A data histórica mais importante para classe trabalhadora é, sem dúvida, o primeiro dia do mês de maio, que, como é sabido, tem a ver com um longínquo maio de 1886, quando teve início uma grande greve geral em Chicago, nos EUA. O movimento se colocou contra as terríveis condições de trabalho naquele país, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de 13 para 8 horas diárias, trazendo como consequência uma descomunal repressão, com investida armada da polícia contra os manifestantes, com muitos mortos, feridos e detentos, sendo, ao final, sentenciados oito lideranças deste movimento, três condenados à pena de prisão perpétua e os outros cinco encaminhados à morte. Posteriormente, em 1893, esse processo teve a pena de três condenados anuladas, sendo, nos anos seguintes, reconhecida juridicamente sua parcialidade, fraude e total nulidade, mas estes aspectos judiciais não são, nessa oportunidade, o assunto específico deste texto.
O fato relevante é que esta data foi doravante adotada pelos trabalhadores de todo o mundo enquanto o dia de celebrar suas lutas, sendo proclamada como Dia Internacional do Trabalho, ou do Trabalhador, em 1889, durante a realização do Congresso da Internacional Socialista, instalado para comemorar os 100 anos da revolução francesa. Aqui em nosso país, a data foi sempre igualmente motivo de celebração pelos trabalhadores, de forma independente, por vezes unitariamente, em outras nem tanto assim… mas sempre com o mesmo sentido de luta, apesar da influência estatal, visto que em 1925 o Presidente Artur Bernardes oficializou o primeiro de maio como Dia do Trabalhador e, mais adiante, em 1943, o Presidente Getúlio Vargas, em plena ditadura do Estado Novo, fez uso da mesma data para lançar a CLT, com muitas conquistas consolidadas no Decreto 5.452/43, mas também portador de uma engrenagem jurídica de controle e engessamento dos sindicatos pelo Estado.
Fiz essa breve retrospectiva para destacar o paradoxo que tivemos neste recente primeiro de maio, em meio a este pandemônio que está sendo o início do ano de 2021, no qual, corretamente, o movimento sindical adotou uma postura cautelosa ao evitar aglomerações anti-sanitárias, enquanto vimos a extrema-direita liderar setores de classe média bolsonarista para realizar atos e concentrações humanas nas principais capitais do país, protagonizando uma barulhenta presença política nessa especial data que, confesso, nunca tinha visto, ou se ocorreu, foi muito diminuto, conforme saiu estampado em toda mídia, apesar da superestimação quantitativa por parte de seus organizadores, que inclusive usam fotos antigas para retratar os eventos. Mas, infelizmente, ainda que não massivo, foi um movimento real e preocupante, que, se por um lado não pode ser superestimado, outrossim não cabe minimizar ou tão somente ridicularizar, como se apenas estúpido, embora também o seja.
E porque digo infelizmente? Além do evidente comportamento contrário às normas de prevenção à disseminação da Covid-19, no marco de 400 mil mortes, o fato igualmente nocivo, visceralmente retrogrado, foi assistirmos, ao mesmo tempo em que liderado por políticos bolsonaristas e outros, inclusive monarquistas, que notoriamente votam pela redução e extinção de direitos trabalhistas (o que por si só já desqualifica este movimento), se tratou, no seu conjunto, de atos pró-intervenção militar, leia-se pró-ditadura militar, de retomada do ideário de primeiro de abril de 1964, o qual até hoje não foi cicatrizado e, pelo jeito, está muito longe de sê-lo.
Mesmo sem possuir um partido de extrema-direita sólido e organizado em todo o país, a realização dessas manifestações, além de uma inusitada ousadia reacionária, nos traz muitas lições, sobretudo no momento que vivemos, em que não é novidade para ninguém que o projeto de restauração ditatorial segue em marcha, apesar das contradições e revezes que tiveram seus próceres com as decisões do STF ordenando a prisão de alguns de seus integrantes, investigação de financiamento público-privado de atos antidemocráticos. E também a resistência que encontram na maioria da população em aderir a tal intento, o que pode ser aferido pelas pesquisas, que sempre apontam a existência de uma maioria que defende a democracia, rechaça o extremismo bolsonarista, apesar da constante margem de 30/35% de aprovação de seu governo, o que, entretanto, não significa apoio ao todo o “pacote autoritário”.
Mas o aspecto mais significativo desses atos da extrema-direita, para além da pregação golpista, é que eles acontecem em um dos momentos de maiores perdas da classe trabalhadora, a começar pelos cerca de 14,4 milhões de desempregados, segundo recentes dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, que foram enxotados do mercado formal, e também a taxa de subutilização (desocupados e subocupados), na casa dos 29,2%. Mesmo antes da pandemia, já se encontravam desalentados ou atuando na informalidade, “empreendedorismos”, uberização, e outras formas de sobrevivência, que, contudo, estão longe de ser considerados trabalhos minimamente remunerados com a dignidade necessária e prevista na Constituição Federal vigente. Há muita estatística consistente e séria sobre isso no site https://www.ibge.gov.br, com destaque tanto para a referida amostra, como também para os dados sobre os reflexos da Covid-19 no mesmo site. E ainda some-se a isso o discurso do presidente da república, também nessa data, em que para além de sua tradicional aversão aos sindicatos e o movimento social de modo geral, fez questão de discursar contrariamente às medidas de expropriação legal de terras utilizadas para o criminoso trabalho escravo que ainda persiste no Brasil. Não poderia ser mais explícito em sua mentalidade escravocrata!
Acrescente-se também a tudo isto, que, segundo o Professor e sociólogo Ricardo Antunes, autor, dentre outros, dos livros “Uberização, trabalho Digital e Industria 4.0”(organizador), “Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado”, o mencionado “empreendedorismo”, a disseminação das denominadas “plataformas digitais”, estão causando ainda mais precarização do já depauperado mercado de trabalho brasileiro, com redução salarial e jornadas novamente de 12, 14 horas diárias, sem 13 salário, férias, descanso semanal remunerado, assistência médica, licença previdenciária em caso de ficar inativo, conforme foi denunciado nacionalmente pelo movimento “breque dos Apps” em 2020. Pois bem, é dentro desse contexto que, voltando ao movimento da extrema direita ocorrido neste último primeiro de maio, devemos analisar e tirar conclusões de mais uma investida antidemocrática que vimos acontecer no Brasil, onde a presença do “binômio” antidemocrático e antissocial, sintetiza claramente qual o sentido e finalidade de tal iniciativa e manifestações decorrentes, para além do apoio a Bolsonaro, pura e simplesmente, mas no intuito maior de ganhar cada vez mais cérebros para esta agenda destrutiva que chega a ser capaz de, em plena pandemia, e em data tão significativa, fazer a defesa do arbítrio, da e o que ainda resta dos avanços de 1988 na atual constituição federal.
Caminhando já para o final desse texto, creio que o que aconteceu nesse Primeiro de Maio, a tentativa da extrema-direita de se apropriar de uma data tão cara e sentida para a classe trabalhadora organizada, é um marco de uso deste símbolo para o ideário neofascista no Brasil ( Em 1 de maio de 1943 pelo menos se anunciou concessões trabalhistas) que, felizmente, não contou com a participação da classe operária ou de setores populares, afora algumas presenças minoritárias destes setores explorados, tendo como principal base, no último sábado, a velha e iludida classe média urbana, acostumada em servir de instrumento pela extrema-direita e, depois, sofrer também as consequências com o decréscimo de seu nível de consumo e bem estar.
Realmente, em um contexto em que o Direito do Trabalho foi praticamente aniquilado no Brasil, com a introdução legal do princípio do “negociado sobre o legislado”, juntamente com a legalização da terceirização ampla e quase irrestrita, foi um marco na história do país, um alerta, como também deve ensejar reflexões, em relação à ilusão de que somente “a volta do Lula” poderá tudo resolver, o que, (mesmo sabendo que um Governo do PT seria inegavelmente superior, em todos os sentidos, ao atual). Temos, contudo, que estar atentos, todos nós, independentemente de ser ou não de esquerda, para o grave risco de consolidação de um setor de extrema-direita no Brasil, conforme está em marcha por diversos meios, ideologicamente forte e armado condescendentemente pela política de liberação de armas e munições de Bolsonaro, com base militante nas polícias militares, milícias rurais e urbanas e setores religiosos antidemocráticos, que, se vier a ter sucesso e enraizar-se socialmente, não haverá eleição de presidente da república, (mesmo sendo eleito um dos nomes da esquerda que o for), por si só, que afaste o gravíssimo risco de novamente acontecer o que já vimos acontecer de barbárie na história da ascensão do nazifascismo, principalmente na Alemanha, Itália e Espanha, guardadas as devidas proporções e nuances. Mas vamos em frente. Com luta, não passarão!
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