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BRASIL

Renatinho: entre duas vacinas que não vieram, uma vida de luta!

Gustavo Gomes*, de Niterói, RJ.
PSOL Niterói / Via Sindipetro RJ

Nesta quinta, 18 de março, perdemos Gezivaldo Ribeiro de Freitas, o nosso Renatinho, com 68 anos. Contar um pouco de sua história é não apenas prestar uma merecida homenagem a sua memória, a família, mas reconhecer a luta do trabalhador brasileiro que Renatinho tão bem encarnou em sua trajetória de vida e nos seus mandatos na Câmara Municipal de Niterói.

Talvez poucos se lembrem, mas o primeiro grande ato da vida política do Renatinho foi a luta pelo direito ao trabalho. A Prefeitura de Niterói resolvera que ele não poderia mais vender seus panos de prato, que garantiam o sustento de sua família, na esquina da Gavião Peixoto com Pereira da Silva, no bairro nobre de Icaraí. Renatinho resistiu bravamente e se acorrentou em um poste da esquina em manifestação de bravura, combatividade e resistência. Ele não estava só. Milhares de niteroienses assinaram manifesto exigindo que a prefeitura permitisse seu trabalho na esquina. O prefeito e os poderes constituídos não puderam derrotar o Renatinho da Esquina que protagonizou uma rara e histórica vitória de um trabalhador, camelô ambulante, na garantia dos seus direitos. Em tempos de crescimento do trabalho precarizado, a memória da coragem vitoriosa de Renatinho nos serve de estímulo e esperança.

Essa vitória abriu o caminho para a primeira representação de um camelô na Câmara Municipal de Niterói. Sua campanha pelo Partido dos Trabalhadores (PT) era solitária, sem qualquer recurso financeiro e estrutura. Sozinho, de sua tribuna popular na esquina em Icaraí, ele conversava com as pessoas, aos milhares, uma a uma, chamando-as de “psicólogo”, “doutor”, “arquiteto”, “professor”, “advogado”, “guerreira” entre outras profissões e adjetivos. Não dispunha de panfleto ou outro material de campanha. Anotava seu número num pedaço de papel de caderno velho e entregava para os seus eleitores. Ele foi um dos maiores fenômenos eleitorais daquele ano, conseguindo a primeira suplência com poucas dezenas de votos a menos do que o último vereador eleito pela bancada do PT que, mais tarde, seria prefeito da cidade por dois mandatos consecutivos.

Renatinho enfrentou então um dos primeiros dilemas que geralmente destroem lideranças populares como ele. Foi convocado para assumir o mandato de vereador e recebeu a orientação de não fazer oposição ao governo e não assinar a CPI do IBASM, instituto de previdência municipal na época. A pressão foi grande, mas Renatinho novamente surpreendeu e não abaixou a cabeça. Assumiu o mandato, assinou a CPI do IBASM e se manteve fiel aos eleitores que representava. Renatinho da Esquina se transformara em uma das principais e mais respeitadas lideranças políticas de Niterói.

Com a reforma da Previdência do governo Lula e a crise do mensalão, Renatinho sai do PT e, junto com seu companheiro de bancada e centenas de militantes de Niterói, vai para o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) onde se torna o primeiro vereador eleito pelo partido. Gezivaldo se tornava o Renatinho do PSOL. Seus mandatos foram marcados pela firmeza na defesa dos interesses dos trabalhadores, dos direitos humanos, por moradia, do meio ambiente e dos direitos dos animais. Em 2014, de forma generosa, deixou de disputar uma eleição para deputado estadual, com chances de vitória, e retirou a candidatura para apoiar seu companheiro de partido Marcelo Freixo, ameaçado de morte pelas milícias.

Renatinho era um trabalhador, um tribuno popular com todas as características do povo trabalhador brasileiro. Era supersticioso ao extremo. Acreditava em numerologia. Não gostava de posar para materiais de campanha e rejeitava a maioria das fotografias. Generoso e solidário como ninguém, acreditava que precisava ajudar individualmente a cada um que solicitasse auxílio, da mesma forma que estava presente em cada luta da cidade, a hora que fosse, onde fosse. Enfrentou o preconceito de classe. Não era o mais teórico, o melhor orador, o mais “preparado”. Mas mostrou que isso não importava, pois ele representava uma história e muitas vozes. E com isso, fez mandatos muito mais potentes que muitos parlamentares com currículos e sobrenomes pomposos.

O encontro desse trabalhador com o movimento socialista e com o marxismo foi difícil, mas ao mesmo tempo, muito importante. Sem o encontro dos partidos de esquerda com os trabalhadores precarizados, como Renatinho e como são hoje os entregadores de aplicativo, nada mudará de verdade no Brasil. Aprender com o exemplo de Renatinho é encontrar mais rapidamente um caminho para sairmos das trevas onde nos encontramos.

Renatinho carregou desde a infância até a sua morte o símbolo do descaso dos governos com os trabalhadores brasileiros. A poliomielite causou sequelas que obrigavam o uso de muletas na sua locomoção diária e o fez enfrentar o preconceito contra as pessoas com deficiência. A COVID ceifou prematuramente sua vida. Poliomielite e COVID, duas doenças cujas vacinas foram negadas a Renatinho e aos trabalhadores brasileiros.

Renatinho não foi reeleito e permaneceu como segundo suplente do PSOL, após a que talvez tenha sido a mais difícil de suas campanhas. Há poucas semanas, decidiu aceitar o convite para um cargo na pasta de Direitos Humanos, na Prefeitura, e deixar o partido. A militância ficou triste com a decisão, mas recebeu com respeito. Ninguém, absolutamente, foi capaz de julgá-lo. Continuou sendo muito querido e reivindicado. A notícia da Covid e de sua internação trouxe uma comoção imediata e a torcida pela sua recuperação.

Sua morte não será esquecida. Os exemplos e mensagens de pesar não param. A esquina onde ele construiu a sua trajetória está repleta de velas e flores, na única despedida possível. Atos e homenagens serão realizados nos próximos dias, com os devidos cuidados sanitários. O PSOL, os demais partidos de esquerda e os sindicatos da cidade manterão viva a sua história. Contudo, a tristeza pela perda do Renatinho não será menor que o seu exemplo de resistência e de amor. Continuaremos a lutar pela vacina e contra esse governo genocida. Continuaremos a lutar por ele e tantos outros que morreram na defesa de uma sociedade justa e igualitária.

Renatinho, presente!

* Gustavo Gomes é integrante da Executiva do PSOL-NIterói e militante da Resistência.

 


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