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BRASIL

Conheça a trajetória do Coronel Moreira César, ‘corta-cabeças’ da República, que pode perder homenagem em Niterói (RJ)

Trajetória de violência do militar começou com linchamento e assassinato de jornalista negro à luz do dia, na Rua do Lavradio, centro do Rio de Janeiro

Roberto Mansilla “Che”*, do Rio de Janeiro, RJ

Apoiadores da Revolução Federalista (1893-1895) sendo degolados por tropas e apoiadores da República, sob comando de Moreira César

Diante da consulta pública lançada pela Prefeitura de Niterói, iniciada no último dia 05 de maio e que vai até hoje, dia, 08 do mesmo mês, na qual pretende que os moradores da cidade decidam se querem dar o nome do ator Paulo Gustavo à atual Rua Coronel Moreira César em Icaraí, uma pergunta precisa ser feita: Quem foi o Coronel Moreira César? Qual a sua trajetória de vida?

Moreira César (1850-1897) foi um destacado militar brasileiro e esteve presente em diversos momentos no início da Primeira República (1889-1930), sempre usando de enorme violência e crueldade contra os adversários políticos do regime e as revoltas populares que surgiam. Não é casual que tenha sido conhecido como “o cortador de cabeças”, nesse período.

Ele entrou para o Exército em 1869. Aos 33 anos de idade, em 1883, Moreira César já se envolveu num primeiro ato violento. Envolveu-se no linchamento de um jornalista, Apulcro de Castro, que era liberal e fazia críticas ao Império. Moreira César organiza um grupo de militares e arma uma emboscada que levou a morte do jornalista com facadas nas costas. Esse episódio ocorreu em plena luz do dia, na Rua do Lavradio, centro do Rio de Janeiro. A participação nesse assassinato valeu uma repreensão a Moreira César, que foi transferido para Mato Grosso, numa espécie de “exílio”, na qual só se livrou com o golpe militar que derrubou a Monarquia e instaurou a República, em 1889.

lustração da “Revista Ilustrada

Quando retorna ao Rio de Janeiro, Moreira César se aproxima do Marechal Floriano Peixoto que seria o segundo presidente da República do Brasil, após a renúncia, em 1891, de Deodoro da Fonseca. Ele seria uma espécie de “braço direito” de Floriano, comandando várias ações de repressão a inúmeros movimentos que surgiam em várias partes do país. Nos próximos seis anos, seria o principal executor das ações mais violentas e cruéis do terrorismo de Estado republicano contra seus adversários, visto como “inimigos”.

O início dessa sua prática repressora começa em Sergipe, onde por alguns meses do ano de 1891, comandou o 33º Batalhão de Infantaria e conteve manifestações populares contra o governo local. Nesse mesmo ano e já ocupando o posto de tenente-coronel, Moreira César envolveu-se na derrubada do Presidente (Governador) da Bahia, José Gonçalves da Silva. Na verdade, participou diretamente de um golpe.

Em 1892, tomou posse como comandante de 7º Batalhão de Infantaria, quando este embarcou para Niterói, onde reprimiu uma revolta interna do corpo policial. No ano de 1893 eclodiu a Revolta da Armada, apontada como rebelião iniciada por algumas unidades da Marinha do Brasil contra o governo do Marechal Floriano Peixoto que terminou em março de 1894. A destacada atuação de Moreira César na repressão ao movimento e na retomada da Ilha do Governador levou a sua nomeação por Floriano como governador interventor em Santa Catarina.

Sua tarefa no sul do país era acabar com a chamada Revolução Federalista (1893-1895), cujos revoltosos haviam ocupado a capital, Desterro (atual Florianópolis), e instalado um governo provisório. No governo de Santa Catarina, Moreira César promoveu um “ajuste de contas”, conforme definido por Oswaldo Rodrigues Cabral, professor da UFSC. Moreira Cesar reprimiu violentamente os revoltosos e ordenou a execução sumária de inúmeras pessoas, entre civis e militares que segundo os dados oficiais passariam de 200. E desse sangrento episódio que ganhou a alcunha de “Corta Cabeças”.

A prática de degola que Moreira Cesar usou junto com seus aliados era conhecida como “gravata vermelha” – quando degolado, o sangue escorria do pescoço, e a imagem lembrava um gravata. Um pequeno exemplo do grau de crueldade e da violência de nossa história e desse personagem.

O prestígio que suas “vitoriosas campanhas” e a forma implacável como atuava diante dos inimigos do Estado, além de sua personalidade “fria e calculista”, eram lembradas pelos jornais oficiais da República. Toda essa fama contribuiu para que chefiasse, em março de 1897 a terceira expedição militar enviada a Canudos (BA) pelo governo federal, equipado com seis canhões Krupp em um comboio que trazia munições de guerra.

Vale lembrar que o Arraial de Belo Monte (1894-1897), em Canudos, era um local em que os sertanejos construíram suas moradias como alternativa à vida de miséria social, exploração e violência que sofriam dos coronéis políticos. Lá, a terra era coletiva e as pessoas viviam de muito simples, mas sem miséria e fome. Guiadas pela fé e obedientes ao seu líder religioso Antônio Conselheiro, Canudos era vista como uma ameaça à República, que acusava seus habitantes de serem “gente desordeira”, “fanáticas” e “monarquistas”.

O governo e a opinião pública acreditavam que o coronel César faria um passeio militar, abateria os sertanejos de Canudos e retomaria ao Rio de Janeiro como o outro César, depois de ter ido, visto e vencido. Mas sua campanha foi um desastre e o Coronel Moreira César foi ferido gravemente no ventre, depois de cinco horas de combate, vindo a falecer no dia 06 de março de 1897. Caso tivesse alcançado êxito na Guerra de Canudos, teria grandes probabilidades de vir a ser o sucessor do Marechal Floriano Peixoto, como presidente da República.

Moradores de Canudos, cercados por militares, após investidas seguintes.

O Coronel Moreira César teve, portanto, em sua vida, toda uma trajetória de repressão contra políticos opositores ou movimento populares em várias partes do país, praticando toda violência com requintes de crueldade. Desempenhou, sem dúvida, um papel de braço armado da jovem República brasileira, tratando qualquer adversário político como “inimigos do Regime”, praticando inúmeras violências com requintes de crueldade. Mesmo assim, seu nome foi agraciado como “herói” e “símbolo” de uma era que se impunha pela força, segundo a História dominante, construída sempre pelos vencedores. É um símbolo do militarismo que ainda hoje causa exaltações na mentalidade bolsonarista de hoje em dia.

É preciso repensar as homenagens. Não premiar aqueles personagens cujas vidas são um sinônimo de repressão, violência e crueldade. A alteração do nome de rua em Niterói (RJ), de Moreira César para ator Paulo Gustavo, é sem dúvida necessária, pois premia a vida de um jovem comediante LGBTQI, que levava alegria para milhões de pessoas e contribuiu ao abrir caminhos para o respeito a liberdade e a diversidade e enfrentar o padrão heteronormativo, diretamente ligado a trajetória de violência do nosso país. Se vivo fosse, Moreira César certamente aplaudiria ou estaria liderando a chacina do Jacarezinho. Que o povo de Niterói dê adeus à Moreira César e sorria ao ver a nova placa com o nome de Paulo Gustavo, pois, como ele dizia, “rir é um ato de resistência”.

*Historiador, professor, e militante da Resistência/PSOL e apoiador da Casa de Resistência Rosa Luxemburgo, em Niterói. As principais referências usadas neste artigo tiveram como base as destacadas por Manoela Pedroza, Professora do Departamento de História da UFF, em sua participação na live da Casa de Resistência Rosa Luxemburgo e do EOL “Moreira César e as disputas pela memória” , em 07/05, com Fernanda Castro.

 

Referência bibliográfica

CUNHA, Euclides da. Os sertões. Edição Crítica de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 317-376.

 

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