter sempre uma segunda camiseta sem identificação política. Para entender melhor essas orientações, o Afronte elaborou um Manual do manifestante na pandemia, que você pode acessar no link: https://linktr.ee/afrontenacional.

3) Enfrentar qualquer tentativa de romper a unidade

Uma outra questão importante a ser destacada é a polêmica envolvendo a preparação do dia 29 de maio, a batalha pela frente única e pela unidade de todos os setores que estão dispostos a lutar pelo fora Bolsonaro. Como dito no começo deste texto, a data foi construída a partir de um consenso entre a articulação nacional que agrupa as Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, partidos de oposição e outros movimentos sociais e populares. Apesar do consenso envolvendo a data e sua proposta, alguns grupos como a Unidade Popular, o MES (corrente interna do PSOL) e seus respectivos movimentos de juventude (Correnteza e Juntos), buscaram construir uma convocação paralela, tensionaram a unidade dos atos em vários estados e organizaram uma plenária no último dia 01 de junho para “definir o próximo dia nacional de luta pelo fora Bolsonaro”, como se coubesse a um único setor do movimento essa responsabilidade.

Nós do Afronte! não concordamos com esse tipo de iniciativa divisionista e auto proclamatória que, por fora da frente única, e em detrimento da unidade das forças de oposição a Bolsonaro, privilegiam a sua própria auto construção. Nada justifica esse tipo de política, nem mesmo a vacilação das direções majoritárias da esquerda brasileira que, como sabemos, recuaram das manifestações de rua em algumas capitais. É no marco da unidade do movimento e ao longo da batalha pela frente única que devemos derrotar as posições das direções que vacilam. O bolsonarismo não é como a direita neoliberal, sua política é a mobilização permanente da militância neofascista e dos braços milicianos entre as forças armadas corruptas. É por isso que o bolsonarismo não cairá do dia para a noite, nem mesmo se for derrotado eleitoralmente. Desta forma, a convocação de iniciativas unilaterais que subestimam Bolsonaro e sua base, dispersam o movimento, confundem o ativismo e objetivamente atrapalham a luta pela derrubada do governo devem ser enfrentadas em todos os espaços.

4) Enfrentar quem quer deixar o Fora Bolsonaro para 2022

O mesmo repúdio deve ser direcionado às direções majoritárias que hoje buscam canalizar as mobilizações para as eleições de 2022 e foram contra a construção dessa mobilização. É o que defendeu a direção do PT em alguns estados, como na Bahia e em Pernambuco, apesar de a posição oficial do partido ter apoiado os atos e de dirigentes como a atual presidente Gleisi Hoffmann estarem presentes. Esta posição é equivocada por dois motivos fundamentais: o primeiro é que não podemos nos dar ao luxo de esperar até o ano que vem, enquanto milhares são mortos todos os dias, vítimas da política genocida do presidente e o segundo é que essa posição também subestima o bolsonarismo e semeia a ilusão de que as eleições serão o principal terreno para derrotar a extrema-direita. Ora, isso não é verdade e devemos nos apoiar nos exemplos recentes da luta de classes no continente americano. Nos EUA foi a força da luta antirracista, que levou milhares às ruas do coração do imperialismo, a responsável pela derrota eleitoral de Trump e segue sendo a única alternativa para vencer de vez o trumpismo ainda presente na política norte-americana. O mesmo serve para o caso da Bolívia, onde a direita aplicou um golpe contra a reeleição de Evo Morales e só foi derrotada após uma intensa resistência popular nas ruas, inclusive com violentos enfrentamentos físicos, e que recolocou o MAS na presidência do país. E é este também o caso do Chile, onde a força da mobilização permanente das massas chilenas arrancaram uma Assembleia Constituinte de maioria de esquerda para enterrar o terrível legado de Pinochet.

5) Exigir das direções majoritárias um compromisso verdadeiro com a luta

A derrota do bolsonarismo está condicionada, portanto, à mobilização do movimento de massas para a luta, passando também evidentemente pelas eleições, mas sem difundir a ilusão de que este será o terreno mais vantajoso para pôr um fim definitivo ao neofascismo no Brasil. E é por isso que deve ser lamentada a ausência de Lula nos protestos. A maior liderança da esquerda brasileira, que teve seus direitos políticos recuperados e hoje lidera as pesquisas de intenção de voto para a presidência, fez um comentário tímido antes do dia 29 de maio, não foi às ruas e nem sequer comentou posteriormente os protestos, ainda que eles digam respeito à maior mobilização pelo fora Bolsonaro desde o início de seu mandato. Defendemos que Lula, assim como as principais organizações da juventude e da classe trabalhadora, empenhem todos os seus esforços e usem da sua autoridade para convocar as novas manifestações com o objetivo de derrubar Bolsonaro e interromper o genocídio em curso no Brasil através do impeachment.

É urgente derrotar Bolsonaro! Rumo ao 19J

Após o sucesso do dia 29M, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro convocou uma nova data para a luta: o dia 19 de junho. A data está sendo construída com muita força e já começou a preparação de plenárias de organização deste dia em muitos estados e municípios. No movimento estudantil, que já retomou seus espaços de discussão e mobilização durante a preparação do dia 29 de maio – ainda que com as dificuldades do ensino remoto – também acontecerão assembleias e atividades de preparação, onde o Afronte jogará o máximo dos seus esforços para construí-las.

Vamos trabalhar para que o dia 19 de junho seja ainda maior, articulando todas as reivindicações específicas das categorias e movimentos ao “Fora Bolsonaro” e à defesa das vidas e da vacina. Como parte da preparação do dia 19 de junho, no dia 13 também ocorrerão iniciativas pontuais e simbólicas para ampliar ainda mais a nossa força de convocação.

Combinado a esse plano de lutas, precisamos também denunciar os erros da política bolsonarista, como a decisão de recepcionar a Copa América no Brasil depois da recusa de outros países no continente sul americano. A decisão de Bolsonaro, que mais uma vez reafirma seu desdém às vítimas da Covid e seu interesse exclusivo na recuperação da sua imagem para 2022, instalou uma crise entre o elenco, o técnico Tite, a direção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o presidente Bolsonaro, com a recusa tácita dos jogadores em participar do campeonato, em que pese que tenham voltado atrás. O mais provável é que essa Copa ocorra em meio a um importante desgaste da decisão de Bolsonaro e da CBF, que essa semana também teve seu presidente afastado por 30 dias para se defender de uma denúncia de assédio moral e sexual por parte de uma funcionária da CBF

Não vamos aceitar a banalização da pandemia, das mortes, da fome, do desemprego, dos retrocessos e nem vamos esperar até o ano que vem para derrotar a extrema-direita. É urgente derrubar Bolsonaro e parar o genocídio em curso no Brasil!

FORA BOLSONARO, por educação, auxílio e vacina. Basta de genocídio!