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EDITORIAL

Seis perguntas sobre o lockdown nacional

O que é o lockdown que defendemos? No dia 27 de fevereiro, em face do brutal agravamento da situação da pandemia no Brasil, com explosão do número de óbitos e colapso dos sistemas de saúde em numerosos estados, o Esquerda Online publicou um editorial defendendo a necessidade de um lockdown nacional imediato. Passados alguns dias, o cenário continua a se agravar, com aumento exponencial de novos casos, internações e óbitos e o avanço do colapso no sistema sanitário. Esta posição passou a ser defendida por reconhecidos(as) pesquisadores(as), como Margareth Dalcolmo, Miguel Nicolelis, Natália Pasternak e Átila Iamarino. Algumas medidas de contenção foram adotadas por governos estaduais e municipais, mas são ainda amplamente insuficientes.

Julgamos, portanto, absolutamente incontornável reforçar a defesa de um lockdown nacional, com garantia de imediata efetivação da renda emergencial, da estabilidade no emprego e do auxílio financeiro aos pequenos negócios. Nesse editorial, faremos isso por meio de um esforço para detalhar aspectos da política de lockdown nacional imediato que defendemos, aprofundando sua elaboração e dialogando com dúvidas e críticas que têm surgido em meio aos movimentos sociais.

Editorial de 05 de março de 2021

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Six questions regarding a national lockdown

1- O que é um lockdown nacional e qual o seu objetivo?

Lockdown não é toque de recolher noturno, não é restrição ao horário de funcionamento dos bares – isto são medidas de mitigação pontuais e insuficientes. Um lockdown efetivo implica o estabelecimento de rigorosas medidas que garantam uma efetiva redução da circulação em todo o território nacional em todas as escalas por meio da paralisação de todas atividades não essenciais. São medidas mais duras, mas que por serem muito mais abrangentes, também produzem mais resultado e em menos tempo. É por isso que um lockdown só é efetivo se for articulado nacionalmente. Não tivemos em momento algum no Brasil um lockdown nacional, e mesmo as medidas tomada no âmbito dos estados e municípios foram insuficientes e fragmentadas. 

o lockdown nacional é uma iniciativa que salvará dezenas de milhares de vidas e permitirá ganhar tempo para o avanço de medidas mais decisivas, como a campanha de vacinação

Um lockdown não objetiva “diminuir um pouco” o número de casos, mas sua redução radical. Em diversos países, o lockdown, associado a fechamento de fronteiras, ampla testagem e monitoramento de contatos, permitiu interromper a transmissão comunitária. Desta forma, um país com 100 milhões de habitantes, como o Vietnã, está há seis meses sem registrar nenhum óbito. Infelizmente, estamos muito distantes desta realidade e seria irreal esperar o fim da transmissão comunitária. Mas um lockdown nacional pode reduzir radicalmente o ritmo de transmissão da Covid-19, aliviando a pressão sobre os sistemas de saúde e evitando o seu colapso, o que precisa estar associado à ampliação em escala massiva da testagem. É importante ressaltar, portanto, que o lockdown nacional não vai acabar com a pandemia, mas é uma iniciativa que salvará dezenas de milhares de vidas e permitirá ganhar tempo para o avanço de medidas mais decisivas, como a campanha de vacinação. Além disto, a evolução da pandemia no Brasil representa hoje o maior risco mundial de produção de novas mutações que poderão ter impactos mundial, inclusive, no sentido de reduzir a eficácia das vacinas que já estão sendo utilizadas.

2- Quanto tempo duraria?

Não é possível determinar de antemão o tempo exato de duração de um lockdown nacional. Contudo, considerando experiências de lockdown em outros países e o ritmo atual de transmissão da Covid-19 e o tempo do ciclo de reprodução do vírus, é possível afirmar que um lockdown não é efetivo se durar menos de 15 dias. Pela gravidade da situação, provavelmente seria necessário um tempo maior, de 3 a 4 semanas.

3- O que ficaria fechado?

No Brasil as medidas de contenção sempre foram inviabilizadas pela proliferação de exceções. Por exemplo, há a manutenção do funcionamento presencial das igrejas mesmo quando outros estabelecimentos são fechados. Entretanto, para que o lockdown nacional seja efetivo – e portanto, para que não perdure além do tempo necessário –, não pode haver exceção, exceto aquelas estritamente relacionadas à sobrevivência cotidiana da população. No comércio, apenas mercados e farmácias devem continuar abertos. Na indústria, devem ser suspensas as atividades das unidades que não se insiram na cadeia de produção dos bens essenciais. Assim, as indústria farmacêutica, de materiais hospitalares, de alimentação e de energia precisariam funcionar, ao passo que a produção automotiva, por exemplo, deve ser interrompida. Nesse ponto, dada a gravidade da situação enfrentada, quanto mais exceções, maior a tragédia que enfrentaremos.

4- Quais as medidas de apoio à população, para que possa aderir ao lockdown?

A interrupção da atividade econômica por um período de no mínimo 15 dias, inevitavelmente, trará impactos para as condições de vida da imensa maioria da população, especialmente dos setores mais precarizados da classe trabalhadora. Por isso, é fundamental que seja adotado, imediata e previamente ao lockdown, um plano pacote de apoio, composto por auxílio emergencial de R$ 600 a todos que precisam (com valor dobrado para mães solo), garantia da estabilidade dos empregos ao longo da pandemia e empréstimos a fundo perdido aos pequenos empresários (associado ao cancelamento dos aluguéis de março e abril aos pequenos comerciantes). Essas medidas deverão ser financiadas por meio de três mecanismos básicos: (a) revogação imediata do Teto dos Gastos, para que seja possível a ampliação dos investimentos públicos emergenciais; (b) suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores, para financiar a saúde pública; e (c) taxação das grandes fortunas e dos bancos privados para garantir a renda emergencial e ajuda financeira aos pequenos negócios.

Para além do apoio econômico, é necessário, também, combater todas as formas de violência que podem ser potencializadas por um lockdown. Esse é o caso da violência doméstica contra mulheres, que teve significativo aumento em 2020, mesmo com uma restrição menos abrangente da circulação. É preciso garantir canais facilmente acessíveis de denúncia, bem como o funcionamento de rápidos mecanismos de proteção às vítimas.

5- Quais seriam as medidas coercitivas adotadas?

Nenhuma política de lockdown nacional poderá ter sucesso caso se apoie prioritariamente em elementos de coerção, especialmente considerando o caráter racista das ações das forças de segurança pública do Estado brasileiro, que têm produzido um genocídio da juventude negra ao longo das últimas décadas. Por isso, os elementos centrais para a implementação do lockdown devem ser uma ampla campanha de informação da população e o pacote de medidas econômicas acima apresentado. Medidas repressivas devem ser dirigidas para estabelecimentos empresariais refratários às regras do lockdown, e não a indivíduos. Mas considerando-se que há grupos dispostos a sabotar ativamente qualquer política de contenção, por motivações políticas, é necessário prever o estabelecimento de multa.

6- Existem condições políticas para um lockdown?

Inegavelmente, o maior obstáculo para a efetivação de um lockdown nacional no Brasil é o governo federal, que deveria ser o principal articulador de sua implementação. Bolsonaro segue em sua política genocida de contraposição da vida à economia, negando a evidência de que a melhor forma de dinamizar a economia é controlar a pandemia. Seu boicote atinge todas as medidas de isolamento social e, até mesmo, a campanha de vacinação, que segue em ritmo muito mais lento do que o necessário. É preciso, portanto, reconhecer que as condições políticas para o lockdown nacional não são simples.

Apesar disso, inúmeros governadores, que precisam administrar o caos instalado no sistema de saúde em seus estados, têm subido o tom nas críticas à gestão da pandemia pelo governo federal. Nesse ponto, abre-se uma importante oportunidade para que se exerça pressão pelo lockdown nacional. Sem deixar de lado as iniciativas solidárias de distribuição de alimentos e itens de higiene já em curso, é preciso que os partidos políticos de esquerda e movimentos sociais organizem, também, uma campanha unificada pelo lockdown nacional. Seu alvo deve ser tanto o governo federal, quanto os governos estaduais, que podem atuar para pressionar Bolsonaro, ou mesmo articular um lockdown por meio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), que tem se reunido e apresentado críticas ainda insuficientes à política federal e divulgou há dois dias um importante documento exigindo medidas nacionais que, embora não cheguem a constituir um lockdown, já avançam em relação ao que vem sendo feito. Se o governo federal é o grande obstáculo, é necessário criar formas para impor as medidas necessárias em contraposição a ele.

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coronavírus / lockdown