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BRASIL

Reabertura das escolas: Eduardo Paes em aliança com os negacionistas

Roberto Leher*, do Rio de Janeiro, RJ
Eduardo Paes veste camisa, de fundo vemos o gabinete da prefeitura.
Fotos Públicas

Eduardo Paes (DEM- RJ), prefeito do Rio de Janeiro

O Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, eleito com votos de centenas de milhares de críticos ao negacionismo, anunciou a reabertura das escolas da cidade, beijando a cruz do negacionismo. As escolas deverão ser abertas na semana em que a curva exponencial de crescimento do número de casos de Covid-19 e de mortes no Brasil assombrou o mundo, alcançando média móvel de 3 mil mortos por dia, um terço dos óbitos por Covid-19 do planeta Terra. Desse modo, o prefeito empunhando a causa dos negacionistas quer manter as escolas abertas quando todas as estimativas científicas indicam que abril será um mês tenebroso, letal, impensável.

São 1.543 unidades escolares, 644 mil estudantes, 39 mil professores e 13,5 mil funcionários administrativos. Contando os trabalhadores terceirizados, limpeza, cozinha, pais e familiares, no limite, a prefeitura anuncia que, potencialmente, cerca de um milhão de pessoas poderão estar circulando pela cidade que deveria estar em severo lockdown: de fato, o número de óbitos no estado subiu 150% em duas semanas, alcançando 411 PESSOAS por dia, totalizando 37.114 PESSOAS. Embriagado de irracionalismo, o prefeito associa botequins, restaurantes e escolas: se o botequim está aberto, por que não as escolas? 

Na semana de reabertura das escolas, a cidade tem cerca de um mil PESSOAS na fila para um leito de CTI. Em virtude da ausência de protocolos, de kits de medicamento para intubação, concursos para o pessoal de saúde, abertura de leitos em hospitais, inclusive nos universitários, destas mil pessoas que aguardam o leito de CTI, aproximadamente 800 irão a óbito. E, como se não bastasse o horror, muitos dos pacientes intubados não terão, sequer, o conforto de medicamentos para aliviar o sofrimento da intubação.

No Brasil, o MEC não realizou nenhum programa de reestruturação futura da infraestrutura das escolas e não irá liderar tal programa, pois é um bunker da guerra cultural. Caberia ao MEC aportar recursos e coordenar a viabilização do referido programa de reestruturação da infraestrutura. Urge medidas nacionais que possibilitem reformas em todas as escolas públicas brasileiras, nos institutos de educação tecnológica e nas universidades públicas. As prefeituras deveriam estar engajadas nessa causa. 

Entre as ações prioritárias: construção de novas salas de aula para garantir distanciamento mínimo de 1,5 m entre os estudantes; promover reformas nos espaços escolares, melhorando a ventilação e a distribuição de lavatórios; ampliar espaços externos para atividades ao ar livre; contratar novos servidores para a educação, docentes, técnicos e administrativos e profissionais de saúde e de serviço social para reconectarem os estudantes atingidos pela tragédia social com suas escolas; assegurar política de transporte escolar; planejar ações integradas com o sistema de saúde para permitir rigoroso rastreamento do vírus. Sem tais medidas, o futuro retorno presencial torna-se uma medida ainda mais difícil.  As condições epidemiológicas não se alteraram do dia para noite e nem por passe de mágica: é preciso construir as condições para o retorno presencial e isso simplesmente não está sendo feito no Brasil. Ademais, o nível de vacinação do Brasil, entre os países de alta incidência da Covid-19, é dos mais baixos do mundo. Nenhuma previsão de vacinação se confirmou até agora. As “melhorias” nas escolas anunciadas limitam-se, na prática, a álcool em gel, limpeza em umas poucas escolas e uso de máscaras. Tais medidas não protegem a vida. 

Os EUA são um país que tem semelhanças com o Brasil, pela extensão e diversidade territorial, desigualdade social, elevadíssima propagação do vírus, em resumo, por ter tido um governo negacionista (Trump). As mudanças encaminhadas pelo governo Biden, após a derrota de Trump, mostra como um presidente negacionista é nefasto.  Em contraste, Biden anunciou um pacote de ajuda as escolas de US$ 122 bilhões, não condicionado a imediata abertura das escolas (essa é uma decisão epidemiológica e social), que irá permitir concursos, melhorias de infraestrutura etc. O pacote de ajuda corresponde a US$ 4 mil por estudante. 

No Brasil, com Bolsonaro, o MEC é, como dito, um bunker da guerra cultural e do negacionismo e, por isso, enquanto Bolsonaro estiver no governo, não existirá nenhuma medida para preparar as escolas e universidades para o momento da volta às aulas presenciais. Aqui, nos cenários otimistas, se um limitado projeto de lei for aprovado na Câmara, as escolas públicas receberão R$ 40/ ano por estudante. O silêncio dos partidos da ordem revela o grau de conivência com a situação estabelecida. Ao forçar a abertura das escolas sem as mínimas condições para uma volta responsável, Eduardo Paes torna-se conivente com a devastação em curso, contribui para a difusão do negacionismo e para retirar da agenda política nacional o imperioso programa de infraestrutura mencionado. 

Causa revolta e indignação a subserviência de governos aos anseios do presidente que deturpa, propositalmente, lockdown como estado de sítio imposto pelos governadores (SIC!). O auxílio minguado objetiva, também, inviabilizar o isolamento necessário para impedir o agravamento de uma das maiores tragédias da história que está em curso no Brasil. Não há dúvida de que o seu agravamento é projeto para pavimentar a autocracia. 

É nesse contexto epidemiológico, político, econômico e social que Eduardo Paes quer abrir as escolas. 

Também os aparelhos privados de hegemonia empresariais que exortam a abertura imediata das escolas fazem ecoar o negacionismo: não por acaso patrocinam candidatos para que estes, eleitos, encaminhem seus programas. É falso que crianças não são portadoras do Sars-Cov-2, está provado que crianças podem possuir alta carga viral e não existem evidências comprovadas de que não são propagadoras do vírus (1). Se o vírus circula pela cidade, as escolas não estão protegidas. Somente o lockdown com proteção social irá permitir, no futuro, a abertura das escolas e não o inverso. É igualmente falso que professores não são susceptíveis à virose. Comparar as escolas e as condições de trabalho no Rio de Janeiro com as escolas e as condições de trabalho da Finlândia (846 mortes desde o início da pandemia) é, peço desculpas pelo termo, boçal. 

Para que as escolas possam ser reabertas as reformas estruturais aqui apontadas brevemente terão de ser efetivas. Evidentemente, a reabertura depende das condições epidemiológicas. Mas a interpretação das condições epidemiológicas depende da situação das escolas. Escolas em condições ambientais precárias não são variáveis encorajadoras para as decisões científicas corretas. 

Por isso, a luta dos sindicatos da educação é tão importante. Eduardo Paes somente estará comprometido com a melhoria das condições das escolas em nível nacional se romper com a órbita de poder negacionista.   Os educadores, os estudantes, os pais devem exigir que o prefeito escute, de modo verdadeiro, os pesquisadores que fazem estudos eticamente orientados. A avaliação sobre a reabertura das escolas não pode ser tomada no gabinete do prefeito.  É preciso construir consensos com os professores, os estudantes, os profissionais de educação e os pais dos estudantes. As mobilizações do SEPE e do Sinpro devem ser celebradas, pois são gestos em defesa da vida, do futuro da educação pública e da democracia no Brasil. As forças democráticas e as instituições científicas devem estar unidas, na forma de comitês de autoridade pública, em defesa da manutenção das escolas fechadas, do programa de reformas da infraestrutura, e em prol de um lockdown verdadeiro, o que exige a garantia de apoio econômico real aos pequenos empreendimentos, a retomada do auxílio econômico emergencial de pelo menos R$ 600,00 e a pronta universalização da vacinação, contando com a solidariedade internacional. Toda essa mobilização só tem sentido se inserida no movimento do Basta! Não é possível continuar banalizando a barbárie cotidiana. 

*Professor da UFRJ

NOTAS

1- LEHER, R. Enfrentar o negacionismo na volta às aulas presenciais requer um plano nacional voltado para a infraestrutura das escolas e universidades, Esquerda Online, 24/02/21.