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BRASIL

Quatro lições que devemos tirar da pandemia

Frederico Costa*
Raphael Alves/Amazônia Real

Vacinacao de profissionais da saúde no Centro de Convivência do Idoso da Cidade Nova, Padre Vignola em Manaus com a Coronavac.

Há um ano, no dia 26 de fevereiro de 2020, ocorria o primeiro caso registrado de contaminação de Covid no Brasil. Um ano depois, chegamos a mais de 255 mil vidas perdidas, segundo dados oficiais. No dia 25 de fevereiro de 2021, o país registrou o maior número de óbitos pela doença em 24 horas em toda a pandemia: 1.582 brasileiros mortos. Além disso, também se completa 40 dias seguidos de média móvel acima de 1.000 óbitos.

Para piorar, caminha-se para um colapso das estruturas de saúde nacionais, em particular públicas. Estados do Sul, cidades do interior de São Paulo e do Nordeste são exemplos de como a Covid-19 avançou, o que fez governos anunciarem suspensão de cirurgias, de aulas presenciais, toque de recolher e lockdown. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul enfrentam uma explosão de internações nos últimos dias, além da tragédia não resolvida da Região Norte, com a situação emblemática de Manaus.

Ampliando o campo de visão para plano mundial, as perspectivas são desalentadoras, salvo raras exceções de países com forte presença estatal na área da saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, modelo de sociedade capitalista, a pandemia ceifou mais de meio milhão de vidas.

Diante disso, e com certo distanciamento teórico-político, que lições podemos tirar da atual conjuntura mundial? Penso que quatro:

1 – A pandemia demonstrou uma verdade elementar: homens e mulheres são seres com um fundamento material natural-social. Depois de séculos de ideologia apresentando a humanidade como a imagem e semelhança de deuses, um vírus demonstra que somos feitos basicamente dos mesmos tijolos que compõem o restante da natureza, tanto inorgânica como orgânica. Com o destaque de que pela atividade vital do trabalho construímos uma nova esfera da realidade: o ser social que se sustenta no metabolismo entre o ser humano e a natureza.

2 – A atual crise sanitária, também, vem revelando o protagonismo da ciência, tão achincalhada por intelectuais pós-modernos e religiosos fundamentalistas. A Covid-19 e suas variantes mostraram a emergência de um vírus mutante de um animal silvestre. As mutações aleatórias e a seleção natural evidenciam a evolução como fato objetivo. E a práxis científica, tantas vezes aprisionada pelos mecanismos do capital, apresenta suas possibilidades emancipatórias em entender e rastrear a disseminação de pandemias, desvendar a estrutura de vírus e bactérias letais, descobrindo mecanismos de curas e contenção. De fato, há muito tempo, os gregos, na primeira revolução científica, acertaram ao afirmar que não eram os deuses que enviavam enfermidades à humanidade, tampouco a solução estava nos templos erigidos a Asclépio. Na trilha inaugurada por Hipócrates, podemos afirmar que a superação da pandemia se encontra nos laboratórios e hospitais.

3 – A pandemia não está na raiz de nossos males, apesar de acelerar a desgraça geral. Primeiro, a espiral incontrolável da acumulação capitalista vem causando mudança climática, destruição da biodiversidade, degradação do solo, contaminação da água doce, poluição dos oceanos com resíduos, desenvolvimento de bactérias cada vez mais resistentes pelo uso de antibióticos na criação de animais e efervescência de vírus letais pela devastação crescente de habitats de populações de seres vivos. Em segundo lugar, a pandemia do coronavírus era a oportunidade que o capital esperava para atacar trabalhadores, povos e países inteiros. Os sinais da iminência de uma grande crise em todo o sistema se manifestaram muito antes que surgissem na China, em dezembro de 2019, os primeiros sinais da epidemia que se espalharia pelo o mundo. A crise não precisava do coronavírus para ser deflagrada. As contradições do sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, no mercado e na exploração do trabalho assalariado estavam sendo gestadas. A sobrevivência do capitalismo e do sistema de dominação imperialista precisa dar um passo à frente na desvalorização do principal componente das forças produtivas, a força de trabalho. Essa nova etapa exige a total desregulamentação das relações de trabalho e a extensão da precariedade à escala mundial, acompanhado de guerras, de terrorismo de Estado e de governos de extrema direita.

4 – A pandemia só será superada com a derrota do imperialismo, das burguesias internas e de seus governos. É preciso aprender com a história. A expropriação dos capitalistas, a economia planejada e o monopólio do comércio exterior, apesar dos desvios burocráticos, evidenciou as possiblidades de estruturas sociais de transição como o Leste Europeu, Cuba, Vietnã e Coreia do Norte, por exemplo. É possível derrotar o imperialismo, superar o capitalismo, instaurar o planejamento democrático e romper com a lógica do capital. O socialismo é viável, além de ser a cura para os males atuais. O poder deve ser exercido pelos trabalhadores e trabalhadoras.

*Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.

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covid-19 / pandemia