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EDITORIAL

A chacina e a resistência à política de morte do bolsonarismo

Editorial de 12 de maio de 2021

A chacina do Jacarezinho, no dia 05, foi o maior massacre realizado em uma operação policial no Rio de Janeiro e uma das maiores do país. A sua ocorrência não se trata de fato isolado, mas de uma lógica de gestão pública baseada na supressão de direitos e no extermínio do povo negro e pobre. Claudio Castro (PSC) revela a continuidade da política de Wilson Witzel (PSC), que sofreu impeachment do governo do Rio de Janeiro poucos dias antes da chacina, em 30 de abril. Ambos se alinham com o crescimento da extrema direita, surfando na onda do bolsonarismo. Em uma realidade nacional que ruma para as 500 mil mortes pela Covid-19, a ação sistemática das polícias nos assassinatos nos territórios periféricos mostra que a morte e o terror sobre parcelas da população é um eixo da política atual, e remete às raízes profundas de nossa história, com a marca do racismo e da brutal desigualdade social.  

Em resposta à chacina, o movimento negro, por meio da Coalizão Negra por Direitos, está convocando atos em todo país para quinta (13), dia da Lei Áurea, em repúdio ao genocídio, com o lema. “Nem bala, nem fome e nem Covid. O povo negro quer viver!”.

Um ponto dramático em uma longa história de genocídio

A chacina no Jacarezinho ocorreu por meio de uma operação da Polícia Civil chamada Exceptis, e deixou um total de 29 mortos até o momento. A operação foi a mais letal da história do Rio de Janeiro, superando os recordes anteriores: na Vila Operária em Duque de Caxias, em 1998, com 23 mortos; no Alemão, com 19 mortos, em junho de 2007, em Senador Camará, com 15 mortos em 2003, e a de Vigário Geral, em 1993, vitimando 21 moradores. Vale ressaltar que houve um caso de operação policial também com 29 óbitos, em 2005, conhecida como Chacina da Baixada, mas esta foi realizada por policiais à paisana, atuando como grupo de extermínio, diferentemente da ação do dia 06, que foi uma ação oficial da polícia. 

Segundo o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), desde 1989 foram identificadas 23 operações policiais com 10 ou mais mortos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Isso revela o caráter de contra-insurreição permanente das elites brasileiras, com uma política de controle armado e extermínio nos territórios periféricos. Além das operações policiais em favelas, as maiores chacinas do país ocorreram em presídios. É o caso do massacre do Carandiru, em 1992, com a morte de 111 presos e o assassinato de 27 presos em Porto Velho (RO) em 2002, bem como marca os conflitos por terra, como o assassinato de 21 sem-terra pela PM do Pará, em 1996, em Eldorado dos Carajás.

A ação estatal de entrada em territórios periféricos e assassinato em massa é uma ação de Terror de Estado. A prática de extermínio pelas forças policiais retoma as nossas origens escravocratas, com a noção de dominação de pessoas por meio de seu rebaixamento enquanto supostamente menos possuidoras de direitos e do próprio direito à vida. Isso também se revela na política para a pandemia da Covid-19, com a decisão política de Bolsonaro e aliados de sacrificar a vida de centenas de milhares de pessoas, em seu negacionismo e ganância estúpida. 

A extrema-direita e a legitimação política do genocídio

Importante lembrar que Witzel se elegeu reivindicando-se como um seguidor de Bolsonaro, apesar de ter se distanciado dele em seguida pela disputa de base eleitoral. O juiz federal afirmava em campanha que sua orientação seria “atirar na cabecinha”, com relação à política de segurança nas favelas. Da parte de Bolsonaro, a gestão da violência é uma marca de sua política. Além da defesa dos assassinatos da ditadura e de uma lógica militarizada do Estado, é importante também ressaltar os vínculos do bolsonarismo com a milícia.

A associação de sua família com milicianos é evidente no Rio de Janeiro, como é o caso do envolvimento de Queiroz nesses esquemas. O ex-assessor de Flávio Bolsonaro é envolvido com repasse de verbas do mandato para negócios da milícia, além de denúncias de seu papel na articulação das campanhas eleitorais do clã nas áreas dominadas pelo crime organizado. Além disso, suas ações de incentivo a venda de armas e desorganização do controle beneficia diretamente esses setores, como foi o caso da suspensão do projeto de rastreamento de armas e munições, logo no início da pandemia, em abril de 2020. Por fim, de forma ainda mais profunda, o bolsonarismo representa a forma propriamente política da visão de mundo miliciana e dos esquadrões da morte. É o elogio da força bruta e do poder de escolher diretamente quem vive e quem morre como principal mediação das relações sociais.

Morte por vírus, fome e bala na pandemia

Sobre a Chacina do Jacarezinho, a Polícia Civil a justificou com denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas. No entanto, dos 21 listados como procurados na ação, apenas três foram presos e outros quatro morreram. Da lista, 14 seguem foragidos. Além disso, 24 corpos foram retirados sem perícia no local, o que revela a ausência de investigações para o caso. Isso é agravado pelo fato de que a operação aconteceu apesar de decisão da ADPF das Favelas, n. 365, julgada pelo STF, que suspendeu, desde junho de 2020, operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”.

Apesar de não ter suprimido as operações em momento algum, de acordo com a imprensa, a decisão do STF reduziu em 34% o número de mortes por agentes de segurança na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2020. No entanto, segundo a Human Rights Watch, apenas no primeiro trimestre deste ano, a polícia do Rio matou 453 pessoas e ao menos 4 policiais morreram em ações policiais, mesmo com a decisão do STF da restrição de operações em comunidades durante a pandemia. 

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, falou sobre a operação realizada pela Polícia Civil na favela do Jacarezinho, e afirmou que a ação foi o “fiel cumprimento de dezenas de mandados expedidos pela Justiça”. Importante salientar que um dia antes da operação, em 05 de maio, Bolsonaro esteve no Rio de Janeiro, em reunião com o governador, sua base de apoio. 

Extermínio e racismo andam, assim, de mãos dadas no Brasil, como se pode verificar por quem são os alvos aos quais ao Estado é permitido o assassinato no Brasil. Quanto ao argumento de que se tratariam de traficantes, é importante salientar que no Brasil não existe pena de morte. Além disso, se houvesse, deveria haver o acesso a julgamento dos réus. A ação policial nas favelas, portanto, nada tem a ver com fazer valer qualquer tipo de justiça, mas sim trata-se de um exercício de dominação baseado no controle territorial armado de territórios ocupados por populações racializadas e pauperizadas no país. 

Por uma resposta nas ruas

Neste dia 13 de maio, dia da Lei Áurea, a Coalizão Negra por Direitos puxou um “Dia Nacional de Denúncia contra o racismo: Nem bala, nem fome e nem Covid. O povo negro quer viver!”. É o dia de uma abolição da escravatura que serviu para os projetos econômicos de uma elite branca, sem nunca garantir os direitos mais básicos da maior parte da população. É também quando completamos 7 dias da chacina que marcou com sangue mais um capítulo de nossa história. 

O encontro do movimento negro que marcou os atos foi realizado no dia 10 de maio e contou com cerca de 350 participantes, de todos os estados, de vários movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos. Foram marcados atos presenciais em todas as capitais e em muitas cidades do Brasil para o dia 13. Com medidas sanitárias e com os devidos cuidados com relação a pandemia, vamos ocupar as ruas para dar um basta ao governo Bolsonaro, ao bolsonarismo e sua política de morte.

Chega de extermínio da negritude! Nossas vidas importam!