O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu, nesta quinta-feira, 3, a ação do PSOL e do MTST proibindo despejo de pessoas em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. A decisão tem validade de seis meses. De acordo com Barroso, a medida protege as famílias e, ao mesmo tempo, preserva o interesse da coletividade de combater a propagação da covid-19. Considera também que despejos e desocupações na pandemia violariam o direito a moradia, saúde, vida e dignidade. A determinação foi comemorada nas redes sociais, por entidades e defensores do direito à moradia.
PL aprovado na Câmara aguarda votação no Senado
A aprovação do projeto de lei de autoria de Natália Bonavides (PT), Professora Rosa Neide (PT) e André Janones (Avante) na Câmara no dia 18 de maio, por 263 votos a favor e 181 contrários, representa, assim, um primeiro alento, mas ainda preocupa a demora na aprovação, considerando-se que a medida tem efeito, a princípio, apenas até o fim de 2021.
O PL 827/2020 propõe a suspensão até o final de 2021 de ações de despejo. O benefício dependerá de o locatário demonstrar a incapacidade de pagamento em razão da pandemia e valerá somente para contratos de até R$ 600 mensais para imóveis residenciais e de R$ 1.200 para não residenciais.
Na segunda-feira, 31, a deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) se reuniu com o presidente do Senado, para defender a necessidade da Casa aprovar o projeto de lei aprovado na Câmara que busca impedir despejos, desapropriações ou remoções forçadas durante a pandemia de covid-19. “Apresentamos ao presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) a urgência do Senado aprovar nosso projeto para impedir que pessoas e famílias continuem sendo colocadas nas ruas e expostas às infecções e mortes em decorrência do Coronavírus. O presidente Pacheco anunciou a perspectiva de pautar para votação na próxima semana”, afirmou a deputada.
A suspensão de despejos durante a pandemia já foi adotada por Estados Unidos, França, Argentina, Portugal, Espanha e Alemanha.
Aumentam os casos de despejo e remoções
Além da dor de perder sua moradia, as ações aumentam a exposição da população ao vírus e podem representar em alguns casos uma sentença de morte. Em julho de 2020, quando Balakrishnan Rajagopal, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia, se posicionou contrário aos despejos durante a pandemia, 2 mil famílias já haviam sido expulsas. De lá para cá, o número aumentou. De acordo com a campanha Despejo Zero, mais de 12 mil famílias foram colocadas na rua desde o início da pandemia e mais de 72 mil estão sendo ameaçadas de despejo – o que representa ao menos 261 comunidades.
Mulher luta por moradia, em desocupação no Distrito Federal. Foto: Scarlett Rocha
No estado de São Paulo, o número de ações com pedido de despejo aumentou 79% no primeiro trimestre de 2021. Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação, registram 8.417 ações entre janeiro e março. Foram 4.696 no mesmo período no ano passado. As principais razões apontadas são a falta de pagamento ou a venda do imóvel, obrigando os inquilinos a deixarem o local de moradia. O aumento do desemprego, a insuficiência do auxílio emergencial (quando existe) e o desmonte dos programas habitacionais estão na base do aprofundamento do problema da moradia.
Além dos despejos de imóveis regularizados, a população sofre principalmente com remoções coletivas, que atingem famílias que vivem em ocupações. De acordo com levantamento divulgado pelo LabCidade, 354 famílias foram vítimas de remoções na região metropolitana da capital paulista no primeiro trimestre de 2021. Outras 8.463 vêm sofrendo ameaças.
Ocupações urbanas na mira dos despejos
Ações violentas também ocorreram recentemente em quase todo o país nos dois últimos meses. No domingo, 07 de abril, ocorreu a reintegração de posse de uma ocupação no Distrito Federal, ao lado do CCBB, a mando do governo do estado. A ação violenta deixou pessoas feridas e contou com a destruição de uma escola comunitária, construída pela ocupação, e que tinha convênio com a secretaria de Educação do DF. A ação teve autorização do STF, o mesmo que agora proibiu os despejos.
Moradores sobem no telhado da escola, para impedir a derrubada. Reprodução.
Um dia antes, no dia 06 de abril, moradores(as) da ocupação Vale das Palmeiras, em São José (SC), que estão há mais de um ano no local, receberam uma ordem de despejo.
No domingo, 23 de maio, as 71 famílias da ocupação João Mulungu, em Aracaju (SE) acordaram com um forte aparato militar em frente ao prédio. Durante a desocupação, que contou com bombas, sete pessoas foram presas. A ocupação era organizada pelo MLB (Movimento de Luta dos Bairros).
No dia 27 de maio, em Volta Redonda (RJ), 3.500 pessoas que estavam há seis meses na ocupação da Paz, no Jardim Belmonte, foram expulsas, em uma ação de reintegração, com a tropa de choque da PM. As famílias foram para a prefeitura, exigindo moradia e denunciaram que a área estava abandonada há décadas.
A ação mais recente ocorreu em Fortaleza (CE) de forma totalmente ilegal. Na manhã da quarta-feira, 2 de junho, cerca de 240 famílias amanheceram assustadas, quando dez homens armados apareceram na Ocupação Fazendinha, no bairro do Cambeba, informando que todos deveriam deixar as suas casas. A polícia foi chamada e descobriu entre os capangas do proprietário do terreno que intimidaram os ocupantes cinco policiais civis fora de serviço, que foram detidos. O terreno foi ocupado em abril e se encontrava há quatro décadas desocupado.
Reforma urbana
Os despejos e remoções são reflexo do enorme problema que é o déficit habitacional no Brasil, que, em 2017, era de 7,8 milhões de domicílios, de acordo com dados do próprio governo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estima que, em 2016, haviam 101.854 pessoas em situação de rua no país, número que deve ser maior devido à falta de dados oficiais.
Com os despejos e remoções, esse universo aumenta, e cada vez mais famílias são colocadas nas ruas ou são obrigadas a arriscar suas vidas em moradias precárias, como a construção que desabou nesta semana, na Região Oeste do Rio de Janeiro, matando duas pessoas de uma família.
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