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BRASIL

Um ano da Chacina do Jacarezinho: Não esqueceremos!

Eblin Farage, Marina Barbosa Pinto e Sonia Lucio R. de Lima*
Gabriela Mika Tanaka | EOL

Ato em São Paulo, em repúdio à chacina

No dia 6 de maio de 2021, uma operação da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil no Jacarezinho, comunidade da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, resultou na morte de 28 pessoas – incluindo um policial. A operação mais letal da história do estado aconteceu num contexto de profunda crise sanitária e humanitária mundial, quando o Brasil registrava mais de 414 mil mortes por COVID-19. E quando, em razão da pandemia, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, podendo ocorrerem apenas em ‘hipóteses absolutamente excepcionais’, com justificativa ao Ministério Público Estadual por escrito.

Moradores denunciaram que durante a operação, na qual 200 policiais armados para uma guerra avançaram por todas as entradas da favela, houve invasão de casas, execução de pessoas dormindo e celulares confiscados. No dia seguinte, viam-se casas cravejadas de balas, muito sangue no chão e familiares, sobretudo, mulheres, quase todas negras, dirigindo-se para o Instituto Médico Legal em busca da liberação dos corpos.

O morticínio foi justificado no discurso da mídia empresarial e nas redes sociais, construídas subterraneamente pela extrema direita, com o argumento de que se tratava de “traficantes”. “São bandidos”, bradava a mídia. “É tudo bandido”, reafirmou o vice-presidente da República. E o presidente, Jair Bolsonaro, não perdeu a ocasião de parabenizar a Polícia Civil pelo feito.

Carol Burgos
Ato no Jacarezinho, no dia seguinte ao massacre

O assassinato não foi noticiado com o uso do subterfúgio de que tratou-se de uma execução em legítima defesa. Ao contrário, esse massacre visou escancarar que, na visão das frações dominantes da burguesia e de seus representantes no Estado, os corpos que tombaram e seus familiares não merecem empatia. Nota-se que do total de assassinados, 24 foram retirados sem perícia do local.

O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão. Porém, somente na década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quase cem anos depois, reconheceu-se, no discurso oficial, que o Brasil era um país racista. Em direção contrária, a política bolsonarista reforça o racismo estrutural existente na sociedade brasileira por meio de declarações e práticas que estimulam a política de extermínio. Como quando o presidente afirmou: “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” e completou: “não fazem nada, eu acho que nem pra procriar servem mais”. Seguindo essa linha, governadores, apoiadores de Bolsonaro, demonstram que as forças de segurança estaduais terão licença para matar.

Boa parte da população tem sido induzida a vulgarizar o extermínio de pobres e negros e a concordar com a intervenção repressiva do Estado em nome da segurança.

As policias do país matam porque é negro e matam porque é negro e pobre! Atuam sob a lógica de ‘combate ao inimigo’ e apoiam-se na omissão do Judiciário, o que acarreta ainda mais impunidade e violência. Infelizmente, boa parte da população brasileira tem sido induzida pelos meios de comunicação a vulgarizar o extermínio de pobres e negros e a concordar com a intervenção repressiva do Estado em nome da segurança. A disseminação do medo e da lógica de desumanização através da mídia colabora para a aceitação social de políticas cada vez mais coercitivas, repressivas e violentas.

No dia 07 de maio, centenas de manifestantes estiveram na favela do Jacarezinho em um ato de repúdio à chacina realizada pelas forças policiais no dia anterior. Liderado por movimentos de mães de vítimas do Estado, ativistas de diversos movimentos sociais e sindicais, de partidos da esquerda e parlamentares realizaram protesto e bradaram em uma só voz: “NÃO FOI OPERAÇÃO, FOI CHACINA! Justiça Já, justiça já, ser preto não é crime, vocês vão nos pagar!” Dias após o brutal acontecimento, foi formada uma comissão para exigir do poder público a apuração e punição dos responsáveis pelo massacre. Porém, lamentavelmente, a resposta do Estado foi a implantação do projeto Cidade Integrada, espécie de reformulação do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criado em 2008, cujo objetivo é o controle e a tutela militar sobre a população no seu território.

ATO – Nesta sexta-feira, às 13h, movimentos sociais e lideranças do Jacarezinho promovem uma marcha que pede justiça para todas as vidas perdidas na #ChacinadoJacarezinho, porque NENHUMA MORTE É ACEITÁVEL! A concentração está marcada para a Quadra da Unidos do Jacarezinho, seguida de caminhada para inauguração de um memorial que lembra as vítimas da tragédia.

• Parte deste texto foi, originalmente, publicado na Agenda do CFESS/2022.