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BRASIL

É possível um golpe agora no Brasil?

Alexandre Barbosa "Xandão", do Rio de Janeiro, RJ
Marcelo Camargo / Arquivo Agência Brasil

Militar durante reunião da Cúpula dos BRICS, em Brasília

Muitas pessoas estão se perguntando se as mudanças no ministério de Bolsonaro são na verdade uma preparação para um golpe. Isso seguramente ocorre devido ao presidente ser um inimigo da democracia. Bolsonaro e membros de seu governo são especialistas em atacar e ameaçar as instituições, como o Supremo Tribunal Federal e o parlamento. Além disso, a forte presença de militares no governo também traz a lembrança da ditadura empresarial-militar instaurada com o golpe de 1964. Já sabemos por exemplo que todo dia 31 de março ocorrem declarações insanas de exaltação a ditadura e a tortura. Mas isso não deve nos causar medo.

Um golpe ou uma ditadura, para se efetivar, precisam da existência de condições políticas. O ambiente golpista precisa ultrapassar os quartéis. Ele precisa ser algo com base social de massas. Os aliados do governo tentam criar um clima de motim nas policiais militares pelo país, mas isso tem apoio de massas? Não acredito. Nesse momento não parece haver clima para uma quartelada. Isso quer dizer que Bolsonaro e seus aliados não querem um golpe? Não. Só que entre querer e poder há uma grande distância.

Para entendermos o golpe de 1964 é preciso relembrarmos como estava o mundo. Com o fim da Segunda Grande Guerra e a derrota do nazifascismo, o mundo passou a viver o que foi denominado de Guerra Fria, período no qual o planeta se encontrava dividido sob a influência e a disputa de dois grandes blocos: o denominado socialista, dirigido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o bloco capitalista, sob comando dos Estados Unidos da América (EUA). No mesmo período, o mundo assistiu a processos revolucionários vitoriosos. A Revolução Chinesa, a Revolução Cubana e os processos de independência na África e na Ásia ganhavam corações e mentes na esquerda. Houve também proliferação de golpes de Estado reacionários, com militares tomando o poder em vários países, incluindo muitos da América Latina. Ou seja, os militares do continente estavam obtendo vitórias em suas intenções golpistas.

As classes dominantes estavam empenhadas em apear João Goulart do poder sob a acusação de que seu governo “flertava com os comunistas”. Com a ajuda do imperialismo, a burguesia não mediu esforços para desestabilizar o governo. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram dois atores importantes nesse processo. A CIA, Agência Central de Inteligência dos EUA, atuou junto a tais instituições com o objetivo de criar um clima de grande instabilidade, e as organizações da direita realizaram grandes manifestações de rua, como a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

De acordo com Delgado:

Os conspiradores contaram com o apoio de organizações como: Agência Central de Inteligência Norte Americana (CIA), Instituto de Políticas Econômicas e Sociais (IPES), Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), Ação Democrática Parlamentar (ADP), Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), Liga da Mulher Democrata (LIMDE), além de jornais da grande imprensa, como o Estado de São Paulo e O Globo, que eram historicamente antitrabalhistas.1

O que evidencia uma linha política de proliferação de golpes de estado do imperialismo para o continente. Víamos então uma ação coordenada da imprensa, mobilizações de massas e pressão de políticos e apoio direto do imperialismo ao movimento golpista. É isso que vemos hoje? Acho que não. Óbvio que a história não se repete como uma fórmula, onde tudo se repete como ocorreu antes. Mas estudar o passado nos ajuda entender os processos políticos e pensarmos os possíveis cenários.

No mundo de hoje, em especial no nosso continente, o que vemos é: a derrota de Trump, a vitória dos trabalhadores por uma nova constituição no Chile e a derrota do golpe na Bolívia. Tudo isso sob o impacto de fortes ações de massas. O que demonstra como é fundamental a mobilização popular. Reconheço que o Brasil é a retaguarda das lutas e ainda não se reverteu a correlação de forças entre as classes. Mas é um fato que o governo federal está muito mais fragilizado em virtude dos erros no enfrentamento a pandemia. O país está mergulhado numa tragédia onde milhares morreram e muitos mais serão vítimas da covid-19 pelo descaso das autoridades.

Só as 300 mil mortes e a crise social já seriam motivos suficiente pra um levante popular contra os governos, como vimos no Paraguai. Mas essa explosão não aconteceu no Brasil. As formas de dominação aqui parecem ter assumido características específicas, sobre as quais precisamos nos debruçar. A impressão é que o país parece ter se acostumado com a violência, com a morte e com as tragédias. Parece que a sociedade brasileira está anestesiada nesses temas. E como se a vida, em especial algumas delas, como as negras e negros, valessem menos.

A ultradireita, que ficou escondida depois da redemocratização, voltou a cena politica e vai permanecer por um bom tempo. Então vamos conviver com gente falando contra a democracia e defendendo golpe o tempo todo. Os bolsonaristas fanáticos, a ala ideológica do governo e a família presidencial podem tentar dar um golpe apoiados em setores lúmpens, como milicianos? Apesar de achar difícil, pois não acredito que existe correlação de forças para isso, podemos fazer esse exercício de reflexão. Ocorre que se chegarmos a essa conclusão a pergunta central passaria a ser como enfrentar o golpe. Não me parece, que diante dessa hipótese, a linha seria ficar em casa, por causa da pandemia. Mas sim organizar politicamente e até militarmente a resistência.

Alerto em algum momento o enfrentamento politico pode ganhar contornos de enfrentamento físico nas ruas. Os bolsonaristas não são democratas e por isso podem apelar para violência e coitados de nós se não estivermos preparados. Toda caracterização exige uma politica coerente vamos nos preparar para os enfrentamentos, pois uma hora eles ocorrerão. Mas sem pânico, nem medo. Entretanto, não acredito que serão nesse momento.

Podemos denunciar que o presidente é golpista? Sempre. Ele é mesmo, mas o centro de nossas preocupações deve ser organizar a luta por vacina, auxílio emergencial digno, acesso a saúde e educação pública para todos, etc. Precisamos reafirmar importância de construirmos uma alternativa política pautada pela independência de classes que ajude aos trabalhadores a superarem esse momento difícil.

Até agora opino que nossa realidade ainda seguirá a seguinte dinâmica: Bolsonaro comandou uma política de extermínio com sua linha negacionista, portanto, teremos um agravamento da pandemia devido a falta de vacinas e medidas protetivas; a ausência de mobilizações de massa de qualquer parte que possa nos levar a um ambiente de polarização, um governo perdendo cada vez mais apoio e a falta de alternativa política para substituí-lo. Acho que o mais provável, apesar do aumento do desemprego, da fome, ou seja, miséria, é que essa situação seguir até 2022. Mas é claro que em vinte minutos tudo pode mudar.

NOTAS

1 – DELGADO, Lucia de Almeida Neves. O governo João Goulart e o Golpe de 1964: da construção do esquecimento às interpretações acadêmicas. Revista Tempo, Niterói, v. 14, n. 28, jun. 2010. Disponível em: http://www.fuac.edu.co/recursos_web/descargas/grafia/grafia9/175-191.pdf. Acesso em: 10 abr. 2017.