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BRASIL

O exemplo de Manaus: Por que um lockdown nacional é necessário?

Jorge Henrique*, de Brasília, DF
Ricardo Amanajas / Ag. Pará / Fotos Públicas

Pacientes com covid no Amazona são levados de avião para outros estados

O lockdown é um remédio muito amargo para governos e populações. Mas o problema não é o lockdown em si, pois já vimos que desde o início da pandemia o uso de máscaras foi contestado, medicamentos sem comprovação científica foram indicados e até mesmo o uso de vacinas, que é a solução mais eficaz para essa peste, foi questionado por negacionistas, incluindo o presidente Bolsonaro.  

O problema é que o Brasil não conseguiu dar respostas coordenadas à pandemia e Bolsonaro viu-se obrigado a desviar o debate para a economia, opondo-a às medidas sanitárias. Sua estratégia é baseada na hipótese absurda de que a contaminação indiscriminada produziria imunidade coletiva, uma estratégia que não tem nenhuma sustentação científica. A verdade é que essa ideia não passa de uma combinação de darwinismo social e teoria malthusiana para justificar que a economia tem que funcionar independentemente do número de pessoas que morrem. 

Uma economia a todo vapor, com pessoas circulando, sem que haja vacinas e outras medidas de contenção, como o lockdown, gera uma dinâmica de circulação do vírus, onde variantes não permitem uma imunidade duradoura para a população, torna sustentável a transmissão de cepas mais virulentas e agressivas, e coloca em risco a efetividade das vacinas. 

Existem novas cepas de vírus circulando que são oriundas de mutações isoladas, mas já existem cepas híbridas que são resultado da combinação de duas variantes e que podem ter virulência e transmissão muito maiores. Uma pesquisa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, aponta que a carga viral da variante reconhecida no Amazonas pode ser até dez vezes maior em pessoas adultas. 

Não é à toa que o caso de Manaus é tão emblemático: em dezembro um estudo foi publicado pela revista Science com a estimativa de que 76% dos manauaras já haviam sido infectados pelo novo coronavírus. Mas no mesmo mês a cidade voltou a bater recorde de casos diários e número de mortes. No dia 26 de dezembro, o Governo restringiu atividades no Estado, mas pressionado por empresários, voltou a liberar atividades. O que aconteceu foi que logo em seguida as pessoas começaram a morrer asfixiadas devido a falta de oxigênio nos hospitais.

Este é o cenário que pode acontecer, hoje, no Brasil, com diferença significativa na dinâmica do ano passado, quando a evolução da transmissão de coronavírus se deu de forma desigual, com estados e cidades sofrendo o impacto da pandemia – em maior ou em menor grau – em momentos distintos. Isso permitiu planos locais de contingenciamento de acordo com a evolução da transmissão do vírus para que os sistemas locais de saúde não entrassem em colapso. Mas mesmo assim, isso não impediu a morte de mais de 250 mil pessoas. 

Hoje, a transmissão em alto ritmo de contágio se dá de forma simultânea em todo o País. Todos os estados e cidades estão sendo afetados ao mesmo tempo. Ou seja, o sistema de saúde do País pode colapsar em bloco, caso não seja feito um lockdown efetivo. Não haverá margem para remoção de pacientes para outros estados em busca de UTIs, pois o colapso é o mesmo. 

Mesmo se o País tivesse uma robusta infraestrutura para absorver esta pressão por leitos de UTI’s, a população estaria jogada à sorte de um combate desigual, onde profissionais de saúde aliados a ventiladores mecânicos e medicações lhe dariam no máximo 33,7% de chance de sobrevivência. Esse é um dado do projeto intitulado “UTIs Brasileiras”, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, que apontou que a taxa de mortalidade de pessoas internadas em UTIs covid é de 66,3%, ou seja, de cada 3 pacientes internados, 2 morrem. 

Só no Estado de São Paulo, são mais de 7 mil pessoas internadas em UTIs covid. Se considerarmos essa taxa de mortalidade, serão ao menos 4 mil vidas perdidas. Portanto, a ideia de que a disponibilidade de leitos de UTI é um critério para flexibilizar medidas restritivas é errada e cruel. Medidas mais rígidas são essenciais, nesse momento para reverter a tragédia brasileira.

Como mostra o estudo do Imperial College, de Londres, o terceiro lockdown no Reino Unido ajudou na redução da transmissão do novo coronavírus, com uma queda de 80% nos casos de infecção em um período um pouco maior do que um mês. A Nova Zelândia também dá exemplo com sua estratégia rígida de controle da pandemia de Covid 19, com um lockdown em Auckland, principal cidade do País, após a detecção de apenas um caso de contaminação. 

Mas o lockdown em si não é uma solução capaz de reduzir a transmissão da doença. A medida deve também ser combinada, prioritariamente, com o rastreamento, o isolamento de casos confirmados, testagem RT–PCR em massa, comunicação efetiva com a população sobre a situação da pandemia e medidas de prevenção.  

E para que as pessoas tenham capacidade de realizar um lockdown efetivo no País é fundamental a imediata aceleração da política nacional de imunização do SUS, com vacina para toda a população; a imediata retomada da Renda Emergencial; a Garantia da estabilidade no emprego enquanto durar a pandemia, ao invés de R$ 1 trilhão para os bancos, ajuda financeira aos pequenos e médios empresários por meio de empréstimo público.

 

*Jorge Henrique é enfermeiro da Secretaria de Estado de Saúde do DF e especialista em Saúde Coletiva pela Fiocruz Brasília 

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Amazonas / coronavírus