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BRASIL

Volta às aulas e a pergunta não respondida: Quantas vidas perdidas são aceitáveis?

Pedro Rublescki, de Porto Alegre, RS*
Elineudo Meira / @fotografia.75

Nas últimas semanas temos visto um aumento no debate público do retorno às aulas, mas infelizmente em nenhuma das inúmeras matérias, entrevistas e debates com os maiores e “não tão maiores” especialistas em educação foi respondido:  quantas vidas podem ser perdidas para um retorno às aulas?

Vejamos: que as crianças devem estar nas escolas, que a escola é o local mais seguro para aprendizagem e troca de experiências sabemos. Qualquer mãe, pai, professora e professor sabe disso. Qualquer gestor escolar, acadêmico da educação, ou, arrisco dizer, qualquer pessoa sabe que lugar de criança é na escola. Mas para isso ocorrer hoje tem um custo, não somente com a manutenção das escolas, salários e estrutura. Se retornarmos às aulas temos que ter o cálculo de um custo de vidas. Não busco ser pessimista, pelo contrário, estou sendo realista. Quando existiam mais leitos disponíveis, que não existiam mutações e com escolas fechadas, perdemos no país 384 mil vidas, TREZENTOS E OITENTA E QUATRO MIL VIDAS. Não podemos achar que com novas mutações e com a maioria da população não vacinada (quase a totalidade das pessoas que trabalham na educação não foram vacinadas), não haverá muito mais mortes, elas ocorrerão. Agora o que falta saber das pessoas defensoras da volta a qualquer custo das escolas é: QUANTAS VIDAS SERÃO ACEITAS PARA ISSO?

Calcular quantas vidas podemos perder para benefícios maiores não é novidade, Michael Sandel, professor de direito de Harvard, deixou famoso seu curso de Ética e Justiça trazendo vários exemplos utilitaristas do custo do número de vidas para supostos bens maiores. Em seu curso que foi transformado no livro; Justiça: O que é fazer a coisa certa (Editora Civilização Brasileira), Sandel mostra os números e os cálculos que os seguros de vida fazem para se aproximar de quanto custa uma vida e outros exemplos contemporâneos de decisões que se tomam e deve-se calcular as possíveis perdas em vidas com isso.

É exatamente nesse momento em que estamos, sem vacina e com mutações mais agressivas na juventude, boa parte da mídia e governantes apresentam que é o melhor momento de retornar às aulas. Que sejam honestos, que respondam, quantas vidas podem ser perdidas para isso? Qual o número aceitável? Quais os cálculos que utilizam?

Sou da opinião que o quanto antes temos que retornar os trabalhos na escola, mas sem colocar em risco nenhuma vida.

O fato é: comparado a 2020, quando a educação parou, estamos com a educação como um todo melhor preparada para sobreviver mais um tempo remotamente e a situação pandêmica piorou. Explico: A educação como um todo se adaptou minimamente, longe de estar perto do ideal, longe de ter os investimentos que deveriam ter, longe de todas melhorias terem sido democráticas, mas não podemos negar que comparado a março de 2020, as redes escolares estão melhores preparadas para o ensino remoto (longe do ideal e em base a muita exclusão ainda). Porém a situação pandêmica é pior, as novas mutações são mais letais entre jovens e são mais transmissíveis. A situação pandêmica é pior, pois estamos passando por uma lotação de leitos em todo o país muito maior do que tivemos em 2020. A situação é pior, pois o ritmo de vacinação é muito mais lento do que se previa e quase inexistente no público alvo da comunidade escolar. O que indica que é momento de voltar? Quantas vidas perdidas são aceitas para essa tentativa?

*Pedro Rublescki é Professor da Rede Municipal de Porto Alegre e da Rede Estadual do RS